quinta-feira, 31 de julho de 2014

18° Domingo do Tempo Comum (Ano A - 2014)

Que em todas as mesas de pobre haja festa e pão!
Há um preceito que não está escrito na Constituição nem na Bíblia, mas é ensinado em lições que vão do berço à sepultura. Esta lei diz que cada um deve viver pra si e Deus se ocupará de todos. Uma variante afirma que quem pode mais sempre chora menos. Não é difícil perceber que estes princípios vão sendo assimilados tranquilamente na arena política, no sistema econômico, e até no âmbito da religião. Deus acaba sendo uma espécie de avalista ou financiador da prosperidade individual, tanto na dimensão social como econômica. Mas isso se opõe frontalmente ao seguimento de Jesus Cristo!
Depois de ter provocado escândalo na sua própria terra e de ter tomado conhecimento da prisão e do posterior martírio de João Batista, Jesus parte para uma região deserta e afastada. Resolutamente, toma distância dos lugares onde o poder mostra sua maior ferocidade. Ele se recusa a entrar no jogo de cartas marcadas e desposa conscientemente a periferia. Jesus sente necessidade de respirar outros ares e buscar inspiração em utopias mais divinamente enraizadas e mais humanamente concretizadas. Assim o fará cada dia de toda a sua breve existência sobre esta terra.
Sabendo disso, as multidões cansadas e abatidas deixam as cidades e o seguem à pé. Têm a intuição de que é da periferia que pode nascer a novidade. Sabem que os centros de poder são como uma figueira estéril, ou pior, estão pavimentados com o trabalho dos pobres e pintados com o sangue dos inocentes. Saindo da barca, Jesus vê a multidão e, movido pela compaixão, cura, resgata, emancipa e reinsere na sociedade muitas pessoas doentes que, por causa disso, acabaram dependentes e marginalizadas. Para Jesus, socorrer e libertar seu povo não é um apêndice da sua missão, mas sua razão de ser!
No fim da longa jornada, no entardecer das possibilidades de ajuda, os discípulos percebem a fome do povo mas não conseguem vislumbrar solução para este drama a não ser dentro da lógica do império. Sem um plano alternativo, pedem que Jesus despeça a multidão para que cada um supra suas próprias necessidades. Querem entregar os famintos às frias leis do mercado, bem ao estilo do “cada um pra si e Deus por todos”. Mas a resposta de Jesus é direta, e sua proposta abate mortalmente tanto o espiritualismo escapista como o elitismo corrosivo dos discípulos.
“Eles não precisam ir embora. Vocês é que têm de lhes dar de comer.” Os discípulos reagem e tentam disfarçar seu egoísmo elitista sublinhando os limites dos recursos disponíveis frente a tão grande demanda. O que representariam cinco pães e dois peixes para uma multidão de dez mil famintos? Longe de Jesus uma Igreja feita apenas de palavras e de ritos religiosos! Longe dele uma comunidade que se compraz em lavar as mãos diante das tragédias que se abatem sobre o povo. Basta de instituições que entregam seus membros à implacável lógica dos impérios!
“Tragam isso aqui”, determina o Mestre. Ele sabe, e quer deixar bem claro a quem o segue, que a saída não é nem cada um pensar em pra si, nem considerar o povo faminto um simples objeto de caridade. Do ponto de vista do Evangelho, o povo é soberano e as autoridades estão a seu serviço. E é claro que não se trata de povos nacionais, mas do único povo de Deus, pois, para os cristãos, as nações modernas são realidades fictícias e, às vezes, violentas, cujos confins foram traçados com lanças e baionetas. Não é cristão um amor que se preocupa apenas com a vida dos co-nacionais!
O alimento suficiente para saciar os que têm fome aparece quando Jesus assume o protagonismo e os discípulos se associam à sua ação. Se ele deixasse a solução às leis do mercado teríamos assistido à catástrofe de um povo, ao cinismo da religião e ao enriquecimento dos astutos. Hoje, o cumprimento da ordem “dêem vocês mesmos de comer” começa com a adoção de um estilo de vida sóbria pelos povos ricos e com a erradicação da exploração comercial dos países ricos sobre os pobres. Mas deve prosseguir na busca de um modelo de agricultura sustentável e da soberania alimentar dos povos.
Deus, pai justo e mãe compassiva: tu queres que ninguém fique fora da festa da vida e que nossa felicidade não seja o aumento de propriedades e de bens mas a redução das necessidades: suscita e sustenta em nós a mesma compaixão que moveu Jesus na cura dos doentes, na acolhida aos marginalizados, na libertação dos oprimidos e no socorro aos famintos. Ensina às nossas comunidades a responsabilidade de ensaiar formas de vida mais sóbrias e mais solidárias. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Isaías 55,1-3 * Salmo 144 (145) * Carta aos Romanos 8,35-39 * Mateus 14,13-21)

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