é o serviço, e não o sucesso, que nos faz semelhantes a
Jesus.
(Ez 2,2-5; Sl 122/123; 2Cor 12,7-10; Mc
6,1-6)
Um pouco mais ou um pouco menos, a grandeza, a fama e
o poder nos fascinam. Fraqueza, pequenez e humildade são realidades que em
geral tememos e evitamos. Os ídolos – estas criaturas que se distanciam dos
mortais comuns pelo brilho, poder e soberba que demonstram – nos parecem
modelos dignos de serem imitados. E mesmo quando omitem desesperadamente a
origem humilde e desprezada e desabam como um castelo de ilusões, como aconteceu
recentemente com Michael Jackson, teimamos em sublinhar sua grandeza imortal.
Mas o caminho da humanização não passa por estas veredas, como também não
passam por ali os caminhos de Deus. Em Jesus Cristo, Deus define para sempre
seu caminho: o ser humano comum e humilhado, sem nenhum outro título ou honra,
é seu sacramento, seu interlocutor e seu embaixador no mundo. Ele é a força dos
fracos, a honra dos desprezados, a esperança dos esquecidos, a liberdade dos
prisioneiros, a vida dos excluídos.
“Tem compaixão de nós, porque estamos saturados de
insultos!”
Nas palavras do salmista ressoa o clamor do povo de
Israel e o grito dos humilhados de todos os tempos. “Piedade de nós, Senhor,
piedade, pois estamos saturados de insultos; estamos saturados das zombarias
dos abastados, do desprezo dos orgulhosos.” Não se trata de um simples sentimento
subjetivo, mas de uma experiência objetiva, real, dolorida, palpável. Os
satisfeitos e soberbos são reais, como terrivelmente reais são as inumeráveis vítimas
do desprezo.
Existem pessoas que são desprezadas simplesmente por
causa do gênero ao qual pertencem ou
pela orientação sexual: mulheres constantemente humilhadas por uma arcaica e
violenta cultura machista, pela valorização desigual do trabalho, pela
sobreposição de jornadas de trabalho, por leis e tradições que impedem o acesso
aos ministérios eclesiásticos, por ideologias e mitos que exaltam a força bruta
e a fria racionalidade; pessoas homoafetivas caçadas e eliminadas como feras
perigosas ou abtjetas.
Existem grupos humanos que são desprezados por questões étnicas e raciais: negros/as
que carregam as marcas da escravidão como se dela fossem culpados/as, que são
olhados sempre com suspeita, que são vistos como inferiores/as; grupos de indígenas– que são povos, e não apenas grupos
– vistos como seres primitivos ou selvagens, como exemplares exóticos de um
tempo que, graças a Deus!, não existe mais, como entraves para o excludente e
predatório desenvolvimento branco.
E não podemos esquecer também as pessoas desprezadas
pela sua condição econômica ou cultural:
pessoas empobrecidas pela exploração do trabalho; humilhadas pela falta de
acesso à escola; enfraquecidas por doenças para as quais não encontram
tratamento na saúde pública; suspeitas por habitarem em zonas rurais ou
periféricas; menosprezadas por manterem uma cultura tida como inferior às
demais ou por não terem frequentados os bancos escolares e universitários.
“Saindo dali, Jesus foi para Nazaré, sua propria terra...”
Apesar de títulos e imagens de poder que a história
associou a Jesus, ele partilhou a sorte das pessoas desprezadas e
marginalizadas. Jesus de Nazaré não se colocou do lado dos soberbos e dos satisfeitos,
nem se mostrou indiferente à sorte das pessoas humilhadas. Nasceu numa
estrebaria, habitou numa cidade insignificante e numa região desprezada, foi
trabalhador braçal, misturou-se a grupos sociais suspeitos, foi preso e
executado entre ladrões.
O Evangelho de hoje nos mostra Jesus entrando em Nazaré
(cidade onde se criara) e ensinando na sinagoga local. O testo sublinha a admiração dos conterrâneos e a inquietação sobre a origem do seu
carisma. Como o conheciam desde pequeno, e conheciam também sua família, as
pessoas da vila se perguntavam: “Onde foi que arranjou tanta sabedoria? Esse
homem não é o carpinteiro, o filho de Maria?...” Vindo de onde vinha, ele não
poderia ser o que dava a impressão de ser.
