terça-feira, 21 de maio de 2013

Fatos & Personagens: o martírio de Tibbirine


Martírio dos trapistas de Tibbirine

No dia 21 de maio de 1996 um comunicado do Grupo Islâmico Armado – organização extrejmista argeliana – anunciava a execução dos sete monges trapistas do mosteiro Notre Dame de Atlas sequestrados dois meses antes. Foi a culminância de um itinerário de testemunho evangélico que tornou visível a presença do Emmanuel, o Deus-Conosco, em meio à inimizade que fere a humanidade.

O caminho dos monges de Atlas havia iniciado em 1938, com o estabelecimento de alguns deles na região de Tibbirine, com o objetivo de testemunhar silenciosamente, na oração e na amizade discreta, a fraternidade universal dos cristãos. Na década de 1960 a comunidade esteve prestes a ser fechada, mas experimentou um notável desenvolvimento espiritual, graças à intervenção direta de diversas abadias francesas e à direção do novo prior, Fr. Christian de Chergé.  Fr. Christian nos deixou alguns escritos de grande valor evangélico, nos quais desenvolve a makrothymía, a grandeza de ânimo de quem, como o Mestre, sabe ver o outro e o próprio inimigo com os olhos de Deus.  

Ao lado dele estarão seus coirmãos Bruno, Célestin, Christophe, Luc, Michael e Paul, compartilharando até à morte cada alegria e cada dor, cada angústia e cada esperanza, doando inteiramente a vida a Deus e aos irmãos argelinos. Com a precipitação dos acontecimentos eles tomaram juntos a decisão de permanecer na Argélia e construído profundos vínculos de diálogo e comunhão espiritual com os muçulmanos residentes na região.

A morte violenta destes monges, que chamou à atenção dos cristãos do Ocidente a possibilidade do martírio, presente numa vida cristã autêntica, transmitiu aos homens capazes de escutar a convicção de que somente quem tem uma razão pela qual está disposto a morrer tem verdadeiramente uma razão pela qual vale a pena viver.

Eis alguns trechos do testamento espiritual de Fr. Christian de Chergé.

Se ocorresse um dia – e pode ser hoje – de eu ser vítima do terrorismo que parece querer engolir todos os estrangeiros que vivem na Argélia, gostaria que a minha comunidade, a minha Igreja e a minha família lembrassem que a minha vida foi doada a Deus e a esse país.
Peço-lhes que associem minha morte a tantas outras mortes igualmente violentas, mas esquecidas pela indiferença e pelo anonimato. Minha vida não tem mais valor do que outra qualquer. Nem menos. Em qualquer caso, não tem a inocência da infância.
Eu vivi o suficiente para saber que compartilho o mal que parece, infelizmente, prevalecer no mundo, e até mesmo em quem me atacar cegamente.
Quando chegar a hora, gostaria de poder ter um momento de lucidez que me permitisse pedir perdão a Deus e aos meus companheiros seres humanos, e ao mesmo tempo perdoar de todo meu coração aquele que estiver me golpeando.
Minha morte, é claro, poderia parecer dar razão àqueles que me julgaram ingênuo ou idealista. Mas essas pessoas precisam saber que finalmente vai ser liberdada a minha maior curiosidade. Se Deus quiser, poderei mergulhar o meu olhar no olhar do Pai, para contemplar com ele seus filhos muçulmanos como Ele os vê, todos brilhando com a glória de Cristo, preenchidos com o dom do Espírito, cuja alegria secreta será sempre estabelecer comunhão, brincando com as diferenças.
E você também, meu amigo do último minuto, que não soubia o que eu estava fazendo. Sim, eu quero dizer para você também este "obrigado" e este a-Deus em cuja presença você vive. Que possamos nos encontrar novamente, como ladrões felizes no Paraíso, se quiser Deus, nosso Pai comum. Amém! Inch'allah.” (Argel, 1 de dezembro de 1993)

(Comunità de Bose, Il libro dei testimoni, San Paolo, Milano, 2002, p. 245))

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