segunda-feira, 23 de julho de 2012

Kalimantan: impressões, emoções e reflexões (12)


Atravessando o rio Mahakan

Nem todos os mapas são iguais
Uma viagem de 45 minutos nos levou de Baron Bongkok a Tering. Um paroquiano gentil nos levou até o rio Mahakam. De lá ele voltou e nós atravessamos o rio de balsa. No outro lado nos esperavam ansiosos dois coirmãos Missionários da Sagrada Família: Pe. Gregorius Syamsudin e Pe. Daud Andy Savio Mering (este último, filho da terra chegara das Filipinas para uns dias de férias com sua família). O Ir. Urbanus Teluma Belawa nos esperava em casa.
Partindo do porto, caminhamos uns dois quilômetros pelas ruas da cidade (na verdade, uma mistura de ruas e passarelas de madeira), que se confunde com uma zona rural em plena mata equatorial. Passamos pela velha igreja católica, construída toda em madeira e muito bem conservada. Vimos de longe o hospital das Irmãs Missionárias Adoradoras da Sagrada Família e a escola pública municipal. O povo olhava curioso os dois estrangeiros que circulavam entre as casas...
Chegando diante da residência dos coirmãos, fomos recebidos oficialmente por um grupo de crianças, com danças tribais e vestes tradicionais. Acolheram-nos com os tradicionais braceletes de boas vindas e chapéus típicos, que consolidam a pertença. Isso deu uma graça especial a esta nova estação da nossa grande via-sacra (via- sacra no sentido de sagrada, e não de pesada).
Ruas ou passarelas?
Tering é uma pequena cidade de mais ou menos 12.000 habitantes (incluída a população que vive no interior e nas comunidades ribeirinhas). Do ponto de vista religioso, é uma espécie de exceção na ilha de Kalimantan: 80% do povo é crsitão e a paróquia conta com 6.000 fiéis, distribuídos em 17 comunidades. Aqui temos um dos berços da presença dos MSF na Indonésia e, pelos números que acabo de reportar, o trabalho dos coirmãos que se revezaram nestes quase 90 anos de missão foi abençoado por Deus e frutificou abundantemente.
São dois os coirmãos que levam avante o trabalho missionário e pastoral nesta paróquia: o Pe. Gregorius Syamsudin, pároco e superior da comunidade, é um jovem de 42 anos de idade (aqui quase todos aparentam menos idade do que têm!), vindo de uma família protestante que aderiu ao catolicismo em 1978; o Ir. Urbanus Teluma Belawa, 36 anos, originário da ilha de Flores, fez cursos para atuar na educação de agricultores e o curso superior para catequistas. Com a ajuda da comunidade das Irmãs, com quem celebram diariamente a missa e rezam o Ofício, estes dois coirmãos  visitam as comunidades duas ou três vezes por mês, tendo o cuidado de, dentro do possível, inculturar a fé no mundo dayak.
Chama muito a atenção a beleza do conjunto arquitetônico paroquial. Como a maioria absoluta das construções ribeirinhas, a casa paroquial e a igreja matriz são erguidas sobre estacas a mais de 2 metros do chão. É a necessária prevenção contra as frequentes enchentes que, mesmo assim, às vezes têm chegado a 1 metro acima do assoalho (isso mesmo que o leito do rio esteja a mais de 4 metros do terreno). Tanto a igreja como a casa paroquial, ligadas uma à outra por uma passarela coberta, são edificadas com madeiras nobres, resistentes à alta humidade, que por aqui é permanente. Além de resistente, a madeira é muito bem beneficiada, o que dá ao conjunto um aspecto leve e belo.
Bela equipe de acolhida dos visitantes estrangeiros!
O estilo da igreja, tanto na fachada externa como no interior, produz uma agradável surpresa ao visitante. Todas as colunas são de madeira roliça, escullpidas ou pintadas com motivos próprios da cultura dayak, e os móveis mantém a coloração natural da madeira. A iluminação natural é muito boa, assim como a ventilação. A cobertura de madeira com zinco por cima também protege do calor. Externamente, a construção assume o estilo das casas tradicionais. A torre do sino se sustenta sobre quatro blocos de madeira roliça nos quais está esculpido em relevo fragmentos da história cristã da região, que em 2007 completou 100 anos. Este templo é uma verdadeira jóia arquitetônica, obra do coirmão holandês Pe. Jamaat.
