Que em todas as mesas de pobre haja festa e pão!
Há um
preceito que não está escrito na Constituição nem na Bíblia, mas é ensinado em
lições que vão do berço à sepultura. Esta lei diz que cada um deve viver pra si e Deus se ocupará de todos. Uma variante afirma
que quem pode mais sempre chora menos.
Não é difícil perceber que estes princípios vão sendo assimilados
tranquilamente na arena política, no sistema econômico, e até no âmbito da
religião. Deus acaba sendo uma espécie de avalista ou financiador da prosperidade
individual, tanto na dimensão social como econômica. Mas isso se opõe frontalmente ao seguimento de Jesus Cristo!
Depois de
ter provocado escândalo na sua própria terra e de ter tomado conhecimento da
prisão e do posterior martírio de João Batista, Jesus parte para uma região
deserta e afastada. Resolutamente, toma
distância dos lugares onde o poder mostra sua maior ferocidade. Ele se
recusa a entrar no jogo de cartas marcadas e desposa conscientemente a
periferia. Jesus sente necessidade de
respirar outros ares e buscar inspiração em utopias mais divinamente enraizadas
e mais humanamente concretizadas. Assim o fará cada dia de toda a sua breve
existência sobre esta terra.
Sabendo
disso, as multidões cansadas e abatidas deixam as cidades e o seguem à pé. Têm a intuição de que é da periferia que
pode nascer a novidade. Sabem que os centros de poder são como uma figueira
estéril, ou pior, estão pavimentados com o trabalho dos pobres e pintados com o
sangue dos inocentes. Saindo da barca, Jesus vê a multidão e, movido pela compaixão, cura, resgata,
emancipa e reinsere na sociedade muitas pessoas doentes que, por causa disso,
acabaram dependentes e marginalizadas. Para Jesus, socorrer e libertar seu povo não é um apêndice da sua missão, mas sua
razão de ser!
No fim da
longa jornada, no entardecer das
possibilidades de ajuda, os discípulos percebem a fome do povo mas não
conseguem vislumbrar solução para este drama a não ser dentro da lógica do
império. Sem um plano alternativo, pedem que Jesus despeça a multidão para que
cada um supra suas próprias necessidades. Querem
entregar os famintos às frias leis do mercado, bem ao estilo do “cada um
pra si e Deus por todos”. Mas a resposta de Jesus é direta, e sua proposta abate
mortalmente tanto o espiritualismo escapista como o elitismo corrosivo dos
discípulos.
“Eles não
precisam ir embora. Vocês é que têm de lhes dar de comer.” Os discípulos reagem
e tentam disfarçar seu egoísmo elitista sublinhando
os limites dos recursos disponíveis frente a tão grande demanda. O que
representariam cinco pães e dois peixes para uma multidão de dez mil famintos? Longe de Jesus uma Igreja feita apenas de
palavras e de ritos religiosos! Longe dele uma comunidade que se compraz em
lavar as mãos diante das tragédias que se abatem sobre o povo. Basta de
instituições que entregam seus membros à implacável lógica dos impérios!
“Tragam
isso aqui”, determina o Mestre. Ele sabe, e quer deixar bem claro a quem o segue,
que a saída não é nem cada um pensar em pra si, nem considerar o povo faminto
um simples objeto de caridade. Do ponto de vista do Evangelho, o povo é soberano e as autoridades estão a seu
serviço. E é claro que não se trata de povos nacionais, mas do único povo
de Deus, pois, para os cristãos, as nações modernas são realidades fictícias e,
às vezes, violentas, cujos confins foram traçados com lanças e baionetas. Não é cristão um amor que se preocupa apenas
com a vida dos co-nacionais!
O
alimento suficiente para saciar os que têm fome aparece quando Jesus assume o
protagonismo e os discípulos se associam à sua ação. Se ele deixasse a solução às leis do mercado teríamos assistido à
catástrofe de um povo, ao cinismo da
religião e ao enriquecimento dos astutos. Hoje, o cumprimento da ordem
“dêem vocês mesmos de comer” começa com a adoção de um estilo de vida sóbria
pelos povos ricos e com a erradicação da exploração comercial dos países ricos
sobre os pobres. Mas deve prosseguir na busca de um modelo de agricultura
sustentável e da soberania alimentar dos povos.
Deus, pai justo e mãe compassiva: tu
queres que ninguém fique fora da festa da vida e que nossa felicidade não seja
o aumento de propriedades e de bens mas a redução das necessidades: suscita e
sustenta em nós a mesma compaixão que moveu Jesus na cura dos doentes, na
acolhida aos marginalizados, na libertação dos oprimidos e no socorro aos
famintos. Ensina às nossas comunidades a responsabilidade de ensaiar formas de
vida mais sóbrias e mais solidárias. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Isaías
55,1-3 * Salmo 144 (145) * Carta aos Romanos 8,35-39 * Mateus 14,13-21)
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