Não deixemos de lançar as sementes de um mundo novo!
Aquele
havia sido um dia cheio, intenso e tenso: Jesus discutira a respeito da
primazia da pessoa humana sobre os sistemas legais; curara um doente e
marginalalizado em dia proibido; devolvera a liberdade de um endemoniado; fora
acusado de agir em nome do diabo; alargara os laços da sua própria família. Então, saindo de casa, ganhou o
espaço público e procurou descanso nas margens do mar da Galiléia. Mas não
obteve sucesso: a multidão se reuniu ao seu redor, e ele começou a falar do
mistério do Reino de Deus, das forças que se lhe opõem e da sua aparente
ineficácia.
A idéia
do Reino de Deus, ou Reino dos céus como Mateus prefere denominar para
distingui-lo dos reinos comumente conhecidos, ocupa um lugar central na vida de
Jesus de Nazaré. Colocar em ação o governo de Deus, libertar as mulheres e
homens de todas as formas de dominação, este era o absoluto que iluminava sua
pregação e sua ação. Jesus iniciara sua missão pública com o anúncio: “O Reino
de Deus está próximo. Acreditem nesta boa notícia e se convertam”. E agora
começa seu ensino sobre o Reino de Deus evocando a figura dos diaristas que trabalham
no campo.
A missão
de construir um mundo justo e fraterno é ainda hoje uma tarefa artesanal, uma
tarefa de semeador. A força desta palavra não lhe é dada pelo poder de impor,
pela constrição da lei, pela força do dinheiro ou do exército. A força dessa
Boa Notícia vem unicamente do testemunho de solidariedade e da perseverança
daqueles que a proclamam. E tal testemunho nem sempre encontra bons terrenos
para germinar. Então, gente despojada e engajada, de ontem e de hoje, se
pergunta: não é ingrato e inócuo esse trabalho de anunciar e construir o Reino
de Deus?
É
frequente a sensação de que a empreitada é muito grande e de que os
trabalhadores são poucos. É dura a percepção de que os inúmeros ensaios e
iniciativas que desejam pôr em movimento uma nova lógica ou um novo espírito
são gestações abortadas, esforços perdidos, sementes que caem à beira da
estrada e logo desaparecem. A falha parece não estar nos semeadores e a
qualidade da semente parece boa. O fato é que o estabelecimento do reinado de
Deus é uma luta sem tréguas contra outros regimes ou reinados. O Reino de Deus não
vem sem luta, sem oposição.
A
semeadura continua sendo sempre um risco, mas ouvimos de Jesus Cristo que o
mundo não é naturalmente mau, pois o mal entrou no mundo depois de ele haver
sido criado. É possível o aperfeiçoamento e a transformação da sociedade na
perspectiva do Reino de Deus. E, apesar das sementes que se perdem, continuamos
a semeadura e a luta, certos de que colheita haverá. Três quartos da semente se perde ou não chega e
produzir frutos, mas uma quarta parte produz sozinha o que se esperava de toda
a semente! O bom semeador sabe contar com isso.
E tem
mais: precisamos contar com o ciclo próprio de algumas sementes que, plantadas
hoje, só vão germinar no tempo propício. Algumas sementes permanecem anos e
anos escondidas no ventre da terra, e quando o ambiente se apresenta favorável,
rompem a casca e as plantas emergem com força e vitalidade. Feliz quem
compreende este mistério e nunca deixa de apostar na força da semente plantada
na terra, na vida da gente! Feliz quem não se rende às oposições e
perseguições! Que o Evangelho não passe por nós sem deixar um sinal, sem tocar
uma corda da nossa vida...
A semente
do Reino de Deus tem futuro. O que não tem futuro é este velho e mórbido hábito
de querer salvar-se a si mesmo, de cuidar apenas de si e não se importar com
ninguém, de poder mais para chorar menos... Este sistema só produz exclusão e
sofrimento, e por isso tem os dias contados. A dor existe sim, e faz gemer nossa
carne, mas Paulo ensina que a dor de quem se engaja na semeadura não é uma dor
de morte: é uma dor de parto. A dor da morte é a dor do vazio, do nada, do fim.
A dor do parto é a dor da plenitude, da vida, do começo.
Deus do Reino, semente de vida, esperança
dos sonhadores inconformados: visita nossas casas e Igrejas e repete de novo
tua lição essencial de que semear é preciso mas a a colheita não nos cabe; de
que sem o risco da semeadura não haverá colheita, nem futuro. Faz com que a
semente do teu Reino deixe os catecismos, doutrinas e Igrejas e seja lançada na
terra, sem nenhum receio de que se perca, para que corra o risco de frutificar.
E ajuda-nos para que, à nossa passgem e com nosso trabalho, tudo e todos ao
nosso redor cantem e gritem de alegria. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Isaías
55,10-11 * Salmo 64 (65) * Carta aos Romanos 8,18-23 * Mateus 13,1-23)
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