Peregrinando de Nazaré a Belém
Na manhã de hoje, 1° de junho, partimos da simpática
cidade de Nazaré rumo a Jerusalém e Belem. Antes de deixarmos a cidade, ainda
visitamos os restos daquela que teria sido a sinagoga frequentada por Jesus e
seus pais, a escola na qual ele se familiarizou com as profecias, as leis, as
orações, a história e as esperanças do seu povo. Teria sido ela um dos fatores
do seu crescimento em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.
A antiga sinagoga de Nazaré |
“O
Espírito do Senhor me ungiu e me enviou...”
Lucas nos conta que nesta sinagoga Jesus viveu uma
experiência que acabou mudando sua trajetória de pregador e reformador (cf. Lc
4,14-30). Tendo já adquirido uma certa fama na região da Galiléia, ele voltou à
sua casa e no sábado, como de costume, foi à sinagoga local. Sendo maior de
idade e pregador renomado, foi-lhe concedida a oportunidade de ler e comentar
as escrituras.
Antes de ser um pregador, Jesus foi um assíduo ouvinte
das escrituras. E naquela oportunidade, o profeta Isaías foi decisivo para
compreender o horizonte e o chão da missão que lhe tocava. “O Espírito do Senhor está sobre mim porque
ele me consagrou com a unção, para anunciar a boa notícia aos pobres; enviou-me
para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para
libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
Hoje resta pouco daquilo que foi a sinagoga, e as
pedras silenciam aquilo que viram e ouviram da boca do jovem de Nazaré. Uma
comunidade cristã de rito grego guarda as imediações, mas o sonho e o
testemunho de Jesus ultrapassaram as colinas da Galiléia, os desertos da Judéia,
as fronteiras do império romano e ganharam o mundo. E ainda hoje continuam
despertando adormecidos e emancipando oprimidos.
“Devemos
cumprir toda a justiça...”
O rio Jordão no lugar onde Jesus foi batizado |
Deixamos Nazaré e descemos o vale no qual
corre mansamente o pequeno e famoso rio Jordão. Muito me impressionou o deserto
que se estende por quase toda a sua dimensão, do mar da Galiléia ao mar Morto,
tanto do lado de Israel como no lado da Jordânia. Mas nas suas margens,
ergue-se hoje um mar de estufas onde são cultivadas frutas, legumes e verduras.
Paramos no lugar onde Jesus teria sido
batizado. O calor de 45 graus fazia zunir a cabeça. Ali, sentados nos degraus à
beira do rio, lemos e meditamos a pregação audaciosa do profeta João Batista
(cf. Lc 3,1-6) e renovamos a graça e as promessas do batismo. “Sim eu quero que
a luz de Deus que um dia em mim brilhou, jamais se esconda, e não se apague em
mim o seu fulgor...”
Ali Jesus entrou na fila dos homens e
mulheres conscientes dos próprios limites e desejosos de preparar uma estrada
na qual Deus pudesse vir para visitar e libertar seu povo. Mateus nos conta
que, diante da indecisão de João, Jesus insistiu que era preciso cumprir toda a
justiça, ou seja: em nome de Deus, ele deveria entrar na fila com as pessoas
comuns e assumir suas dores e seus sonhos, sem deixar de carregar suas
debilidades.
Logo à frente, já no árido deserto, se
ergue a cidade de Jericó. É uma das mais antigas cidades com povoação contínua da
história da humanidade. Este lugar é povoado continuamente há mais de oito mil
anos! Não entramos em Jericó, cidade de magníficos acontecimentos bíblicos, mas
paramos para contemplar à distância o lugar para onde Jesus teria se retirado
depois do batismo a fim de discernir sua missão, e onde confrontou-se com todas
as resistências e tentativas que marcam o ser humano, especialmente as mais
fortes, aquelas que atribuímos ao diabo.
O mar
Morto e a comunidade de Qumram
Aspecto do parque arqueolóico de Qumram |
Prosseguimos nossa viagem acompanhando o
rio Jordão, ladeados pelo impressionante e escarpado deserto, cruzando com
pastores e seus rebanhos, atravessando imensas plantações de frutas que emergem
como milagres verdes no meio de um oceano de secura. Mas o que chama a atenção
também é as cercas farpadas erguidas na ilusão de dar segurança a uma região
continuamente em disputa (ultimamente, com a Jordânia). O próprio lugar do
batismo de Jesus é uma zona plena de minas ainda não desativadas.
