Pouca estrada pra muito buraco
Partimos de Sangatta no meio da
manhã de sexta-feira, 16 de março. Já lembrei que estávamos em plena região
equatorial, mas a viagem entre Samarinda e Sangatta nos possibilitou concretamente
passar sobre a linha do Equador. Na estrada, há um marco que nos ajudou a
recordar isso. Chegamos a Samarinda às 16:00 e, às 18:00, participamos da
via-sacra, seguida de missa. Nossa surpresa foi ver a igreja completamente
lotada, em plena sexta-feira e nesse horário. É claro que não podemos esquecer
que, como aqui a maioria é mussulmana e a sexta-feira é o dia sagrado deles, a
tarde é livre. Isso acaba ajudando também os católicos, especialmente no caso
da devoção da primeira sexta-feira do mês e da via-sacra quaresmal.
Precisa usar paralvras? |
Tanto na viagem de Samarinda a
Sangatta como de Samarinda a Lambing, atravessamos muitos seringais e
plantações de babaçu. No caso da seringa, a Indonésia é um dos maiores
produtores, à frente do Brasil. Aqui os seringais são cultivados, o que garante
maior produção por área. Além disso, o escoamento da produção é mais fácil, o
que barateia o custo. Assim, esta planta originária do Brasil (essa origem está
registrada no próprio nome científico da seringueira, Hevea brasiliensis!), contrabandeada pelos ingleses
que construíram a ferrovia Madeira-Mamoré (que ligava a Bolívia ao rio Madeira,
possibilitando assim aos bolivianos uma saída para o mar e, ao mesmo tempo,
agilizando o escoamento da borracha), acabou favorecendo a vida do povo de
Kalimantan, que hoje é líder mundial e expert
na produção de latex. E um detalhe importante é que a seringa pode ser
produzida sem provocar destruição e desequilíbrio ao meio-amebiente.
Com o babaçu a situação é diferente.
Há um movimento crescente de oposição à plantação do babaçu. Este movimento
conta com o apoio da Igreja Católica e alguns dos nossos coirmãos. O plantio
desta palmeira, cujos cocos são destinados à produção de cera e sabão no
exterior, provoca grandes danos ao meio-ambiente, estimula a concentração de
terras, provoca a expulsão da população tradicional, atrai trabalhadores de
outras regiões e potencializa tensões sócio-culturais. Além disso, o tronco da
palmeira, depois de cortado, pode levar até 50 anos para se decompor. Mas a luta
contra esta cultura é dura, pois a oferta de uma boa soma de dinheiro pelas
terras acaba seduzindo os habitantes tradicionais.
Complexo paroquial de Lambinng |
Como anunciei acima, nossa viagem de
Samarinda a Lambing durou quase 10 horas. Uma parte da estrada está em boas
condições. Mas a maior parte, que é estrada nova, asfaltada há menos de 4 anos,
é uma verdadeira aventura. Não posso dizer que esta estrada tem muitos buracos;
o mais certo seria dizer que nesta burraqueira tem pouca estrada... Além de ser
cheia de subidas e descidas íngremes e de ter uma curva encima da outra, a
terra arrenosa e úmida própria dessa região deteriora o asfalto rapidamente e
abre crateras por todo lado. O trânsito intenso e pesado se encarrega do resto.
O que amenizou um pouco o desconforto foi a qualidade do nosso veículo: o Pe.
Félix conseguiu emprestada uma Toyota
Fortuner 2.5 praticamente zero quilômetro e colocou à nossa disposição um
jovem e experiente motorista.
Lambing é uma pequena cidade
interiorana, com uma população de aproximadamente 5.000 habitantes e uma
comunidade católica de 400 membros. Estamos na região das primeiras missões MSF
em Kalimantan. O complexo da paróquia São Pedro, no qual nos hospedamos, é
antigo e bem ao estilo das missões tradicionais: todas as construções são de
madeira, parte dela serrada a motosserra; tudo é construído sobre estacas,
prevenção contra as inundações, e ligado por passarelas de madeira, que
possibilitam a locomoção em tempos de enchentes; as peças são amplas, e para ir
dos quartos aos banhieros é preciso percorrer mais de 50 metros... Não preciso
dizer que tudo é muito simples e familiar, de modo que o povo tem acesso livre
e fácil à casa paroquial. Quando chegamos, tinha gente curiosa por todo lado...
Acolhida conforme a cultura dayak. |
Na manhã do dia 18 de março
participamos da missa dominal da comunidade da matriz. Como já observei
anteriormente, aqui os católicos se comportam como minoria ativa, de modo que a
maioria absoluta participa das celebrações. Nesta região interiorana, o povo é
muito simples e faz um gesto muito expressivo: a maioria tira o calçado ao
entrar na igreja (assim como na maioria das casas). Aqueles que não o tiram na
entrada o fazem para entrar na fila da comunhão.
Certamente essa prática sofre
influência do islamismo, pois os fiéis entram na mesquita sempre descalços. Mas
não deixa de ter um profundo sentido bíblico, pois recorda a experiência de
Moisés: a terra marcada pelo sofrimento é santa, e, para encontrar e dialogar
com Deus, é preciso tirar as sandálias (cf. Ex 3,1-6). A procissão das oferendas foi acompanhada de uma dança popular típica e, no final da missa, regalaram-nos um colar artesanal, sinal
eloquente da acolhida hospitaleira de um visitante.
Tanto os coirmãos que vieram de fora
como os naturais de Kalimantan insistem num ponto que os diferencia da
província de Java: aqui o relacionamento entre os coirmãos é mais simples e
vivo, muito espontâneo, quase como no Brasil (isso digo eu), enquanto que o pessoal
de Java é mais retraído, introvertido, formal. De fato, isso estamos
comprovando. E mais: aqui os leigos e leigas estão muito próximos e têm vez e
voz. É o caso de João Bosco, que encontramos em Lambing tomando frente em
muitas coisas, quase mais que o pároco. Como ex-seminarista redentorista e com
formação filosófica e teológica, ajuda na catequese e na liturgia, além de
colaborar com a formação de líderes em âmbito diocesano (fazendo todo
fim-se-semana as 10 horas de viagem que enfrentamos e lamentamos entre Lambing
e Samarinda!). Mas aqui também há um notável esforço para inculturar a fé e a
liturgia na cultura dayak.
'Teconologia habitacional' contra as enchentes... |
Devo
confessar que deixei esta simpática cidadezinha com um certo aperto no coração.
Apesar (ou por causa?) da barreira linguística, algumas crianças se aproximaram
de nós e tentavam nos ensinar algo de indonesiano, incapazes de compreender que
não falamos a língua delas. Isso acabou criando amizade, e era visível no rosto
delas a desolação quando nos viram partir. Algumas pessoas mais ativas na
comunidade também vieram para almoçar conosco e se despedir. Como sempre
acontece nessas ocasiões, sobra comiga e generosidade. Alguns paroquianos,
juntamente com o Pe. Mathildus nos acompanharam até Barong Tongkok, distante
apenas 40 minutos, nossa próxima parada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário