Tu vieste às margens do lago...
Logo de manhã deixamos Nazaré e ganhamos a
estrada. Nosso destino eram as margens do Lago de Genesaré, também conhecido
por Mar da Galiléia. Trata-se de um imenso e magnífico lago de 35 km de
comprimento por 18 km de largura e uma fundura média de 14 mt. Este riquíssimo
reservatório de água doce está na região da Galiléia, a 200 mt abaixo do nível
do mar! Deste lago é bombeada a água que abastece praticamente o país inteiro,
mediante um complexo sistema nacional de águas.
Fomos conversando sobre o significado
cristológico dessa região. Na verdade, Jesus viveu praticamente toda a sua vida
por aqui. Segundo os evangelhos sinóticos, sua única viagem a Jerusalém, depois
de ter alcançado reconhecimento como pregador e reformador, foi aquela que acabou
levando-o ao tribunal e à cruz. De resto, quase toda sua ação profética ocorreu
na Galiléia e arredores.
Passamos ao lado da cidade de Migdal, mas
não paramos. Trata-se da famosa vila de Magdala, onde viveu Maria, conhecida
como Maria Madalena, que tem um papel importantíssimo no evangelho segundo
João. Nesta cidade recentemente foram encontrados restos da sinagoga mais antiga
de que se tem conhecimento: data mais ou menos do ano 100 antes de Cristo.
Vista a partir da igreja das bem-aventuranças |
“Bem-aventurado
quem tem fome e sede de justiça...”
Nossa primeira parada foi no monte das
bem-aventuranças. Ali, tendo a imensidão e a belza do mar diante de si, mas
também um mar de gente sedenta de palavras de vida, Jesus pronunciou o pequeno
discurso conhecido como Sermão da
Montanha (Mt 5-7), do qual fazem parte as bem-aventuranças (Mt 5,1-12). É a
pregação que traça a linha divisória entre o cristianismo nascente e o
judaísmo.
A paisagem é magnífica, deslumbrante. Na
frente, o mar tranquilo a perder de vista. Atrás, mais acima, as montanhas
pedregosas. Ao redor, hoje, modernas plantações de frutas. E ali uma pequena
igreja e uma moderna pousada, tudo circundado por jardins cuidadosamente
conservados. O clima é envolvente em sua tranquilidade e serenidade, apesar do
grande número de visitantes.
Depois de termos rezado individualmente na
igreja, reunimo-nos num dos espaços reservados à oração e à partilha, voltamos
a cantar ‘Jovem galileu’ e lemos calmamente as bem-aventuranças. Fomos trazendo
presente tanta gente que nos acompanha, sintonizada, e se encomendou à nossa
oração. E renovamos a consciência da missão que brota da confiança que Jesus
deposita em nós: “Vocês são o sal da terra... Vocês são a luz do mundo...” E
isso é tudo menos algo automático e descontado...
Descemos a montanha e ganhamos a margem do
lago. Foi por estas paragens que Jesus encontrou e chamou os primeiros
discípulos, propondo que aprendessem a pescar diferente. O calor queimava nossos
ossos, pois estávamos uma espécie de depressão geológica, 200 mt abaixo do
nível do mar. Lá nos esperava um barco para um breve passeio no lago de
Genesaré.
Para nossa alegria, encontramos ali um
grupo de quarenta peregrinos brasileiros, cuja maioria vinha do Paraná (Apucarana
e Londrina). Fazia parte do grupo também uma moça que frequenta a Paróquia São
José Operário, na Ilha do Governador. Como o grupo era exclusivamente de
brasileiros (com exceção do Edmundo), tivemos direito a hasteamento da bandeira
brasileira no mastro do barco, com hino nacional e tudo. E a emoção prosseguiu
com o ‘Jovem Galileu’, ‘Jesus Cristo’ (do Roberto Carlos) e ‘Tu viestes às
margens do lago’ cantadas por todos.
Interior da igreja da multiplicaçao dos paes |
Como não lembrar de tudo o que aconteceu
envolvendo Jesus e os discípulos nas margens desse lago? O chamado dos
primeiros seguidores, a travessia no meio da tempestade, as pescas frustradas,
a pesca do peixe com a moeda para pagar o imposto... Afinal, Cafarnaum,
Betsaida e Tiberíades ficam logo ali... O tempo foi curto para recordar tantos
acontecimentos biblicamente importantes.
