quinta-feira, 26 de julho de 2012

17° Domingo do Tempo Comum


Uma pessoa que morre de fome é uma pessoa assassinada!
(2Rs 4,42-44; Sl 144/145; Ef 4,1-6; Jo 6,1-15)

Há uma lei que entre nós é mais aplicada que de todas as outras. É uma lei que não está escrita na Constituição nem na Bíblia, mas é ensinada em lições que vão do berço à sepultura. Esta lei diz, com algumas variações: “cada um pra si e Deus por todos”. Um complemento mais violentoensina que “quem pode mais, chora menos”. Não é difícil perceber que este princípio vai sendo assimilado tranquilamente na arena política, no sistema econômico, na área cultural e até no âmbito da religião. Basta prestar atenção para as ofertas de programas e celebrações que prometem bênçãos em forma de imediata prosperidade econômica. E não faltam testemunhos televisionados de pessoas que enriqueceram rapidamente por causa de uma suposta entrega a Jesus, sem qualquer atenção ao sofrimento e à pobreza das maiorias. Mas isso não se opõe frontalmente à fé em Jesus Cristo?
“Depois disso, Jesus foi para o outro lado do lago da Galiléia.”
Quem nos conta é o evangelista São João. Jesus estava em plena ação missionária. Já havia realizado três sinais que demonstravam a chegada dos tempos esperados, a utopia do Bem-viver, da Vida plena e gratuita para todos: ransformara água em vinho numa festa de casamento fadada ao fracasso; curara o filho de um funcionário do rei e um paralítico que há 38 anos não abandonava a esperança de recuperar a saúde e a plena cidadania.
Impactada por esses sinais, uma grande multidão segue Jesus por onde ele anda. Como sempre, o povo intui que é da periferia, do ensino e da proposta desse galileu desprezado, que pode nascer a novidade. Sabe que os centros de poder são como uma figueira estéril, ou pior, estão pavimentados com o trabalho dos pobres e pintados com o sangue dos inocentes. “Jesus ergueu s olhos e viu uma grande multidão que vinha ao seu encontro.”
O evangelista não diz que Jesus tem compaixão pelo povo, mas esta está subentendida. A compaixão parece filha da fraqueza, da humana vulnerabilidade, das periferias anônimas, enquanto que os palácios se sustentam sobre o poder e o medo. A compaixão supõe travessias, muitas travessias. Quando as Igrejas levarão a sério esta verdade? Para ver o povo e resgatar a compaixão ativa e redentora é preciso migrar para as periferias, deixar as discussões abstratas e estéreis, sair da própria barca.
“Onde vamos comprar pão para que estes possam comer?”
Ao entardecer das possibilidades de ajuda, quando as leis do mercado mostram que não têm coração, Jesus percebe a fome do povo e desperta os discípulos da insuportável indiferença que os envolvia inteiramente. “Onde vamos comprar pão para eles comerem?” Os discípulos não conseguem ver saída para o drama do povo a não ser dentro da lógica do império. Sem um plano alternativo, constatam desolados: “Nem meio ano de salário bastaria...”
Avaliando com um pouco mais de atenção suas próprias possibilidades, aquele grupo de homens e mulheres descobre que entre eles há alguém que tem cinco pães e dois peixes que providenciara para as necessidades da comunidade. “Mas o que é isso para tanta gente?”, questionam-se eles. Com essa pergunta parece que eles querem disfarçar o egoísmo elitista daqueles/as que pensam apenas nos seus direitos e privilégios, ou, ao menos, nas próprias necessidades.
Como está longe de Jesus uma Igreja e uma comunidade cristãs feita apenas de palavras e de ritos religiosos, que se compraz em lavar as mãos diante das tragédias que se abatem sobre o povo. Basta de instituições que entregam seus membros à implacável lógica dos impérios! E não nos desculpemos perguntando o que representam cinco pães e dois peixes para uma multidão de famintos... “O pouco com Deus é muito; o muito sem Deus é nada”, ensina a sabedoria popular.
 “Mas o que é isso para tanta gente?”
De repente o mundo parece ter acordado para a escassez de alimentos e a ONU convocou, há alguns, uma conferência urgente para discutir a questão e traçar soluções. Mas os países que comandam o organismo recusam-se a tirar a venda dos olhos e reconhecer as verdadeiras causas da emergência. São eles mesmos que, por mecanismos diversos e perversos, subtraem à mesa dos países pobres o alimento por eles mesmo produzido.