Como sempre, e para o nosso desespero, também em Tering nossa visita foi meteórica. Chegamos no meio da manhã, conversamos rapidamente com cada um dos três coirmãos, almoçamos (com direito a experimentar carne de urso!) e organizamos o retorno para as 14:00. Mas começou a chover, e o pior é que o carro da paróquia fica sempre do outro lado do rio! Esperamos ansiosos que a chuva passasse, pois em Barong Tongkok ainda tínhamos que conversar com o Pe. Usat, antes de seguir para o porto, de onde deveríamos partir às 18:00.
Menos mal que nossas preces foram atendidas e a chuva deu uma trégua. Assim, fomos de pés descalços até à beira do rio, descemos o barranco escorregadio apoiados num cajado de madeira que nos emprestaram e atravessamos o rio numa rabeta, tentando desesperadamente manter o equilíbrio. Neste ponto o rio Mahakam tem mais ou menos as dimensões do rio Uruguai em Iraí. Graças a Deus tudo correu bem. Seguimos de carro e chegamos em tempo a Barong Tongkok, falamos com o Pe. Usat, mastigamos um pedaço de pão e nos dirigimos ao porto, que está localizado a uns 30 minutos da cidade.
Embarcamos às 18:00. A duração prevista da viagem até o porto de Samarinda era de 12 horas. O barco era relativamente confortável para os moldes da região: 120 lugares, com colchonete e travesseiro para um bom descanso noturno, mais uns 80 passageiros que se amontoam em qualquer canto. Mas na parte que ocupamos tinha até ar condicionado (que não funcionou muito bem). Infelizmente o lamentável desconhecimento da língua mais uma vez nos impediu de estabelecer relações com os compaheiros de viagem, curiosos em saber quem são estes estrangeiros, o que fazem por aqui, o que pensam de Kalimantan... Uma jovem senhora mussulmana, usando a famosa burka (atrás da qual os olhos são a única parte do corpo que pode ser vista) se aproximou de nós com sua filhinha, a qual beijou nossa mão em sinal de respeito...
Uma matriz bela e inculturada
Depois destes 20 dias de visita, percorrendo estradas precárias, sob um sol implacável e envolvidos por uma umidade desalentadora, com mosquitos e insetos por todos os lados, em meio a uma natureza exuberante e um povo original, volto a tirar o chapéu diante dos missionários, vindos da Europa ou nativos, que abriram sendas missionárias neste mundo estranho e mantém a fé de comunidades absolutamente minoritárias mas muito vivas. E fico me perguntando o que significou para os coirmãos de governos gerais que nos antecederam, chegar a estes rincões usando meios mauito mais precários que os de hoje, alojados em casas muito menos confortáveis.
Para mim fica cada vez mais claro que a geografia e a cartografia missionárias são muitos diferentes daquelas guiadas pela economia ou pelo turismo. A cartografia turística põe em destaque Bali, paraíso turístico dos europeus, ou Borobudur, ruínas da cultura e da espiritualidade budistas do século XII. A geografia econômica põe em destaque a imponência urbana e o dinamismo econômico de Jakarta e a riqueza petrolífera de Balikpapan. Mas os mapas religiosos nos levam a Sampit, Ampah, Lambing, Tering, Buntok e outros povoados perdidos nesta ilha continental. Foi para lá que se dirigiram os filhos espirituais do Pe. Berthier no início do século passado, e é nestes lugares – mas não apenas nestes – que novas gerações de missionários dão o melhor de si mesmos.
Oxalá estes coirmãos possam perceber também a necessidade e se alegrar com a possibilidade da colaboração ecumênica, do diálogo com o mundo mussulmano e da perspectiva social da fé para o desenvolvimento de uma missão realmente evangélica no início do século XXI. Mas sempre seguindo a cartografia ditada pelo Evangelho: priorizando os últimos, aqueles que estão longe, os lugares onde é maior a necessidade, os grupos humnos em situação de maior fragilidade social.

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