É tempo de rever nossas imagens distorcidas de Deus...
Falar de
Deus é uma das atividades humanas mais apaixonantes e, ao mesmo tempo, mais
perigosas, pois trata-se de dizer uma palavra sobre o mais profundo arquétipo do
imaginário coletivo da humanidade. O risco de projetar em Deus nossos medos,
tabus e interesses é bem real, e muito grande. É bom lembrar que toda palavra que
dizemos sobre Deus permanece sempre uma palavra humana e limitada. A própria
Palavra revelada é uma palavra de Deus inserida nas palavras humanas, e vem
marcada por seus condicionamentos e possibilidades.
Na
tradição dos hebreus, conhecer a Deus é entrar em relação com Ele, assumir Sua
vontade como um projeto e um caminho para nossas decisões e ações. E isso
significa romper com o estreito limite dos nossos interesses e medos e abrir-se
a um horizonte no qual todas as criaturas são aceitas na sua dignidade
inegociável. Dito de outra forma: conhecer Deus significa reconhecer-se filho
ou filha, como alguém que não tem origem em si mesmo e na própria vontade, mas
num Outro e num Além que lhe desperta e dá o ser.
Hoje temos
consciência de que a imagem de um Deus violento e vingador não passa de um
revestimento religioso dos infantis e imaturos medos e desejos de onipotência.
Mesmo que alguns traços de um Deus violento e sanguinário estejam espalhados na
própria bíblia, especialmente no Antigo Testamento, não podemos sobrepô-los aos
traços mais originais que são exatamente o oposto, e são avalizados pela vida e
pelo ensinamento de Jesus Cristo. O cristianismo não dá a mínima chance a uma
teologia da punição e da violência.
Não
consigo entender como foi possível que chegássemos a aproximar e identificar
Jesus Cristo com a figura dos reis! Sua vida não mostra exatamente o contrário?
Em Jesus Cristo ,
Deus mostra que prefere os estábulos aos palácios, as manjedouras aos tronos, a
cruz à espada, a compaixão ao poder, os discípulos e discípulas aos exércitos
alinhados, os pobres e doentes aos séquitos reais... E o pior é que a sede de
realeza se encarna num anacrônico regime monárquico que rejeita o menor indício
de democracia ou participação. Isso denota dívidas para com a carne, como diz
Paulo!
Nas cenas
que precedem o evangelho deste domingo, diante da pergunta dos emissários de um
João Batista um pouco confuso sobre os traços do seu messianismo, Jesus
responde chamando atenção para aquilo que está fazendo: cegos recuperam a
vista, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortes ressuscitam
e pobres recebem boas notícias. E arremata: “Feliz aquele que não se
escandalizar por minha causa!” Sim, porque havia gente que tropeçava nestas
ações de Jesus, por considerá-las insignificantes ou inoportunas...
E Jesus
prosseguiu sublinhando a falta de adesão e de resposta das cidades de Israel ao
anúncio e às ações que aproximavam o reinado de Deus em favor dos pequenos.
Neste contexto, podemos entender melhor a exultação profética de Jesus ao
contemplar a fé límpida e a adesão operosa dos discípulos e do povo simples.
“Eu te louvo, o Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas a
sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi
do teu agrado.” Eles sim entenderam que a proposta de Jesus não é pesada, nem
causa de tropeço...
E Jesus
termina lançando um convite: “Venham para mim todos vocês que estão cansados e
eu lhes darei descanso!” O cansaço nos vem da desilusão com os grupos e
partidos que, abocanhando uma fatia de poder, fazem o contrário daquilo que
pregavam. Mas nosso cansaço tem também uma raíz eclesial, e vem de uma Igreja
que tem medo da participação popular e receio de se encarnar nas dores e
tristezas, alegrias e esperanças dos homens e mulheres de hoje. Dói demais a
ferida de uma Igreja que ambiciona privilégios e ainda é submissa aos instintos
egoístas...
Deus Pai e Mãe, em Jesus nos revelas que
és mais misericórdia que poder e mais compaixão que lei. Dá-nos teu Espírito,
para que te descubramos como um peregrino que pede um copo de água e que, por
isso, não nos esmaga com o peso da lei e não nos assustas com uma verdade
abstrata. Revela-nos a mansidão que suscita um empoderamento que se alimenta da
compaixão e da solidariedade. Impõe sobre nós teu leve fardo, aquele que
corresponde aos nossos mais profundos e humanos anseios: externar a ternura,
exercitar a amizade, experimentar a partilha, treinar a gratuidade. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Zacarias
9,9-10 * Salmo 144 (145) * Carta aos Romanos 8,9-13 * Mateus 11,25-30)
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