Jesus
nos pede uma mudança radical no modo de pensar.
(Ex 16,2-4.12-15; Sl 77/78; Ef
4,17.20-24; Jo 6,24-35)
A cultura popular continua viva para nos lembrar que o
mês de agosto não costuma ser portador de boas notícias. As mudanças bruscas de
temperatura abalam a saúde de muita gente, especialmente das pessoas idosas.
Mas as comunidades católicas desdizem algumas crenças das tradições populares e
consagram o mês de agosto às vocações eclesiais, dedicando uma semana aos
padres, uma semana aos pais e às famílias, uma semana aos religiosos/as e uma
semana aos leigos/as, especialmente aos catequistas. Sintonizemos os ouvidos e
o coração com a Palavra de Deus para escutar e saborear o que ele quer nos
dizer. E tentemos compreender a vocação e a missão do padre à luz da Palavra
que a Igreja sugere para o primeiro domingo de agosto.
“Estais
me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes
saciados.”
Com a ajuda indispensável de Felipe, dos demais
discípulos e de um menino anônimo, Jesus havia saciado a fome da multidão a
partir de alguns pães e peixes. Depois de pedir para que as sobras não fossem
desperdiçadas, ele se retirara sorrateiramente, pois o povo entusiasmado queria
entroná-lo como rei. Ainda chocados com o que Jesus havia feito, os próprios
discípulos se surpreendem quando perceber que Jesus não está mais com eles.
O momento que se seguiu à multiplicação dos pães e
peixes não foi dos mais fáceis para os discípulos. Desconcertados com o sinal
realizado pelo mestre e com sua recusa do poder, eles tiveram que sozinhos empreender
a travessia do lago, enfrentando o vento, a noite e a agitação do mar. Ou será
que a agitação e a escuridão vinham dos próprios pensamentos e impressões
desencontradas, dos desejos frustrados, das perguntas não respondidas?
Confusos, os discípulos haviam abandonado o povo
carente e sofrido. Mas este, ao constatar que Jesus e os discípulos haviam
partido escondida e silenciosamente, conseguiu vaga nos barcos e foi procurar
Jesus em Cafarnaum, do outro lado do lago. Deixado a si mesmo pelos discípulos,
o povo procura Jesus como uma última tábua de salvação. O sistema econômico lhe
negava o pão e ele esperava que Jesus o garantisse a comida de cada dia, seu
humano direito a alimentar-se.
“Trabalhai
não pelo alimento que perece...”
À primeira vista, a atitude de Jesus diante da
multidão é rude e desconcertante. Ele não se ilude com a rápida fama que vai
adquirindo. Parece desconhecer as reais e profundas carências daquela multidão,
assim como o esforço que fez para ir ao seu encalço. Jesus fala sem rodeios:
“Vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos.” Sua
discordância com as motivações populares é mais do que clara.
Será que sua compaixão e sua misericórdia pelo povo
cansado e abatido se haviam esgotado? Será que vem daqui a frieza com que
recebemos o povo pobre que, alentado por sua fé tradicional, supera inúmeras
barreiras e vem às nossas capelas, paróquias e santuários pedir os sacramentos?
Será que podemos fundamentar em Jesus o desprezo com que olhamos para as
pessoas que buscam cura e libertação nas igrejas que as oferecem a baixo custo?
O que Jesus faz é chamar a atenção para algo mais
fundamental: o empenho de todos numa
prática social e econômica alternativa, a única capaz de garantir para
todos um pão que não se corrompe. Abençoando e distribuindo a todos os pães e os
peixes retidos como propriedade particular, Jesus aponta para o projeto do
Reino de Deus, centrado na partilha. E percebe que um povo é humilhado quando
depende do favor de um líder, mesmo que seja um líder ou uma organização
religiosa.
“O
que devemos fazer para praticar as obras de Deus?”
Jesus não se contenta em reprovar o povo que conta com
sua ajuda material e não consegue entender que ela apenas sinaliza para algo mais
importante e fundamental. Jesus ordena enfaticamente: “Não trabalhem pelo
alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida eterna.”
E conclui: “É este o alimento que Filho do Homem dará a vocês, porque é ele que
Deus marcou com seu selo.” Jesus não veio distribuir o duro e amargo pão das
sopas populares, mas aquele fermentado e assado pela Justiça, obra coletiva do
povo organizado e seus apoiadores.
