terça-feira, 31 de julho de 2012

18° Domingo do Tempo Comum


Jesus nos pede uma mudança radical no modo de pensar.
(Ex 16,2-4.12-15; Sl 77/78; Ef 4,17.20-24; Jo 6,24-35)

A cultura popular continua viva para nos lembrar que o mês de agosto não costuma ser portador de boas notícias. As mudanças bruscas de temperatura abalam a saúde de muita gente, especialmente das pessoas idosas. Mas as comunidades católicas desdizem algumas crenças das tradições populares e consagram o mês de agosto às vocações eclesiais, dedicando uma semana aos padres, uma semana aos pais e às famílias, uma semana aos religiosos/as e uma semana aos leigos/as, especialmente aos catequistas. Sintonizemos os ouvidos e o coração com a Palavra de Deus para escutar e saborear o que ele quer nos dizer. E tentemos compreender a vocação e a missão do padre à luz da Palavra que a Igreja sugere para o primeiro domingo de agosto.
“Estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes saciados.”
Com a ajuda indispensável de Felipe, dos demais discípulos e de um menino anônimo, Jesus havia saciado a fome da multidão a partir de alguns pães e peixes. Depois de pedir para que as sobras não fossem desperdiçadas, ele se retirara sorrateiramente, pois o povo entusiasmado queria entroná-lo como rei. Ainda chocados com o que Jesus havia feito, os próprios discípulos se surpreendem quando perceber que Jesus não está mais com eles.
O momento que se seguiu à multiplicação dos pães e peixes não foi dos mais fáceis para os discípulos. Desconcertados com o sinal realizado pelo mestre e com sua recusa do poder, eles tiveram que sozinhos empreender a travessia do lago, enfrentando o vento, a noite e a agitação do mar. Ou será que a agitação e a escuridão vinham dos próprios pensamentos e impressões desencontradas, dos desejos frustrados, das perguntas não respondidas?
Confusos, os discípulos haviam abandonado o povo carente e sofrido. Mas este, ao constatar que Jesus e os discípulos haviam partido escondida e silenciosamente, conseguiu vaga nos barcos e foi procurar Jesus em Cafarnaum, do outro lado do lago. Deixado a si mesmo pelos discípulos, o povo procura Jesus como uma última tábua de salvação. O sistema econômico lhe negava o pão e ele esperava que Jesus o garantisse a comida de cada dia, seu humano direito a alimentar-se.
“Trabalhai não pelo alimento que perece...”
À primeira vista, a atitude de Jesus diante da multidão é rude e desconcertante. Ele não se ilude com a rápida fama que vai adquirindo. Parece desconhecer as reais e profundas carências daquela multidão, assim como o esforço que fez para ir ao seu encalço. Jesus fala sem rodeios: “Vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos.” Sua discordância com as motivações populares é mais do que clara.
Será que sua compaixão e sua misericórdia pelo povo cansado e abatido se haviam esgotado? Será que vem daqui a frieza com que recebemos o povo pobre que, alentado por sua fé tradicional, supera inúmeras barreiras e vem às nossas capelas, paróquias e santuários pedir os sacramentos? Será que podemos fundamentar em Jesus o desprezo com que olhamos para as pessoas que buscam cura e libertação nas igrejas que as oferecem a baixo custo?
O que Jesus faz é chamar a atenção para algo mais fundamental: o empenho de todos numa prática social e econômica alternativa, a única capaz de garantir para todos um pão que não se corrompe. Abençoando e distribuindo a todos os pães e os peixes retidos como propriedade particular, Jesus aponta para o projeto do Reino de Deus, centrado na partilha. E percebe que um povo é humilhado quando depende do favor de um líder, mesmo que seja um líder ou uma organização religiosa.
“O que devemos fazer para praticar as obras de Deus?”
Jesus não se contenta em reprovar o povo que conta com sua ajuda material e não consegue entender que ela apenas sinaliza para algo mais importante e fundamental. Jesus ordena enfaticamente: “Não trabalhem pelo alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida eterna.” E conclui: “É este o alimento que Filho do Homem dará a vocês, porque é ele que Deus marcou com seu selo.” Jesus não veio distribuir o duro e amargo pão das sopas populares, mas aquele fermentado e assado pela Justiça, obra coletiva do povo organizado e seus apoiadores.
