A fraternidade e o diálogo são desafios que brotam do amor!
Enquanto recebíamos um
punhado de cinza sobre a cabeça, escutávamos contritos e atentos a
interpelação: “Convertam-se e acreditem no Evangelho!” Exatamente nessa ordem:
primeiro, converter-se; depois, acreditar no Evangelho. A proposta e o caminho
aberto por Jesus são portadores de uma novidade tão radical que, para
acolhê-la, precisamos mudar nossos esquemas mentais. E o ponto de partida dessa
mudança é aquilo que Pedro anuncia: a Aliança que Deus selou conosco em Jesus
Cristo.
Marcos nos diz que,
logo depois do batismo no rio Jordão, onde faz a experiência de ser filho amado
do Pai e servo enviado aos irmãos e irmãs, Jesus é conduzido pelo Espírito ao
deserto. Seu batismo assinalou claramente um novo começo, mas, com sua retirada
para o deserto esse início parece ser adiado por um tempo. Na verdade, Jesus
apenas se retira do palco e se subtrai aos holofotes para aprofundar o sentido
da missão recebida no batismo. No deserto, ele é levado ao confronto consigo
mesmo e com as diversas possibilidades de viver sua condição de filho amado do
Pai e servo da humanidade.
Jesus faz a
experiência das tentações que costumam rondar todos aqueles/as que se comprometem
com o serviço a Deus e ao seu povo: a tentação das soluções miraculosas e
espetaculares (cf. Mc 8,11); a tentação do legalismo e do casuísmo para
beneficiar algumas pessoas (cf. Mc 10,2); a tentação de disputar o poder (cf.
Mc 12,15); a tentação de identificar a vontade de Deus com os próprios medos e
vontades (cf. Mc 14,32-38). As tentações no deserto recordam as que rondaram
Jesus em sua missão, vencidas no Espírito. A tentação de rotular a pandemia
como castigo de Jesus abusos morais de alguns, de negar a realidade, a
fatalidade e a letalidade da Covid-19, ou de aprovar políticas econômicas que,
empacotadas no investimento na vacinação do povo, comprometem o futuro do país,
precisam ser denunciadas, enfrentadas e vencidas.
Jesus foi ao deserto
para clarear o núcleo do Boa Notícia que anunciaria aos pobres. Foi um tempo
forte de discernimento e amadurecimento que, de alguma forma, estendeu-se por
toda a sua vida. Pois o amadurecimento costuma se oferecer na discrição, no silêncio
e na margem, longe da publicidade. E este é também o espírito da quaresma: sair
do centro das atenções, deixar de lado os papéis decorados, sair da periferia
de nós mesmos, penetrar no núcleo mais secreto do nosso ser, crescer na adesão
a Jesus.
O anúncio que Jesus
acolheu, aprofundou e reformulou no deserto não contém ameaças nem imposições.
É pura Boa Notícia! “O tempo de espera se cumpriu e o Reino de Deus está
próximo!” Aquilo que estava distante agora está próximo. É o tempo da graça do
Senhor, da assinatura de um novo pacto com seus filhos e filhas, qualquer que
seja sua pertença religiosa, política ou de gênero. Jejuamos, rezamos e fazemos
penitência para não passarmos ao largo nem relativizarmos a única coisa que
vale a pena.
E qual é este bem
precioso do qual não podemos abrir mão? É o novo céu e a nova terra, um país
sem miséria e sem corrupção, mas também sem injustiças nem desigualdades; uma
cultura que enfatiza a relações de respeito e valorização das diferentes
confissões cristãs, das diversas gerações, dos diferentes gêneros e grupos
sociais, da diversidade de criaturas. E isso mesmo quando nos parece impossível
não desconfiar daqueles que divulgam notícias falsas e, usando o nome de Jesus,
atiçam a intolerância e o ódio.
Jesus percorre
caminhos que o levam do rio Jordão ao deserto e, do deserto, à Galileia. São caminhos
que o afastam dos palcos e o aproximam da periferia. São estradas que o levam
ao encontro do povo cansado e abatido, para anunciar-lhe a Boa Notícia do Reino
de Deus, da renovação da aliança selada com Noé e com Moisés. Eis o rumo que
seus discípulos e discípulas precisamos seguir. É apenas um rumo, não uma
estrada bem sinalizada. Os caminhos concretos somos nós que devemos inventar,
na força do batismo e com uma consciência boa e reta, como nos diz São Pedro.
Fraternidade e diálogo são exigências e desafios do amor.
Jesus, voz que clama no deserto! Faz com que a oração
traga oxigênio à nossa fé e nos mantenha abertos às tuas promessas. Que a
partilha do pouco que temos com os que tem menos ainda seja semeadura de novas
relações. Que nossas celebrações e nossa oração pessoal nos mantenham numa
atitude vigilante e nos sustentem na necessária conversão. Que o cansaço ou a
pressa nos prendam aos velhos hábitos e nos novos muros, impedindo-nos de percorrer
os exigentes caminhos da comunhão e da paz na diversidade, pois o Evangelho da
graça é força de Deus que derruba os muros levantados pelo preconceito. Amém!
Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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