A obra de Deus foi confiada aos discípulos e discípulas
de Jesus. E essa obra é essencialmente acreditar
naquele que enviou Jesus, dar crédito àquele que achou bem não enviar
alguém sabido e poderoso, mas uma pessoa vulnerável, alguém que não está em
condições de oferecer pacotes de soluções, mas coloca sinais e dá o melhor de
si pelos outros. O pão que não se estraga e dura para sempre é o dom de si
mesmo, o dom da própria vida. E é essa é a obra que glorifica a Deus.
“Que
sinal realizas para que possamos ver e acreditar em ti?”
A doutrina religiosa dá segurança, e o alimento
distribuído sem custos, além de embotar a inteligência, acomoda e humilha. Não
faltam pessoas que suspiram pela defunta maldita e lembram as benesses e ordens
distribuídas pela ditadura militar. E existem também aquelas que, como os
hebreus no deserto, esperam que chova pão do céu. Por isso, estão prontas a
depositar sua fé – ou seu voto! – em quem ostenta tais poderes e faz
semelhantes promessas.
“Qual é tua obra?” Essa é a pergunta que as multidões
famintas e ansiosas por um libertador dirigem a Jesus, dando a impressão de que
o sinal dos pães e dos peixes não
significava nada para eles. Afinal, Jesus não havia feito chover pão do céu,
como o fizera Moisés. Mas a questão era mais profunda, e a dificuldade real era reconhecer na ação solidária e compassiva de um
simples filho de homem a potente e transformadora ação de Deus.
Na verdade, Jesus não está preocupado em simplesmente
distribuir pão para matar a fome. O sinal
que ele oferece é a cooperação e a articulação dos dons e possibilidades que
estão escondidas no próprio povo, inclusive nas pessoas aparentemente mais
fracas e mais humildes. É aqui que reside o fermento que resulta num pão que não
se estraga. Deus sacia todas as nossas fomes, mediante seu Filho que assume
nossa condição humana e mediante os pequenos que acreditam nos pequenos.
“Precisais
renovar-vos, pela transformação espiritual da vossa mente...”
Escrevendo à comunidade cristã de Éfeso, Paulo exorta os
cristãos a conhecer corretamente Jesus Cristo e deixar de viver como pessoas corrompidas
pelas paixões enganadoras. E pede que sejam homens novos, radicalmente
transformados, regenerados na justiça que vem da verdade, e não homens velhos,
gente com uma mente é vazia. Conhecer
Jesus Cristo é reconhecê-lo na sua condição humana, na pele dos
crucificados e lutadores de todas as latitudes.
E isso significa superar a paixão enganadora que nos leva
a canonizar os poderes e poderosos e desconfiar dos fracos, a confiar nas
soluções miraculosas e abandonar a mística do fermento e da semente de mostarda.
E os padres, irmão entre os irmãos, chamados a experimentar e anunciar um Deus
compassivo e misericordioso, devem ser os primeiros a percorrer este caminho de
conversão. Realmente, precisamos urgentemente de uma transformação espiritual
da nossa inteligência.
“Isto
é o pão que o Senhor vos dá para comer.”
Jesus, mestre que fazes
dos caminhos uma escola de vida, peregrino e romeiro que visitas os santuários
das mais profundas necessidades humanas: ajuda-nos a compreender os sinais que
realizas, a começar pela Eucaristia. Não permitas que a transformemos em
ritualismo mágico ou intimista. Adverte tua Igreja, sempre tentada a administrá-la
como propriedade sua e a excluir da tua mesa tanta gente que dela precisa. Ajuda
os padres, generosos e limitados como todos/as nós, a continuar tua “obra”,
tornando visíveis teus “sinais” de compaixão e solidariedade. E convence-nos de
que não são os templos suntuosos e as celebrações que atraem multidões as obras
e sinais que identificam o bom pastor. Faz com que o coração pastoral de Dom
Enrique Angeleli, bispo argentino martirizado sob a ditadura militar
(+04.08.1976), estimule nos padres a capacidade de despertar nas comunidades e
suas lideranças o desejo de dar o melhor de si mesmas pelos outros e de recriar
desde baixo uma humanidade despedaçada. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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