A
Igreja canta e caminha em compasso de missão.
(Am 7,12-15; Sl 84/85; Ef 1,3-14; Mc
6,7-13)
Ainda não se apagou da nossa memória a recepção nada
positiva que a comunidade de Nazaré dispensou a Jesus. O impacto provocado pela
sua sabedoria logo se transformou em escândalo por causa da sua origem humilde.
Mas isso não é um mero acidente de
percurso: é o próprio método missionário de Jesus. Ele envia os discípulos
recomendando despojamento e humildade, pedindo que tomem parte de sua missão. A
comunidade cristã é uma assembléia de
pessoas chamadas e enviadas. Paulo diz que Deus nos escolheu antes da
criação do mundo para sermos santos e sem ambigüidades no amor, e o amor é a
dinâmica e o coração da missão. O Senhor nos chama e envia para anunciar seu
Evangelho. Ai de quem esquece disso e se contenta em ser profeta a serviço dos
reis e sacerdote, oficiante de louvores tão dançantes quanto superficiais.
“Ele
chamou os doze discípulos e começou a enviá-los dois a dois...”
A palavra Igreja
significa etimologicamente assembléia ou reunião. A Igreja é uma autêntica assembléia de Deus, convocada e reunida
por ele e em nome dele. Mas essa reunião tem uma finalidade que vai além da
ação de se reunir. A razão de ser da
Igreja é deixar-se enviar, colocar-se a caminho, assumir uma missão no
mundo, continuar de forma criativamente fiel a própria missão iniciada por
Jesus Cristo.
A Igreja é uma assembléia
de pessoas enviadas, uma comunidade em missão. Há 40 anos a Igreja católica
vem afirmando que é uma comunidade essencialmente missionária, e as
comunidades, movimentos, paróquias e dioceses que não demonstram isso em
palavras e ações comprometem a autenticidade da Igreja. Jesus Cristo não
consumiu sua vida freqüentando as sinagogas, estudando os detalhes da lei
sagrada ou oferecendo sacrifícios no templo.
Isso significa que a Igreja não é uma sociedade
voltada para si mesma, auto-centrada.
A Igreja é uma espécie de movimento para fora, uma entidade ex-cêntrica. Os sacramentos, os
ministérios e todos os organismos e instituições eclesiais precisam ajudar os
discípulos e discípulas de Jesus Cristo a saírem de si e se encarnarem de forma
transformadora no mundo. As comunidades cristãs são como as rosas que se abrem,
e não como os repolhos que se fecham sobre si mesmos.
“Mandou
que não levassem nada pelo caminho...”
Preparar-se e capacitar-se para a missão que recebemos
é sinal de responsabilidade pessoal e de apreço pelos destinatários do nosso
serviço. No caso da missão que Jesus Cristo confia à comunidade cristã, a
preocupação exagerada com os meios e com os recursos não deve travar as
iniciativas nem adiar os projetos. O que é indispensável
é o mergulho pessoal no Evangelho de Jesus Cristo e a disposição de partilhar
gratuitamente a liberdade que de graça recebemos.
É nessa perspectiva que entendemos as orientações que
Jesus dá aos discípulos/as que envia. Como ele mesmo, eles/as não precisam
fazer cursos de especialização que podem afastar do povo e levar a falar uma
língua complicada. E não devem se preocupar
demais com meios poderosos e técnicas especiais. Uma túnica é o bastante, e
as sandálias tornam o caminho menos pesado... “Jesus recomendou que não
levassem nada pelo caminho, além de um bastão...”
Com isso não
devemos concluir que a preparação espiritual e intelectual não seja necessária,
mas ressaltar que não devemos colocar aquilo que é secundário no lugar do que é
primário. Sem a experiência de fé e a
liberdade que despoja e simplifica não há curso ou instrumento multimídia capaz
de ajudar. Sem a atitude de irmão e companheiro que nos faz próximos
daqueles que estão longe nos leva a compartilhar a vida e as lutas deles não
existe missão frutuosa.
“Foi
o Senhor que me tirou de trás do rebanho...”
Ser missionário/a é uma vocação desestabilizadora e não uma profissão que traz benefícios
ou prosperidade individual. A missão tem
uma dimensão profética, e nem sempre é aceita e aplaudida. Esse é o
testemunho dos profetas do antigo testamento, do próprio Jesus Cristo e dos
discípulos e discípulas que o seguiram pelos séculos afora. Sem querer, quem
parte em missão acaba tornando-se uma pessoa incômoda e perigosa para o status quo.
