domingo, 22 de julho de 2012

O perigoso fim das coletividades


Confesso que sempre que passo indiferente diante de uma pessoa que me estende a mão pedindo algo ou quando não esboço nenhuma reação diante de injustiças perpetradas contra grupos humanos oprimidos ou marginalizados sinto um certo desconforto. Isso não me parece nem nomal nem eticamente aceitável, mas, ao mesmo tempo, percebo que esta tentadora indiferença cresce em mim e naqueles que me rodeiam. Como explicar isso?
É claro que a explicação é menos importante que a ‘dissonância ética’ que isso causa. Mas o sentimento de inadequação e de discordância solicita e espera a companhia e a preciosa ajuda de uma honesta reflexão.
Lendo hoje (20.07.2012) o profeta Jeremias, tive uma intuição que me parece esclarecedora. Chamou-me a atenção o modo como ele fala do seu povo como se fosse de um sujeito real, com identidade, sofrimento e destino claramente definidos. A opressão sofrida por parte do povo é vista pelo profeta como opressão de um povo. Assim como o desejo de bem-viver dos oprimidos é visto como sonho de todo o povo de Israel. Aqui está: povo não é um sujeito abstrato, mas concreto e real.
Não seria a perda ou a recusa dessa identidade coletiva, dessa personalidade comunitária, o fator que propicia e potencializa a indiferença e diminui possibilidade a força da indignação? Não seria este dinamismo, que inflaciona a subjetividade individualista e promove a identidade soilipsista, a doença que está levando a solidariedade à letargia e matando a profecia?
Quando o outro – a vítima, o empobrecido, o esquecido, o diferente... – não tem nada a ver comigo, não tem nada em comum comigo, o que me importa o que se passa com ele? Quando não existe mais família, comunidade, tribo, etnia, coletividade... mas somente indivíduos que começam e terminam em si mesmos, o que pode nos inquietar e nos indignar a não ser a negação dos nossos desejos e preferências?
É claro que não podemos esquecer os malefícios danosos de coletivismos niveladores e negadores da subjetividade. Mas desse limite não se pode passar inocentemente à festiva diluição da identidade social na multidão de indivíduos. Porém, esse é o pecado que, em forma de tentação, de ação ou de omissão ronda o coração e a mente de bons cristãos e se aninha nos cultos discretos ou faustosos de muitas religiões, inclusive de um certo catolicismo.
Embarcar nesse trem parece bom e desejável, mas então eu não saberia mais o que fazer com Jesus Cristo, sua Palavra e sua ação.
Itacir Brassiani msf

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