“Tu
me amas mais que estes outros?”
Concluído o breve passeio pelas águas
calmas, nosso grupo foi um pouco adiante, ao lugar onde Jesus teria
multiplicado os pães e peixes para a multidão faminta. Aqui faz muito sentido
oferecer ao povo também peixe, e não apenas pão, como no deserto. Sobre a pedra
onde Jesus teria realizado esta sinal existe hoje uma igreja mantida pelos
beneditinos alemães, que conserva restos de uma basílica bizantina do século
IV, com o famoso mosaico da cesta de pão e dos peixes, clássico símbolo das
primeiras comunidades cristãs.
Daí seguimos à pé uns duzentos metros e
chegamos ao lugar conhecido como ‘primado de Pedro’. Trata-se de uma pequena e
simples igreja construída praticamente sobre o mar, num antigo porto de
pescadores. Foi ali que os apóstolos voltaram a pescar depois da crise da
crucifixão de Jesus (cf. Jo 21,1-19). E foi ali que, depois de uma noite de
trabalho frustrado, os discípulos obedecem a ordem de um desconhecido, lançam
as redes de novo e as recolhem cheias de peixes.
Aqui Jesus ofereceu peixe e pao aos apostolos, depois dauela pesca... |
No interior do pequeno templo erguido
quase sobre as águas do lago ainda se conserva exposta a rocha sobre a qual
Jesus ofereceu peixe e pão aos discípulos, envergonhados por terem abandonado
Jesus no caminho da cruz e cansados por sucessivas pescas frustradas. E foi ali
que Jesus testou a adesão de Pedro, perguntando três vezes se ele o amava mais
que os outros. O fogo sob os peixes lembrava aquele outro, do pátio do
sinédrio, quando Pedro negou Jesus. E a tríplice pergunta trazia à memória a
tríplice negação.
Ali, sozinhos no interior da igrejinha,
lemos João 21,1-19. Refletimos sobre nossos cansaços, vazios e desânimos.
Lembramos de amigos e amigas que enfrentam grandes dificuldades pessoais e
pedem nosso apoio e oração. Tomamos consciência de que nosso amor a Jesus
precisa ser mostrado na ação de cuidar das ovelhas e cordeiros, dos amados e
preferidos de Jesus. E que a missão não pode prescindir do seguimento.
Terminamos cantanto, emocionados, “Senhor,
olhaste em meus olhos, e, sorrindo pronunciaste meu nome. Lá na praia eu deixei
o meu barco... E contigo buscarei outro mar.” Assim seja, sempre. Amém!
Pedro,
sua sogra e Jesus
Nosso roteiro deste dia 31 de maio terminou
em Cafarnaum. O nome significa ‘cidade de Naum’, mas parece que não se trata do
conhecido profeta. Ali, como sabemos, vivia Pedro, ao que parece, na casa da
sogra. E foi nesta vila de pescadores, com uns duzentos e cinquenta moradores,
que Jesus passou a residir, com os discípulos que se juntavam a ele, depois que
os nazaretanos ameaçaram empurrá-lo precipício abaixo.
Restos da sinagiga do século IV, em Cafarnaum |
Em Cafarnaum visitamos as ruínas de uma
sinagoga do século IV, em cujo sub-solo estão restos da sinagoga que teria sido
frequentada por Pedro, pois fica a alguns metros dos restos da casa da sua
sogra, que seria também aquela na qual apenas alguns amigos baixaram pelo teto
a maca de um doente a fim de que Jesus o curasse. Sobre os restos dessa casa,
recentemente foi construída uma moderna e suntuiosa igreja.
Voltando a Nazaré, passamos por
Tiberíades, cidade construída por Herodes no ano 20 dC e batizada com este nome
para homenagear o imperador romano Tibério. Por causa disso e de outras coisas,
parece que Jesus nunca visitou Tiberíades, mesmo que ficasse bem perto de
Cafarnaum. Tiberíades é uma das poucas cidades que teve presença predominante e
contínua de hebreus desde a antiguidade. Hoje é um movimentado polo turístico,
especialmente por causa das suas belas praias.
Itacir Brassiani msf
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