quarta-feira, 4 de julho de 2012

14° Domingo do Tempo Comum


é o serviço, e não o sucesso, que nos faz semelhantes a Jesus.
(Ez 2,2-5; Sl 122/123; 2Cor 12,7-10; Mc 6,1-6)

Um pouco mais ou um pouco menos, a grandeza, a fama e o poder nos fascinam. Fraqueza, pequenez e humildade são realidades que em geral tememos e evitamos. Os ídolos – estas criaturas que se distanciam dos mortais comuns pelo brilho, poder e soberba que demonstram – nos parecem modelos dignos de serem imitados. E mesmo quando omitem desesperadamente a origem humilde e desprezada e desabam como um castelo de ilusões, como aconteceu recentemente com Michael Jackson, teimamos em sublinhar sua grandeza imortal. Mas o caminho da humanização não passa por estas veredas, como também não passam por ali os caminhos de Deus. Em Jesus Cristo, Deus define para sempre seu caminho: o ser humano comum e humilhado, sem nenhum outro título ou honra, é seu sacramento, seu interlocutor e seu embaixador no mundo. Ele é a força dos fracos, a honra dos desprezados, a esperança dos esquecidos, a liberdade dos prisioneiros, a vida dos excluídos.
“Tem compaixão de nós, porque estamos saturados de insultos!”
Nas palavras do salmista ressoa o clamor do povo de Israel e o grito dos humilhados de todos os tempos. “Piedade de nós, Senhor, piedade, pois estamos saturados de insultos; estamos saturados das zombarias dos abastados, do desprezo dos orgulhosos.” Não se trata de um simples sentimento subjetivo, mas de uma experiência objetiva, real, dolorida, palpável. Os satisfeitos e soberbos são reais, como terrivelmente reais são as inumeráveis vítimas do desprezo.
Existem pessoas que são desprezadas simplesmente por causa do gênero ao qual pertencem ou pela orientação sexual: mulheres constantemente humilhadas por uma arcaica e violenta cultura machista, pela valorização desigual do trabalho, pela sobreposição de jornadas de trabalho, por leis e tradições que impedem o acesso aos ministérios eclesiásticos, por ideologias e mitos que exaltam a força bruta e a fria racionalidade; pessoas homoafetivas caçadas e eliminadas como feras perigosas ou abtjetas.
Existem grupos humanos que são desprezados por questões étnicas e raciais: negros/as que carregam as marcas da escravidão como se dela fossem culpados/as, que são olhados sempre com suspeita, que são vistos como inferiores/as; grupos de  indígenas– que são povos, e não apenas grupos – vistos como seres primitivos ou selvagens, como exemplares exóticos de um tempo que, graças a Deus!, não existe mais, como entraves para o excludente e predatório desenvolvimento branco.
E não podemos esquecer também as pessoas desprezadas pela sua condição econômica ou cultural: pessoas empobrecidas pela exploração do trabalho; humilhadas pela falta de acesso à escola; enfraquecidas por doenças para as quais não encontram tratamento na saúde pública; suspeitas por habitarem em zonas rurais ou periféricas; menosprezadas por manterem uma cultura tida como inferior às demais ou por não terem frequentados os bancos escolares e universitários.
“Saindo dali, Jesus foi para Nazaré, sua propria terra...”
Apesar de títulos e imagens de poder que a história associou a Jesus, ele partilhou a sorte das pessoas desprezadas e marginalizadas. Jesus de Nazaré não se colocou do lado dos soberbos e dos satisfeitos, nem se mostrou indiferente à sorte das pessoas humilhadas. Nasceu numa estrebaria, habitou numa cidade insignificante e numa região desprezada, foi trabalhador braçal, misturou-se a grupos sociais suspeitos, foi preso e executado entre ladrões.
O Evangelho de hoje nos mostra Jesus entrando em Nazaré (cidade onde se criara) e ensinando na sinagoga local. O testo sublinha a admiração dos conterrâneos e a inquietação sobre a origem do seu carisma. Como o conheciam desde pequeno, e conheciam também sua família, as pessoas da vila se perguntavam: “Onde foi que arranjou tanta sabedoria? Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria?...” Vindo de onde vinha, ele não poderia ser o que dava a impressão de ser.
Para a mentalidade dos moradores de Nazaré, como para muita gente ainda hoje, a sabedoria não poderia vir de pessoas comuns e humildes como eles. Por mais que o ensinamento e as ações de Jesus impressionassem e provocassem fascínio, o fato de que ele partilhava da humilde condição de um povoado marginal e de um povo trabalhador era como uma pedra no meio da estrada, uma pedra de escândalo, algo difícil de aceitar.
