quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

ANO B | TEMPO QUARESLMAL | SEGUNDO DOMINGO | 28.02.2021

Escutemos o que Jesus nos diz: ‘Vocês são todos irmãos e irmãs’!

No domingo passado refletimos sobre a cena das tentações de Jesus e sobre o modo como ele as vence. Informado da prisão de João Batista, ele percebe soou para ele o tempo da missão. Então, sem medo de nada, deixou o deserto da Judéia, voltou à Galileia e fez ecoar um anúncio marcado pela esperança e pela urgência: “O templo se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” Este tempo maduro e esperado o impulsiona a mudar as prioridades. Ele mesmo, acreditando na boa notícia que anuncia, reorganiza seu projeto de vida.

Na liturgia do segundo domingo da quaresma encontramos Jesus no alto da montanha, acompanhado de Pedro, Tiago e João. Para estes discípulos, que testemunham sua transfiguração, essa é uma experiência inicialmente positiva. Envolvido pelo brilho de Jesus, Pedro parece vencer o medo que envolve a todos. Moisés e Elias lembram a presença de Deus nos momentos difíceis e desanimadores da história do povo de Israel. Eles confirmam e dão credibilidade ao caminho e ao ensino de Jesus. O evangelho da cruz, novo êxodo e proposta de amor que estabelece a paz e muda a divisão em comunhão, continua valendo, mais do que nunca. Mas é exatamente isso que mete medo nos três discípulos.

Acontece que, nesta experiência densa e profunda, os discípulos são envolvidos primeiramente pela luz, e, posteriormente, pela escuridão nebulosa. E é de dentro da nuvem – símbolo da presença de Deus na quase interminável travessia da escravidão para a liberdade, do servir-se para o servir – que eles ouvem a voz de Deus: “Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz”. Pedro, Tiago e João – e com eles todos os que fomos batizados em Jesus Cristo – devem levar a sério o que Jesus Cristo diz e faz, devem levar a sério a proposta evangélica de servir solidariamente, de desaparecer como o fermento na massa. Aderir a Jesus sem praticar o diálogo como compromisso de amor em vista de uma humanidade reconciliada.

Escutar o que Jesus Cristo diz significa, por um lado, não fugir diante do chamado a encontrar a vida gastando-a pelos outros; não crer nos mitos que nos dizem que somos superiores aos outros; não imaginar que o Reino de Deus cairá prontinho do céu; não fingir que a intolerância e as divisões não nos importam. Por outro lado, escutar Jesus implica em renunciar aos interesses egoístas e dedicar-se à missão de levar todas as pessoas formarem uma só família, seguindo Jesus no caminho da cruz; anunciar que somos todos irmãos e irmãs e sermos criativos e efetivos na luta pela superação das divisões que ferem a humanidade. Nossa fé em Jesus Cristo e a escuta do que ele diz nos proíbe de legitimar a violência contra a terra, os povos indígenas e os negros, as mulheres e os migrantes, contra as pessoas homoafetivas e os ativistas sociais com um discurso religioso reativo e fundamentalista, como vemos hoje no Brasil (cf. Texto-Base, § 81).

O desejo expresso por Pedro é ambíguo e intrigante: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro fala sem saber o que diz, para ‘quebrar o gelo’ e espantar o medo, e compartilha do pensamento de Judas sobre Jesus (cf. Mc 14,45)! As roupas brancas de Jesus falam muito claramente de martírio, mas Pedro quer evitar a todo custo esse caminho. Para a transformação e a humanização do mundo, Pedro prefere o caminho do culto e da adoração, simbolizado na tenda, e descarta a proposta do amor que se faz dom e enfrenta o próprio martírio.

Não podemos usar a cena da transfiguração para amenizar as exigências do discipulado, substituindo o sangue pelas flores e a coroa de espinhos pelo aplauso e o sucesso. Sabendo que os discípulos entendem mal ou pouco o que veem, Jesus os proíbe severamente de falar da transfiguração. Esta mesma proibição aparece depois da reabilitação da filha de Jairo (cf. Mc 5,43) e da libertação do surdo-mudo (cf. Mc 7,36). Para Jesus, cultos espetaculares e publicidade escancarada não são caminhos adequados para resgatar a humanidade perdida e para viver a exigente missão de construir pontes em vez de muros.

Jesus Cristo, Mestre e Servo da humanidade! Sustenta-nos enquanto dura a travessia desta vida e acompanha-nos no diálogo como compromisso de amor. Ajuda-nos a sacrificar nossas frágeis seguranças, impotentes para garantir a verdadeira salvação. Abre nossos ouvidos à atenta escuta da tua boa e exigente notícia, e ajuda-nos a traduzi-la em ações que constroem a fraternidade universal. Não permite que tua Igreja se transforme numa tenda de bem-estar egoísta e transforma as estruturas que nos dispensam ou impedem de vivermos como irmãos e irmãs. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf

Livro do Gênesis 22,1-18 | Salmo 115 (116) | Carta de Paulo aos Romanos  8,31-34 |  Evangelho  de São  Marcos 9,2-10

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