Os moralistas adoram o texto de Mateus que é proposto pela liturgia oficial da Igreja para o dia de hoje (Mt
5,27-32). À primeira vista, Jesus dá razão àqueles que insistem dia e noite
sobre a indissolubilidade incondicional do matrimônio e sobre a impureza e o
pecado até dos pensamentos. “Todo aquele que olhar para uma mulher com o desejo
de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração... Todo aquele que
despedir sua mulher, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a
mulher que foi despedida comete adultério...” E se juntamos estas palavras àquelas
que Jesus diz em Mt 19,1-12, está feito o angu. Mas as coisas não são tão simples
assim! Primeiro, porque o próprio Jesus mantém uma possibilidade de
separação: o caso das uniões ilícitas (mas evita entrar nos detalhes que tantos
desejaríamos). Segundo, porque se quisermos levar ao pé da letra e moralizar o
que ele diz aqui, devemos também arrancar o olho e cortar a mão que nos levam a
provocar escândalos. Terceiro, porque se quisermos enrijecer a boa notícia de
Jesus e transformá-la em lei, façamo-lo com todas as suas sentenças, inclusive
estas, que vêm um pouco antes: “Quem tratar seu irmão com raiva, será acusado perante
o tribunal... Quem chamar seu irmão de louco será condenado ao fogo do
inferno... Quando estiveres levando tua oferta ao altar e ali te lembrares que
teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com teu irmão.” (Mt 5,21-24). Por favor, não caiamos na tentação
de reduzir o Evangelho libertador de Jesus a uma moralzinha de
escravos! Estas palavras de Jesus fazem parte do sermão da montanha, que começa
com a proclamação da felicidade em benefício de quem sempre é culpabilizado por
todos os males e carrega nas costas muitos fardos. Jesus enfatiza a
interioridade do mal exatamente para evidenciar a ambiguidade de quem acusa o
pecado dos pobres e humildes. E, além do mais, tenhamos em conta que a moral cristã
não se reduz ao âmbito familiar e à dimensão sexual. É um pecado triste e
imperdoável estirilizar a força libertária do Evangelho de Jesus e fazê-lo
refém de uma moralzinha burguesa, ambígua e interesseira.
Itacir Brassiani msf
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