Essa condição de incômodo é bem representada na
liturgia de hoje pelo profeta Amós. O sacerdote Amazias o expulsa do templo e
pede que volte para sua terra. Suas denúncias corajosas e concretas contra as
oligarquias e contra a própria monarquia não soam bem “no templo do reino e
santuário do rei”. Presumindo que o profeta esteja atuando na esperança de
ganhar alguma coisa, Amazias determina:“Vá ganhar sua vida fazendo lá suas
profecias.”
Mas o profeta não se rende, pois não assumiu sua
missão por procuração ou por interesse, mas a recebeu do próprio Deus. Ele tem
outros meios de vida, e sua profecia
nasce da fidelidade ao Deus da Aliança, da fidelidade ao seu povo. “Eu não
sou profeta, nem discípulo de profeta. Eu sou criador de gado e cultivador de
sicômoros. Foi Javé quem me tirou de trás do rebanho e me ordenou: ‘Vai
profetizar ao meu povo...”
“E deu-lhes
poder sobre os espíritos impuros...”
O testemunho pessoal é o começo e o fundamento da
missão, mas não é toda a missão. Anunciar “Jesus te ama” é bonito e verdadeiro,
mas é muito pouco. Anunciar “Jesus salva” é ortodoxo, mas insuficiente. É uma
pena que, tanto no passado como no presente, muitos/as missionários/as pensem
que precisam defender Jesus diante de um mundo que se tornou indiferente ou
resistente à religião. É o povo de Deus,
e não Jesus, que precisa de defensores!
A missão tem também
uma dimensão ativa, transformadora, libertadora. Nas palavras de Jesus no
Evangelho de hoje, trata-se de expulsar demônios e curar os doentes. E isso não
significa virar exorcista ou curandeiro, mas de criar condições para que as
pessoas diminuídas, menosprezadas e oprimidas recuperem plenas condições de
vida. É preciso identificar em cada situação quem são as pessoas e grupos aos
quais são negadas as possibilidades de uma vida plena, e agir em favor delas.
Por mais que as ações espetaculares – e frequentemente
tão coloridas quanto falsas – de expulsar os demônios e curar os doentes
impressionem, a dimensão transformadora e
libertadora da missão cristã se mostra melhor noutras iniciativas que dão menos
ibope: na corajosa ação da CPT; no delicado e respeitoso trabalho do CIMI;
na impressionante atividade da pastoral da criança; no ingrato trabalho da
pastoral carcerária; na anônima dedicação da pastoral da saúde; etc.
“Nele,
deus nos escolheu, antes da fundação do mundo...”
É uma verdade central da nossa fé que, em Cristo, Deus
nos abençoou abundantemente e nos escolheu ainda antes de criar o mundo para
sermos pessoas maduras e íntegras no amor. Escolhendo-nos, ele também abriu
nossa mente à compreensão do mistério de sua santa vontade, nos adotou como
filhos e filhas e nos introduziu na lista dos seus herdeiros/as. E isso não é
pouco, coisa abstrata ou algo para um futuro incerto.
O que não podemos é pensar que isso é mérito ou
privilégio. Somos filhos/as porque ele nos ama. Somos herdeiros/as porque ele
nos acolhe e inclui na lista, sem levar em conta nossas ambigüidades e limites.
E mais ainda: somos filhos/as para estender a família de Deus até os extremos
da terra, num abraço que a ninguém exclui. Somos herdeiros/as do reino de Deus
para administrar e potencializar o dinamismo da acolhida, da compaixão e da
solidariedade redentoras.
“Misericórrdia
e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam.”
Jesus Cristo, profeta
de Nazaré e missionário do Pai: tu nos ensinas que a vontade mais genuína do teu
e nosso Pai é que o amor e a fidelidade se encontrem, a justiça e a paz se
abracem, a fidelidade brote da terra e a
justiça se incline do céu. É isso que tu pedes que anunciemos e realizemos. Por
isso, confiantes, te pedimos pelos/as servidores/as da Palavra, por aqueles/as
cuja missão é, na medida do possível, atrair as pessoas a ti: abençoa o
trabalho deles/as de modo que realizando-o possam também eles/as serem atraídos
a ti e confirmados/as na alegria. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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