“Um profeta só não é valorizado na sua própria pátria, entre os parentes e na própria família.”
Jesus fica impressionado com a visão estreita dos seus conterrâneos, com a influência que a ideologia da superioridade das pessoas cultas e poderosas exerce sobre os humildes habitantes da sua aldeia. Por trás dessa influência maléfica estava a idéia da inferioridade e impotência dos pobres, da sua radical e eterna dependência de benfeitores poderosos. Aquele povo simples, como parte das classes populares de hoje, havia interiorizado e assimilado sua própria insignificância.
O que mais surpreende é que parece que o escândalo atinge os próprios familiares e parentes de Jesus. É isso que deduzimos da afirmação de que um profeta só não é estimado na sua pátria, entre seus parentes e familiares. Aqueles que haviam visto a absoluta normalidade de Jesus, seu crescimento e os altos e baixos familiares, suas raízes camponesas e suas mãos calejadas, não conseguiam reconhecer nele os traços do Profeta ou do Messias esperado.
Para Jesus, o escândalo dos habitantes de Nazaré diante da sua origem humilde é falta de fé. “E Jesus ficou admirado com a falta de fé deles.” Fé é a lucidez e a abertura de mente que permitem reconhecer a presença ativa de Deus nas pessoas simples, a força de Deus na fraqueza humana. É a abertura para acolher as surpresas e a ação criativa e inusitada de Deus que se manifesta onde e quando menos se espera. Por causa da falta de fé do seu povo, Jesus não consegue fazer nenhum milagre em Nazaré...
“Me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim.”
A maioria das pessoas, mesmo os cristãos e religiosos/as, sonhamos secretamente com uma vida bem sucedida, com empreitadas vitoriosas. E quando o sucesso roça mesmo que superficialmente nosso rosto, tornamo-nos frios e arrogantes, rebeldes e violentos, como o povo ao qual o profeta Ezequiel foi enviado. Não o sucesso, mas o amor, o que nos faz semelhantes a Deus. Guimarães Rosa dizia que quando vencemos é difícil disfarçar nossa semelhança com o diabo...
A profecia enfrenta a arrogância com as armas da perseverança. Martin Luther King insistia que o movimento negro venceria a opressão dos brancos por sua infinita capacidade de sofrer. E Paulo hoje sublinha que a força e a graça de Deus se mostram com maior clareza na fraqueza e na vulnerabilidade dos cristãos. “É na fraqueza que a força mostra o seu poder... Quando sou fraco é que sou forte...” Não foi esse o caminho de Jesus Cristo? Não somos enviados para testemunhar este modo de viver?
Quando pregamos o Evangelho a partir de uma posição de superioridade, apoiados na força econômica, política e militar, acabamos falsificando-o e erguendo barreiras que impedem que as pessoas encontrem Jesus Cristo. A força de Cristo habita em nós quando abandonamos a soberba e descobrimos a força do serviço e do diálogo. Quem sabe o crescimento numérico dos movimentos pentecostais acabe nos ajudando a não inchar de soberba e nos redimindo mediante o encontro com a fraqueza...
“Como os olhos dos escravos olham para a mão dos seus patrões...”
Chamando a atenção dos cristãos de Corinto, Paulo afirma paradoxalmente que prefere gabar-se de suas fraquezas e não de seus méritos. “Eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias por causa de Cristo.” Aqueles/as que acreditam em Jesus Cristo seguem o caminho do amor que serve, do amor a fundo perdido, sem se importarem com o sucesso e o retorno. Sabem que seguem um servo e não um patrão.
Jesus de Nazaré, carpinteiro numa aldeia insignificante, escândalo para os próprios conterrâneos e familiares: invia teu Espírito para que possamos escolher a fraqueza em vez do poder, a humildade em vez da soberba. Ajuda-nos a manter nossos olhos fixos em ti, nosso Senhor e Servo. Como tu, queremos confiar na liberdade e na força que nos vem do teu Espírito er da tua Palavra, e não no nosso próprio poder de convencimento e de pressão. Ajuda-nos a não esquecer que tu partilhas as nossas origens e não te envergonhas de nos chamar de irmãos e irmãs. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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