Confesso que sempre que passo
indiferente diante de uma pessoa que me estende a mão pedindo algo ou quando
não esboço nenhuma reação diante de injustiças perpetradas contra grupos
humanos oprimidos ou marginalizados sinto um certo desconforto. Isso não me
parece nem nomal nem eticamente aceitável, mas, ao mesmo tempo, percebo que
esta tentadora indiferença cresce em mim e naqueles que me rodeiam. Como
explicar isso?
É claro que a explicação é
menos importante que a ‘dissonância ética’ que isso causa. Mas o sentimento de
inadequação e de discordância solicita e espera a companhia e a preciosa ajuda
de uma honesta reflexão.
Lendo hoje (20.07.2012) o
profeta Jeremias, tive uma intuição que me parece esclarecedora. Chamou-me a
atenção o modo como ele fala do seu povo como se fosse de um sujeito real, com
identidade, sofrimento e destino claramente definidos. A opressão sofrida por parte
do povo é vista pelo profeta como opressão de um povo. Assim como o desejo de
bem-viver dos oprimidos é visto como sonho de todo o povo de Israel. Aqui está:
povo não é um sujeito abstrato, mas
concreto e real.
Não seria a perda ou a recusa
dessa identidade coletiva, dessa personalidade comunitária, o fator que
propicia e potencializa a indiferença e diminui possibilidade a força da
indignação? Não seria este dinamismo, que inflaciona a subjetividade
individualista e promove a identidade soilipsista, a doença que está levando a
solidariedade à letargia e matando a profecia?
Quando o outro – a vítima, o
empobrecido, o esquecido, o diferente... – não tem nada a ver comigo, não tem
nada em comum comigo, o que me importa o que se passa com ele? Quando não
existe mais família, comunidade, tribo, etnia, coletividade... mas somente
indivíduos que começam e terminam em si mesmos, o que pode nos inquietar e nos
indignar a não ser a negação dos nossos desejos e preferências?
É claro que não podemos
esquecer os malefícios danosos de coletivismos niveladores e negadores da
subjetividade. Mas desse limite não se pode passar inocentemente à festiva diluição
da identidade social na multidão de indivíduos. Porém, esse é o pecado que, em
forma de tentação, de ação ou de omissão ronda o coração e a mente de bons
cristãos e se aninha nos cultos discretos ou faustosos de muitas religiões,
inclusive de um certo catolicismo.
Embarcar nesse trem parece bom
e desejável, mas então eu não saberia mais o que fazer com Jesus Cristo, sua
Palavra e sua ação.
Itacir Brassiani msf
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