A obra de Deus foi confiada aos discípulos e discípulas de Jesus. E essa obra é essencialmente acreditar naquele que enviou Jesus, dar crédito àquele que achou bem não enviar alguém sabido e poderoso, mas uma pessoa vulnerável, alguém que não está em condições de oferecer pacotes de soluções, mas coloca sinais e dá o melhor de si pelos outros. O pão que não se estraga e dura para sempre é o dom de si mesmo, o dom da própria vida. E é essa é a obra que glorifica a Deus.
“Que sinal realizas para que possamos ver e acreditar em ti?”
A doutrina religiosa dá segurança, e o alimento distribuído sem custos, além de embotar a inteligência, acomoda e humilha. Não faltam pessoas que suspiram pela defunta maldita e lembram as benesses e ordens distribuídas pela ditadura militar. E existem também aquelas que, como os hebreus no deserto, esperam que chova pão do céu. Por isso, estão prontas a depositar sua fé – ou seu voto! – em quem ostenta tais poderes e faz semelhantes promessas.
“Qual é tua obra?” Essa é a pergunta que as multidões famintas e ansiosas por um libertador dirigem a Jesus, dando a impressão de que o sinal dos pães e dos peixes não significava nada para eles. Afinal, Jesus não havia feito chover pão do céu, como o fizera Moisés. Mas a questão era mais profunda, e a dificuldade real era reconhecer na ação solidária e compassiva de um simples filho de homem a potente e transformadora ação de Deus.
Na verdade, Jesus não está preocupado em simplesmente distribuir pão para matar a fome. O sinal que ele oferece é a cooperação e a articulação dos dons e possibilidades que estão escondidas no próprio povo, inclusive nas pessoas aparentemente mais fracas e mais humildes. É aqui que reside o fermento que resulta num pão que não se estraga. Deus sacia todas as nossas fomes, mediante seu Filho que assume nossa condição humana e mediante os pequenos que acreditam nos pequenos.
“Precisais renovar-vos, pela transformação espiritual da vossa mente...”
Escrevendo à comunidade cristã de Éfeso, Paulo exorta os cristãos a conhecer corretamente Jesus Cristo e deixar de viver como pessoas corrompidas pelas paixões enganadoras. E pede que sejam homens novos, radicalmente transformados, regenerados na justiça que vem da verdade, e não homens velhos, gente com uma mente é vazia. Conhecer Jesus Cristo é reconhecê-lo na sua condição humana, na pele dos crucificados e lutadores de todas as latitudes.
E isso significa superar a paixão enganadora que nos leva a canonizar os poderes e poderosos e desconfiar dos fracos, a confiar nas soluções miraculosas e abandonar a mística do fermento e da semente de mostarda. E os padres, irmão entre os irmãos, chamados a experimentar e anunciar um Deus compassivo e misericordioso, devem ser os primeiros a percorrer este caminho de conversão. Realmente, precisamos urgentemente de uma transformação espiritual da nossa inteligência.
“Isto é o pão que o Senhor vos dá para comer.”
Jesus, mestre que fazes dos caminhos uma escola de vida, peregrino e romeiro que visitas os santuários das mais profundas necessidades humanas: ajuda-nos a compreender os sinais que realizas, a começar pela Eucaristia. Não permitas que a transformemos em ritualismo mágico ou intimista. Adverte tua Igreja, sempre tentada a administrá-la como propriedade sua e a excluir da tua mesa tanta gente que dela precisa. Ajuda os padres, generosos e limitados como todos/as nós, a continuar tua “obra”, tornando visíveis teus “sinais” de compaixão e solidariedade. E convence-nos de que não são os templos suntuosos e as celebrações que atraem multidões as obras e sinais que identificam o bom pastor. Faz com que o coração pastoral de Dom Enrique Angeleli, bispo argentino martirizado sob a ditadura militar (+04.08.1976), estimule nos padres a capacidade de despertar nas comunidades e suas lideranças o desejo de dar o melhor de si mesmas pelos outros e de recriar desde baixo uma humanidade despedaçada. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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