Não compre a história de
que a derrota deixará uma cicatriz indelével!
Adivinhe o que aconteceu no
Brasil na quarta-feira? O sol apareceu. As pessoas foram para o trabalho.
Elas dirigiram táxis, abriram supermercados, clicaram em seus computadores para
tratar de assuntos jurídicos e financeiros. Médicos curaram os doentes.
Assistentes sociais enfrentaram os problemas da grande pobreza neste país de
cerca de 200 milhões. A vida continuou.
Adivinha o que não aconteceu?
Cidades não queimaram. Rebeliões em massa não aconteceram. Tanto quanto
sabemos, torcedores não se jogaram de edifícios porque sua amada Seleção foi
destruída pela Alemanha, por 7-1, na semifinal da Copa.
À luz cruel do dia, ainda é
estranho escrever “Alemanha 7, Brasil 1.” Esse tipo de resultado não acontece
neste nível de futebol. O último jogo oficial que o Brasil perdeu em casa foi
em 1975. Se eu fosse um nativo, estaria abalado, tentando descrever a debacle
que aconteceu em Belo Horizonte.
Não se engane: a derrota para a
Alemanha, para usar a frase favorita do técnico dos EUA, Jurgen Klinsmann, foi
uma lástima. As pessoas aqui amam o futebol. O governo declara feriados nos
dias de partidas da equipe nacional. Ruas vazias, e eu quero dizer vazias –
como se você pudesse montar uma barraca no meio de uma delas e não acontecer
nada.
Ainda assim, não compre a
história de que esta perda vai deixar alguma cicatriz indelével em um país
tentando desesperadamente prosperar em uma série de áreas que não têm nada a
ver com futebol. Essa idéia é um pouco humilhante para os brasileiros, que são
a coleção de almas mais acolhedoras com que eu me deparei.
Houve a mulher na loja de óculos
aqui em São Paulo que se recusou a aceitar dinheiro pelo estojo de óculos que
ela me deu depois que eu perdi o meu. Houve os estudantes universitários em
Natal que me ofereceram um tour pela cidade e uma carona de volta para meu
hotel no meio da noite, quando não havia transporte à vista após a vitóriq dos
EUA sobre Gana.
Lá estava o rabino que, 30
segundos depois de me conhecer, insistiu para que eu fosse jantar no sábado em
sua casa (eu fui, e a sopa de matzo ball estava incrível). Houve as inúmeras
almas pacientes comigo na rua, esperando enquanto eu tateava meu dicionário de
bolso de português, procurando a palavra certa para completar uma pergunta
idiota, quando certamente eles tinham algo melhor para fazer.
Estive aqui por um mês. Isso
dificilmente me qualifica como um especialista na cultura brasileira. Minha
amostragem é pequena e limitada a hotéis, restaurantes, estádios de futebol e
pistas de corrida ao lado de praias do Rio, Natal, Recife e algumas outras
cidades-sedes. Eu sei do crime e da pobreza.
Mas eu também sei que este é um
país incrível, diverso. Encare quatro horas de voo rumo à Amazônia a partir de
São Paulo e as pessoas parecem completamente diferentes daquelas em qualquer
shopping do país. Em Salvador, você pode muito bem achar que está na África
Ocidental. Em cada cidade, pessoas de todos os tons de pele — preto, marrom e
branco — preenchem áreas de ricos e pobres. É um país de beleza física
impressionante e vastos recursos naturais. O tráfego da hora do rush faz as
avenidas de Los Angeles parecerem estradas do interior, um sinal claro de que o
lugar precisa de alguns melhoramentos de infra-estrutura, mas também que há um
grande número pessoas trabalhadoras que querem tornar o amanhã melhor do que
hoje. Em outras palavras, o Brasil é muito mais do que uma camisa canarinho e
uma obsessão com o futebol.
O colapso contra a Alemanha
certamente vai despertar algum exame de consciência nacional sobre como o
Brasil cultiva e desenvolve a sua próxima geração de estrelas do futebol. O
país tem um enorme banco de talentos, mas acidentes não podem mais acontecer no
esporte. Vencer nesse nível hoje significa não apenas talento, mas dinheiro,
treinamento e uma estratégia coerente.
“Quando você pensa sobre isso”,
disse uma brasileira de 20 e poucos em um bar na noite passada, “é meio
engraçado. Quer dizer, sete gols. É engraçado, né?”
Eu vou apostar que o Brasil como
um todo vai se sair muito bem depois disso. Chateado um pouco, claro, mas em
última análise, tudo vai dar certo. De muitas maneiras, já deu.
Matthew
Futterman
Diretor-adjunto
do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor
de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação
da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.
(Wall
Street Journal)
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