É verdade que nos últimos 40 anos a população da humanidade duplicou. Mas não podemos esquecer que , no mesmo período, a produção de alimentos triplicou! E se a fome vem crescendo, onde foi parar esse excedente? Soa como cínica, para não dizer diabólica, a ideologia que propõe resolver a fome dos pobres com a aprovação dos OGMs. Este projeto deseja subordinar a produção alimentar à padronização e às leis do mercado, destruindo assim a soberania e da segurança alimentar dos povos.
Jean Ziegler, ex-relator da ONU para o direito à alimentação, escreve: “O extermínio, a cada ano, de dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças por causa da fome é o escândalo do nosso século. A cada 5 segundos uma criança de menos de 10 anos morre de fome. E isso num planeta no qual os recursos são abundantes e sobram... A agricultura mundial poderia alimentar sem dificuldades 12 bilhões de seres humanos... Uma criança que morre de fome é uma criança assassinada.”
“Fazei as pessoas sentar-se.”
A saída não é cada um cuidar de si, nem considerar povo faminto um simples objeto de caridade. O povo é soberano, e as autoridades devem colocar-se a seu serviço. E não se trata de povos nacionais, mas de um único povo, aquele que congrega todos os homens e mulheres. Paulo enfatiza que há um só corpo e um só espírito, uma só fé, uma só esperança, um só batismo, um só Senhor... Ou seja: odas as divisões são arbitrárias e fadadas a desaparecer.
A solução para esta crise alimentar sistêmica não está ao alcance de um país ou de uma Igreja particular. O caminho de saída começa com a adoção de um consumo moderado pelos ricos e com a erradicação da exploração comercial por parte dos países poderosos. Eles não precisam dar de comer: basta que não expropriem aos países pobres aquilo que lhes pertence por direito, e não lhes imponham receitas econômicas e padrões de consumo insustentáveis.
Eis aqui uma missão irrenunciável das Igrejas cristãs e de cada discípula/o de Jesus Cristo: estabelecer e defender profética e politicamente a soberania alimentar dos povos e exigir dos organismos multilaterais medidas concretas que possibilitem a toda a humanidade comer com dignidade. Essa não é de modo algum uma tarefa estranha à fé. Ou seremos surpreendidos pela terrível sentença: “Afastem-se de mim, malditos, porque eu estava com fome e vocês não me deram de comer...”
“Eles juntaram os pedaços e encheram doze cestos...”
A comida suficiente para alimentar os que têm fome – e para encher muitos cestos para os que ainda virão – aparece quando Jesus assume o protagonismo e os discípulos se associam à sua ação. Se ele deixasse a solução às ‘leis do mercado’ teríamos assistido à tragédia de um povo, ao cinismo da religião e ao enriquecimento dos astutos. O Espírito nos conduz do pão eucarístico ao pão para os famintos, da mesa da comunhão com Jesus Cristo à aliança com os oprimidos, do pão recebido à vida doada.
Encarcerado, mas livre, Paulo pede que os cristãos de Éfeso e também a nós que nos comportemos de modo digno da vocação que recebemos: que sejamos humildes, amáveis, pacientes. Que sejamos suportes uns para os outros no amor. “Mantenham entre vocês laços de paz para conservar a unidade e o Espírito.” Certamente a luta pelo pão na mesa de todos não pode ser estranha à unidade do gênero humano. E isso inclusive com o bravo trabalho dos pequenos agricultores cujo dia celebramos ontem.
Jesus de Nazaré, peregrino incansável no santuário das dores humanas, Deus compassivo e próximo de todos os sofredores/as, próximo também dos sonhadores/as e construtores de um mundo outro: Dá-nos olhos abertos e inteligência arguta para localizar os recursos necessários para evitar as tragédias que golpeiam teus irmãos e irmãs. Dá-nos um coração humanamente sensível, que nos conduza perto deles para servi-los com tudo o que somos e temos. Dá-nos um coração forte, próprio daqueles/as que se enamoram de ti, que não nos permita aceitar ou pregar meias-verdades, soluções cínicas e violentas, que nada têm a ver contigo e com tua Boa Notícia. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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