A Palavra de Deus tem força própria e dispensa milagres.
Jesus continua alertando e
formando seus discípulos em relação à tentação da aparência, do dinheiro e do
poder. Ele polemiza com os fariseus, mas sua atenção está voltada aos
discípulos. A fé na sua Palavra e a adesão aos seus ensinamentos deve
qualificar a relação dos seus discípulos com os bens e com os pobres. Uma fé
vivida unicamente como remédio para nossos males individuais ou como
combustível para uma carreira de sucesso tem pouco a ver com ele.
Há um abismo tão real
quanto ignorado e encoberto que separa as pessoas que frequentam a mesma
comunidade, os cidadãos de um mesmo país, os habitantes do único planeta. É
isso que aparece na parábola de hoje: há um rico que se veste elegantemente e
dá festas todos os dias; e há um pobre coberto de feridas, faminto, rodeado de
cães e sentado na calçada, em frente à porta da casa do rico, absolutamente
invisível a irrelevante para ele. Profetas como Amós já levantavam sua voz e
denunciavam o insulto dos banquetes dos ricos frente à miséria dos pobres.
No centro da vida cristã
está a compaixão pelos pobres, e não há lugar para a indiferença e a busca do
próprio bem-estar individual a qualquer custo. O caminho entre a porta e a mesa
deve ser amplo e aberto. Jesus não aceita a indiferença dos ricos frente aos
sofrimentos dos pobres. Sua Palavra é contundente: “Ai de vós, os ricos, porque
já tendes vossa consolação!” (Lc 6,24). Ele insiste que os pobres e os
sofredores devem ocupar os primeiros lugares na lista de convidados para as
festas e celebrações (cf. Lc 14,13). Mas no Brasil e não se permite que Lázaro
vá além da porta dos ricos.
Por isso, é estranho o
grito do rico, depois da morte, pedindo que Lazaro tenha compaixão dele. O rico
continua achando que os pobres devem estar a seu serviço para aliviar a sede ou
avisar seus parentes e livrá-los a tempo dos males que os esperam. Não pode não
ser cinismo este apelo para que os pobres tenham compaixão dos ricos que sempre
se vestiram de indiferença e prepotência. O caminho para o céu é nossa vida na
terra, e a indiferença corta a comunicação, destrói as pontes, cava abismos e
fere de morte a solidariedade entre as pessoas e povos.
Jesus se estende na
descrição das tentativas infrutíferas do homem rico para reverter uma situação
irreversível, sem tomar consciência do abismo que ele mesmo cavou, pedindo que
lhe tragam água para amenizar a sede e enviem um morto ressuscitado para
convencer seus parentes da necessidade de mudar de atitude. Mas não há sinal
poderoso ou milagre esplendoroso capaz de tocar o coração e a mente de quem se
fechou em si mesmo e faz da indiferença uma couraça protetora. Nada pode curar
aqueles que se fecharam à Palavra e dos profetas.
É lamentável que ainda hoje
muitos pregadores apresentem esta parábola simplesmente como uma espécie
fotografia da inversão que a morte provocaria na vida real. Jesus não está
falando da felicidade que espera os sofredores no paraíso futuro, ou do
sofrimento destinado aos ricos depois da morte. O que ele enfatiza é o caráter
decisivo e irreversível das opções que fazemos e das práticas que desenvolvemos
no tempo presente. O caminho da vida cristã é pavimentado pela escuta da Palavra
de Deus e pela conversão, e nela não há lugar para privilégios, nem para
milagres fáceis e encomendados, pagos e golpes de dízimo.
Na carta a Timóteo, Paulo
pede: “Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça
e a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão. Combate o bom combate
da fé, conquista a vida eterna, para a qual fostes chamado”. Ele nos pede para
juntar a piedade à prática da justiça, unir a solidariedade à fé, casar a
mansidão com a perseverança no seguimento de Jesus Cristo, único e soberano
líder que pode nos guiar a um mundo justo, fraterno e liberto.
“Fala, Senhor! Fala da Vida! Só tu tens palavras
eternas, e nós queremos ouvir. São tantos os apelos que vêm dos oprimidos. Tu
és quem liberta, o Deus dos esquecidos”. Ajuda-nos a vencer a indiferença que
cava abismos entre pessoas que nasceram para ser irmãos e irmãs. Ensina-nos a
acolher e compreender aquilo que nos dizes através dos profetas e santos/as de
ontem e de hoje. Sustenta a coragem daqueles/as que denunciam golpes midiáticos
e sequestros de direitos. E que tua Palavra seja sempre a luz dos nossos
passos. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário