A missão? É opor-se aos impérios do mundo.
A paixão missionária de Paulo é simplesmente
extraordinária. Ele ficou fascinado por Cristo ressuscitado
e ardia de desejo para que todos O experimentassem. É por isso que Paulo é tão
duro com as suas comunidades: porque elas devem refletir Jesus com um estilo de vida
alternativo ao imperial-romano. É por isso que Paulo adverte os Filipenses assim: "Ser
inocentes e íntegros, como perfeitos filhos de Deus que vivem no meio de gente
pecadora e corrompida, onde vocês brilham como astros no mundo, apegando-se
firmemente à Palavra da vida" (2, 15). É a essa paixão missionária de
Paulo que o Papa Francisco quer levar
novamente a Igreja na sua exortação Evangelii gaudium.
O Papa
Francisco repete, sem se cansar, o convite à "saída", à
"escolha missionária", ao "impulso missionário", a uma
"pastoral em chave missionária" e "constituir-se em 'estado
permanente de missão' em todas as regiões da terra!" (n. 25).
E repropõe, em termos modernos,
a mesma paixão de Paulo pelo
anúncio missionário. "Se alguma coisa deve santamente inquietar e
preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a
força, a luz e a consolação da amizade com Jesus
Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de
sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de
nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que
nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos
tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta, e Jesus repete-nos sem
cessar: 'Dai-lhes vós mesmos de comer'".
E com ainda mais calor escreve:
"A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um
ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos
outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não quero me
destruir. Eu sou uma missão nesta terra e para isso estou neste mundo" (n.
273). (...)
Tudo isso levanta perguntas
enormes ao mundo missionário, que se moveu, em grande medida, a partir de 1500,
à sombra dos grandes impérios ocidentais (espanhol, português, holandês,
britânico e norte-americano), para desembocar no atual império das finanças. Paulo, como bom apocalíptico que
era, sabia que os antigos impérios (Babilônia, Pérsia e Grécia) eram "bestas"
(Dn 7), e Roma, a mais horrível de todas
(Ap 13).
Paulo entendera que o império
era o oposto do que Jesus chama
de "reino de Deus" e que Paulo chama
de "justificação pela fé". Albert
Schweitzer tem razão quando afirma que "a maior tragédia do
cristianismo foi não entender que o reino de Deus, pregado por Jesus, é a mesma
realidade que Paulo chamava de justificação pela fé".
É claro que o que Paulo anuncia e tenta
realizar nas suas comunidades é o sonho de Deus, expressado tão bem porJesus: o sonho de um mundo
"outro" em relação ao que temos. Basta ler os primeiros capítulos da Carta aos Romanos para nos
darmos conta de que, para Paulo, há algo de profundamente equivocado, se não na
natureza humana, ao menos na civilização.
Escreve Crossan: "Roma não era o império do
mal da antiguidade. Roma não era a pior realidade ocorrida antes da era
industrial. Roma era simplesmente a normalidade da civilização, dentro das
opções do primeiro século d.C. O que os romanos eram à época, nós,
norte-americanos, somos hoje. Nós somos, no início do terceiro milênio, aquilo
que Roma era no início do primeiro século".
Na história humana (ao menos
desses últimos 2.000 anos), existem duas falhas tectônicas que colidem: a
imperial e a utópica. A falha imperial, que representa a normalidade da
civilização, tem um único slogan: "Primeiro a vitória e depois a paz".
A falha utópica, ao contrário, tem como lema: "Primeiro a justiça e depois
a paz" ou "A paz mediante a justiça".
Hoje estamos em uma virada
epocal. Se a humanidade continuar no caminho imperial dos últimos 8.000 anos, o
que a espera é a morte por fome, por guerra e por sobreaquecimento do planeta.
Será que o homem, hoje, é capaz de escolher a segunda opção, a utopia? (...)
Esse foi o grande desafio
missionário que Paulo teve
que enfrentar diante do maior império da antiguidade: Roma. E o fez fundando pequenas
comunidades alternativas ao império. Hoje, o grande desafio da missão é vivido
dentro do maior império da história, o império do dinheiro.
Esse desafio será vencido se a
missão aprender o caminho do Jesus "kenótico",
das pequenas comunidades alternativas ao Império e do compromisso com a
justiça, a paz e a integridade da criação.
Pe. Alex Zanotelli
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/532915-a-missao-e-opor-se-aos-imperios-do-mundo-artigo-de-alex-zanotelli
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