O ambiguidade do exercício do poder na Igreja
‘O poder na Igreja’ foi o tema
do encontro mensal dos Promotores de
Justiça, Paz e Integridade da Criação (grupo espanhol/português), realizado
na última quarta-feira, junto à sede da Caritas
Internacionalis, em Roma. A reflexão foi guiada pelo Doutor Rocco d’Ambrosio,
professor da Universidade Gregoriana. Partilho aqui algumas anotações a partir
da rica exposição e das preciosas provocações que ele nos ofereceu.
Professor Rocco d'Ambrosio |
Segundo o professor Rocco, o
exercício do poder na Igreja apresenta mais ou menos os mesmos problemas que o
poder exercido na sociedade em geral. Um fator agravante é que na Igreja o
poder está perigosamente ligado à idéia de Deus, e a reflexão sobre o modo como
é exercido é evitada e desaconselhada. Não se fala claramente de poder, mas é
forte o desejo e a luta para possuí-lo. Os contínuos e vazios apelos ao serviço
são continuamente traídos pelas práticas.
Em relação à identificação
entre Deus e poder, ou à concepção segundo a qual Deus é a fonte do poder, Dietrich
Bonhoeffer já ensinava: Deus não é poder onipotente, mas a vulnerabilidade do
amor. Não teria chegado (ou passado) a hora de riscar das orações e outras
peças litúrgicas a contínua e terrível relação Deus-poder onipotente? Partindo
de Jesus Cristo, esta relação é explosiva, só pode levar a um curto-circuito.
Se levarmos a sério Jesus Cristo, é impossível imaginar e afirmar que Deus seja
onipotente.
Poder é verbo, e não
substantivo! Poder é a possibilidade de fazer algo, é relação, e não posse. Shakespeare
pressentia que temos um poder cuja natureza e força desconhecemos. E Romano
Guardini dizia que poder é a capacidade de colocar a realidade em movimento, ou
seja: cuidar da criação, promover a vida. Neste sentido, o poder é sempre para
o bem; se não o é, é perversão.
O poder começa a se perverter
quando se distancia ou desvia da sua finalidade. E uma das maiores e mais
danosas perversões do poder no interior da Igreja é a ambiguidade, as sutilezas
da linguagem. Quem nunca ouviu a advertência de que tal ou qual iniciativa ou
denúncia ‘não seria oportuna’. O que significa isso? E quem disse que os
seguidores de Jesus Cristo devem se guiar pelo que é oportuno, e não pelo que é
evangélico? Jesus teria seguido o critério do poportuno ou não-oportuno?

E não podemos esquecer que a
posse e o exercício do poder tem força narcotizante. Do ponto de vista cristão,
o poder existe como ação do Reino de Deus, para produzir o bem, a justiça, a
paz. No cristianismo não pode haver lugar para a vazia e cínica ‘mística dos
títulos’, que prefere omitir o nome da pessoa e tratá-la como Excelência, Eminência,
Reverendo, Santidade, como se o título fosse mais importante que a pessoa e se
a honra dispensasse a ação que lhe corresponde e sustenta.
A terapia preventiva dos
efeitos narcotizantes do poder é o monirotamento e a reflexão crítica sobre seu
exercício prático. E também uma formação humana e teológica que não evita o espinhoso
desafio de tomar consciência e dar nome ao que move as pessoas da Igreja na
busca – às vezes, doentia! – do poder, assim como aos medos que fazem com que
jamais se afastem dele.
Itacir Brassiani msf
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