Escutemos o que Jesus nos diz: ‘Vocês são todos irmãos e irmãs’!
No domingo passado refletimos sobre a cena das tentações de Jesus e sobre
o modo como ele as vence. Informado da prisão de João Batista, ele percebe soou
para ele o tempo da missão. Então, sem medo de nada, deixou o deserto da
Judéia, voltou à Galileia e fez ecoar um anúncio marcado pela esperança e pela
urgência: “O templo se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos
e crede no Evangelho!” Este tempo maduro e esperado o impulsiona a mudar as
prioridades. Ele mesmo, acreditando na boa notícia que anuncia, reorganiza seu
projeto de vida.
Na liturgia do segundo domingo da quaresma encontramos Jesus no alto da
montanha, acompanhado de Pedro, Tiago e João. Para estes discípulos, que
testemunham sua transfiguração, essa é uma experiência inicialmente positiva.
Envolvido pelo brilho de Jesus, Pedro parece vencer o medo que envolve a todos.
Moisés e Elias lembram a presença de Deus nos momentos difíceis e desanimadores
da história do povo de Israel. Eles confirmam e dão credibilidade ao caminho e
ao ensino de Jesus. O evangelho da cruz, novo êxodo e proposta de amor que estabelece
a paz e muda a divisão em comunhão, continua valendo, mais do que nunca. Mas é
exatamente isso que mete medo nos três discípulos.
Acontece que, nesta
experiência densa e profunda, os discípulos são envolvidos primeiramente pela
luz, e, posteriormente, pela escuridão nebulosa. E é de dentro da nuvem –
símbolo da presença de Deus na quase interminável travessia da escravidão para
a liberdade, do servir-se para o servir – que eles ouvem a voz de Deus: “Este é
o meu Filho amado. Escutem o que ele diz”. Pedro, Tiago e João – e com eles
todos os que fomos batizados em Jesus Cristo – devem levar a sério o que Jesus
Cristo diz e faz, devem levar a sério a proposta evangélica de servir
solidariamente, de desaparecer como o fermento na massa. Aderir a Jesus sem
praticar o diálogo como compromisso de amor em vista de uma humanidade
reconciliada.
Escutar o que Jesus
Cristo diz significa, por um lado, não fugir diante do chamado a encontrar a
vida gastando-a pelos outros; não crer nos mitos que nos dizem que somos
superiores aos outros; não imaginar que o Reino de Deus cairá prontinho do céu;
não fingir que a intolerância e as divisões não nos importam. Por outro lado,
escutar Jesus implica em renunciar aos interesses egoístas e dedicar-se à
missão de levar todas as pessoas formarem uma só família, seguindo Jesus no
caminho da cruz; anunciar que somos todos irmãos e irmãs e sermos criativos e
efetivos na luta pela superação das divisões que ferem a humanidade. Nossa fé em Jesus Cristo e a escuta do que
ele diz nos proíbe de legitimar a violência contra a terra, os povos indígenas
e os negros, as mulheres e os migrantes, contra as pessoas homoafetivas e os
ativistas sociais com um discurso religioso reativo e fundamentalista, como
vemos hoje no Brasil (cf. Texto-Base, § 81).
O desejo expresso por Pedro é ambíguo e intrigante: “Mestre, é bom
estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra
para Elias”. Pedro fala sem saber o que diz, para ‘quebrar o gelo’ e espantar o
medo, e compartilha do pensamento de Judas sobre Jesus (cf. Mc 14,45)! As
roupas brancas de Jesus falam muito claramente de martírio, mas Pedro quer
evitar a todo custo esse caminho. Para a transformação e a humanização do
mundo, Pedro prefere o caminho do culto e da adoração, simbolizado na tenda, e
descarta a proposta do amor que se faz dom e enfrenta o próprio martírio.
Não podemos usar a cena da transfiguração para amenizar as exigências do
discipulado, substituindo o sangue pelas flores e a coroa de espinhos pelo
aplauso e o sucesso. Sabendo que os discípulos entendem mal ou pouco o que
veem, Jesus os proíbe severamente de falar da transfiguração. Esta mesma
proibição aparece depois da reabilitação da filha de Jairo (cf. Mc 5,43) e da
libertação do surdo-mudo (cf. Mc 7,36). Para Jesus, cultos espetaculares e
publicidade escancarada não são caminhos adequados para resgatar a humanidade
perdida e para viver a exigente missão de construir pontes em vez de muros.
Jesus Cristo, Mestre e
Servo da humanidade! Sustenta-nos enquanto dura a travessia desta vida e
acompanha-nos no diálogo como compromisso de amor. Ajuda-nos a sacrificar
nossas frágeis seguranças, impotentes para garantir a verdadeira salvação. Abre
nossos ouvidos à atenta escuta da tua boa e exigente notícia, e ajuda-nos a
traduzi-la em ações que constroem a fraternidade universal. Não permite que tua
Igreja se transforme numa tenda de bem-estar egoísta e transforma as estruturas
que nos dispensam ou impedem de vivermos como irmãos e irmãs. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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