No Reino de Deus, os pobres e excluídos reconquistam
a cidadania!
Depois de nos ter
convocado discípulos a tomar parte na sua missão de reunir o povo disperso e
anunciar a chegada do Reino de Deus, Jesus vai à sinagoga, onde enfrenta a
autoridade dos escribas, e à casa de Pedro, onde cura muitos doentes. Após uma
madrugada de oração, no final da qual amplia os horizontes da missão, Jesus é
procurado por um leproso. Narrando estes fatos, Marcos ajuda-nos, pouco a
pouco, a reconhecermos em Jesus um homem que estabelece a pessoa necessitada ou
marginalizada como prioridade absoluta.
No tempo de Jesus, a
lepra era considerada uma enfermidade muito séria. A lei de Moisés determinava
que as pessoas portadoras dessa doença deveriam ser separadas da convivência familiar
e social e morar fora das aldeias, em bosques ou cavernas. E proibia que elas
se aproximassem das pessoas consideradas sãs. Os leprosos eram declarados
impuros, e assim permaneciam enquanto durava a doença. Isso significa que eram
colocados à margem da sociedade e considerados pessoas sem direitos e sem
dignidade. Como as elites e seus representantes nos governos costumam tratar
hoje negros, indígenas, LGBT+, desempregados.
O que chama a atenção no
episódio de hoje é que o leproso descrito se aproxima de Jesus sem respeitar as
proibições impostas pela lei. Ele chega perto de Jesus e pede: “Se queres, tu
tens o poder de me purificar”. Essa aproximação é uma transgressão da lei que
demarca muito bem os limites da movimentação de um leproso. Ele deveria gritar
de longe, pedindo que ninguém se aproximasse, por ser considerado impuro. De
onde vem a confiança e a força que sustentam este leproso anônimo na sua
destemida transgressão?
Também causa-nos
surpresa a observação de que Jesus ficou muito irritado (algumas traduções
amenizam e falam que ele se compadeceu). Seguramente, Jesus não se irrita com o
leproso que a ele se dirige com tanta coragem e reverência, mas com a terrível
ideologia que carimbava o fardo da doença com a marca da impureza e da exclusão
religiosa. Ou então, porque sabe que aquele leproso já havia procurado os
sacerdotes para ser purificado e nada conseguira. Jesus se irrita porque sabe
que os leprosos são marginalizados e que, para serem purificados, devem
oferecer um sacrifício muito custoso.
O evangelista diz que Jesus
“estendeu a mão, tocou no doente e, respondendo à interpelação dele, disse: ‘Eu
quero, fique purificado!’ No mesmo instante a lepra desapareceu e o homem ficou
purificado.” Jesus não é indiferente à doença e à impureza que pesa sobre os
marginalizados! Ele se deixa tocar pela miséria deles e, ao mesmo tempo, os
purifica com seu toque solidário.
Declarando puro aquele leproso, Jesus desafia a lei e a autoridade
sacerdotal, e ocupa o lugar delas. Enviando o leproso ao templo, Jesus
reintroduz no mais sagrado dos espaços da cidade aquela criatura antes condenada
a viver à margem da cidadania.
Isso significa que o
leproso, agora transformado em cidadão, é enviado por Jesus ao templo para
testemunhar contra os sacerdotes, e assim participar da própria missão de
Jesus. Na verdade, tendo sido reinserido na sociedade que o excluía, ele não
vai ao templo, mas se transforma em apóstolo na praça pública: “Começou a
pregar muito e espalhar a notícia.” Aquele homem antes condenado aos lugares
remotos e desertos, volta ao seio da família e ao coração da cidade, e torna-se
testemunha e evangelizador.
Como consequência,
agora é Jesus que não pode mais entrar sossegado numa cidade. É como se a
impureza deixasse o leproso e passasse a Jesus. Com seu toque humanamente
divino, Jesus purifica o leproso e assume sua impureza, assume na sua própria
carne o pecado do mundo. O doente, antes excluído, se torna cidadão, enquanto
que Jesus experimenta a perseguição. Os lugares desertos e afastados das
cidades, porém, não são obstáculo para sua missão libertadora. “De todos os
lados as pessoas iam procurá-lo.” Jerusalém se esvazia, o templo fica estéril e
o povo procura Jesus no deserto! E Jesus continua sua missão de curar, de
desmascarar a ideologia discriminadora dos escribas.
Estende tua mão, Jesus de Nazaré, e toca as multidões
que jazem à beira da vida, jogadas em situações nas quais é quase impossível
sobreviver. Converte a mão da tua Igreja em mão acolhedora e benfazeja.
Ajuda-nos a ir além das cômodas mãos postas e a eliminar os incômodos dedos em
riste. Que a comunidade dos que acreditam em ti trabalhe sem tréguas pela tua
glória, que é a vida dos pobres, e não seja pedra de acusação ou de tropeço
para ninguém. Assim, como ensina São Paulo, os cristãos serão teus imitadores e
poderão ser imitados, pois não estarão buscando o que é vantajoso pare si
mesmos. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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