Para a mentalidade dos moradores de Nazaré, como para
muita gente ainda hoje, a sabedoria não poderia vir de pessoas comuns e
humildes como eles. Por mais que o ensinamento e as ações de Jesus
impressionassem e provocassem fascínio, o fato de que ele partilhava da humilde
condição de um povoado marginal e de um povo trabalhador era como uma pedra no
meio da estrada, uma pedra de escândalo, algo difícil de aceitar.
“Um profeta só não é valorizado na sua própria pátria,
entre os parentes e na própria família.”
Jesus fica impressionado com a visão estreita dos seus
conterrâneos, com a influência que a ideologia da superioridade das pessoas
cultas e poderosas exerce sobre os humildes habitantes da sua aldeia. Por trás
dessa influência maléfica estava a idéia da inferioridade e impotência dos
pobres, da sua radical e eterna dependência de benfeitores poderosos. Aquele
povo simples, como parte das classes populares de hoje, havia interiorizado e
assimilado sua própria insignificância.
O que mais surpreende é que parece que o escândalo atinge
os próprios familiares e parentes de Jesus. É isso que deduzimos da afirmação
de que um profeta só não é estimado na sua pátria, entre seus parentes e familiares. Aqueles que haviam visto a
absoluta normalidade de Jesus, seu crescimento e os altos e baixos familiares, suas
raízes camponesas e suas mãos calejadas, não conseguiam reconhecer nele os
traços do Profeta ou do Messias esperado.
Para Jesus, o escândalo dos habitantes de Nazaré
diante da sua origem humilde é falta de
fé. “E Jesus ficou admirado com a falta de fé deles.” Fé é a lucidez e a
abertura de mente que permitem reconhecer a presença ativa de Deus nas pessoas
simples, a força de Deus na fraqueza humana. É a abertura para acolher as
surpresas e a ação criativa e inusitada de Deus que se manifesta onde e quando
menos se espera. Por causa da falta de fé do seu povo, Jesus não consegue fazer
nenhum milagre em Nazaré...
“Me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de
Cristo habite em mim.”
A maioria das pessoas, mesmo os cristãos e
religiosos/as, sonhamos secretamente com uma vida bem sucedida, com empreitadas
vitoriosas. E quando o sucesso roça mesmo que superficialmente nosso rosto,
tornamo-nos frios e arrogantes, rebeldes e violentos, como o povo ao qual o profeta
Ezequiel foi enviado. Não o sucesso, mas o amor, o que nos faz semelhantes a
Deus. Guimarães Rosa dizia que quando vencemos é difícil disfarçar nossa
semelhança com o diabo...
A profecia enfrenta a arrogância com as armas da
perseverança. Martin Luther King insistia que o movimento negro venceria a
opressão dos brancos por sua infinita capacidade de sofrer. E Paulo hoje
sublinha que a força e a graça de Deus se mostram com maior clareza na fraqueza
e na vulnerabilidade dos cristãos. “É na fraqueza que a força mostra o seu
poder... Quando sou fraco é que sou forte...” Não foi esse o caminho de Jesus
Cristo? Não somos enviados para testemunhar este modo de viver?
Quando pregamos o Evangelho a partir de uma posição de
superioridade, apoiados na força econômica, política e militar, acabamos
falsificando-o e erguendo barreiras que impedem que as pessoas encontrem Jesus
Cristo. A força de Cristo habita em nós quando abandonamos a soberba e
descobrimos a força do serviço e do diálogo. Quem sabe o crescimento numérico
dos movimentos pentecostais acabe nos ajudando a não inchar de soberba e nos
redimindo mediante o encontro com a fraqueza...
“Como os olhos dos escravos olham para a mão dos seus
patrões...”
Chamando a atenção dos cristãos de Corinto, Paulo
afirma paradoxalmente que prefere gabar-se de suas fraquezas e não de seus
méritos. “Eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e
angústias por causa de Cristo.” Aqueles/as que acreditam em Jesus Cristo seguem o
caminho do amor que serve, do amor a
fundo perdido, sem se importarem com o sucesso e o retorno. Sabem que
seguem um servo e não um patrão.
Jesus de Nazaré,
carpinteiro numa aldeia insignificante, escândalo para os próprios conterrâneos
e familiares: invia teu Espírito para que possamos escolher a fraqueza em vez
do poder, a humildade em vez da soberba. Ajuda-nos a manter nossos olhos fixos
em ti, nosso Senhor e Servo. Como tu, queremos confiar na liberdade e na força
que nos vem do teu Espírito er da tua Palavra, e não no nosso próprio poder de
convencimento e de pressão. Ajuda-nos a não esquecer que tu partilhas as nossas
origens e não te envergonhas de nos chamar de irmãos e irmãs. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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