Nossa parada seguinte foi em Qumran. Nos
últimos séculos do período pré-cristão viveu ali uma espécie de comunidade
monástica que cultuava um judaísmo messiânico, comunitário e radical, à espera
do Messis, o Mestre da Verdade. Alguns pesquisadores acham que João Batista
teve contato com eles. A comunidade foi dispersada com a chegada dos romanos,
no ano 67 antes de Cristo, mas deixou um imenso tesouro, descoberto somente na segunda
metade do século passado.
Trata-se dos conhecidos ‘manuscritos do
mar Morto’: uma grande quantidade de papiros e pergaminhos contendo intactos
vários livros do Antigo Testamento, as regras de vida da Comunidade e a correspondência
da comunidade com os sacerdotes de Jerusalém. Percebendo a aproximação do
exército romano, antes de se dispersarem, os monges esconderam os manuscritos
nas carvernas da redondeza, que os conservaram e transmitiram ao mundo moderno.
Um pastor conduz seu rebanho próximo ao rio Jordão |
Almoçamos no restaurante junto ao pequeno
museu e sítio arqueológico de Qumram e depois descemos ao mar Morto, que se
estende à frente. O calor era amordaçante, mas isso é compreensível se levarmos
em conta que este mar é a mair depressão geológica do planeta, pois o espelho
de água está a 420 mt abaixo do nível do mar! E, em algumas partes, o mar chega
a 180 mt de profundidade. Sua água extremamente salgada e seu barro têm
reconhecida qualidade terapêutica.
“Desejem
a paz para Jerusalém...”
Deixamos o mar Morto, a 420 mt abaixo do
nível do mar, e, em pouco mais de 40 km, alcançamos Jerusalém, que está a mais
de 700 mt de altitude. No caminho, apenas rochas e colinas ressequidas. Na
chegada, o inaceitável e terrível muro erguido pelo medo e pela prepotência,
separando povos, acirrando ódios, consolidando a dominação. Não me conformo com
o silêncio do mundo político e midiático diante dessa barbaridade...
Aproximando-nos de Jerusalém, lembrei-me
das palavras emocionadas do salmista (Sl 122/121): “Alegrei-me quando me disseram: ‘Vamos à casa de Javé’. Nossos passos já
se detêm junto aos teus umbrais, Jerusalém... Para ela sobem as tribos, as
tribos de Javé, segundo os costumes de Israel, para celebrar o nome de Javé. Aí
estão os tribunais da justiça... Desejem a paz para Jerusalém: ‘Vivam seguros
os que amam você, haja paz dentro dos seus muros e segurança em seus palácios.
Por meus irmãos e meus amigos, eu digo: ‘A paz esteja com você’. Pela casa de
Javé nosso Deus, desejo todo bem a você.”
Um mar Morto com uma vida bastante agitada... |
Sabemos que Jesus não teve uma boa
impressão e não viveu bons momentos nesta cidade. Contemplando a sua amada
cidade de longe, Jesus chorou. Visitando o templo dedicado ao Deus que
libertara o povo do Egito, ele não se conteve e virou as mesas dos cambistas,
exigindo que o recinto voltasse a ser lugar de oração para todos os povos. Para
ele, os tribunais não foram justos. Em
resumo, na cidade de Jerusalém Jesus não encontrou a paz que está no seu próprio
nome.
Hospedados
na ‘casa do pão’
Atravessamos a cidade de Jerusalém e
chegamos a Belém (literalmente, casa do pão), onde estaremos hospedados nos
próximos quatro dias da nossa peregrinação. Ainda bem que tivemos sorte melhor
que Maria e José: para nós havia um lugar reservado nas hospedarias da cidade...
O dinheiro ajuda a evitar alguns contratempos... Mas às vezes também nos afasta
do coração do Evangelho e se arvora em senhor e comandante pouco disposto a
fazer concessões.
Outra imagem do mar Morto |
Aqui estamos para viver a segunda etapa da
nossa peregrinação. Nestas montanhas veio à luz o Verbo feito carne, e o
Messias da Galiléia foi julgado e condenado à morte. Mas foi aqui também que
ele celebrou sua última ceia, lavou os pés dos discípulos e deixou um
contundente testamento a todos. E foi também aqui que ele se mostrou
teimosamente vivo e convidou-nos a voltar à periferia da Galiléia, onde desde
sempre ele nos espera.
Oxalá possamos superar a tentação tão
própria dos turistas: ver, fotografar e correr para a próxima atração. Não foi
isso que me motivou a fazer esta peregrinação. Como gostaria que a oportunidade
de visitar estes lugares e de pisar na mesma terra na qual Jesus pisou e
derramou seu suor e suas lágrimas me ajudasse a ser um discípulo mais simples,
mais autêntico e mais humilde. Será que posso pedir e esperar essa graça?
Itacir Brassiani msf
Um comentário:
Muita luz!
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