Deus é mistério e força de comunhão, e cria tudo no amor.
A solenidade da
Santíssima Trindade nos convida a celebrar e refletir sobre o mistério do ser e
do agir de Deus. Todos alimentamos um pretensioso desejo de conhecer Deus e de
falar sobre ele, mas será que Deus estaria à nossa disposição, desprotegido
frente à nossa ânsia de dizer, manipular e dominar? Há quem fale de Deus como se soubesse tudo
sobre ele, mas que, na verdade, fala sobre seus próprios conceitos. A fala
compulsiva sobre Deus geralmente é uma defesa contra a verdadeira experiência
de Deus.
Chamamos arquétipos as
imagens e valores que mexem com o ser humano em sua profundidade. Essas imagens
são uma espécie de filtro pelo qual olhamos tudo e vemos a nós mesmos. Elas
ordenam ou confundem, escravizam ou libertam.
E Deus é um dos
arquétipos mais profundos e influentes da vida. Se temos uma imagem deformada de
Deus, acabamos deformando-nos e adoecendo. Se desconfiamos muito de nós mesmos,
acabamos imaginando um Deus observador e desconfiado, pronto a pedir provas e
julgar o ser humano.
A solenidade de hoje vem
nos recordar que a imagem correta de Deus não é a de um sujeito solitário,
absoluto, onipotente e onisciente, mas de comunhão no amor, de ser-para-os-outros, de abertura e
acolhida, de compaixão e dom de si. Deus é o arquétipo da perfeita comunhão,
uma comunhão na qual cada pessoa recebe tudo da outra e se faz dom radical e
incondicional aos outros. Esta comunhão na acolhida do outro e na doação
amorosa de si é também o DNA das criaturas. Misericórdia é a palavra que melhor expressa o mistério da Santíssima
Trindade, pois, do coração da Trindade, flui uma grande e incessante torrente
de misericórdia.
Nossa primeira atitude
diante do Mistério de Amor e Comunhão, que é a essência de Deus e das
criaturas, mais que o espanto reflexivo, é a adoração agradecida. “Glória ao
Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre, pelos
séculos dos séculos. Amém!” Adoração é a
resposta própria de quem se reconhece pequeno/a e impotente e, ao mesmo,
destinatário/a de um amor que o/a faz capaz, digno/a e grande. O divino
mistério de Comunhão e de Bondade nos põe de joelhos e nos leva a exclamar
“Glória!” É por isso que, diante de Jesus ressuscitado, os discípulos ajoelham-se
reverentes e obedientes.
Glorificar significa
honrar e fazer brilhar, e nós glorificamos a Deus porque ele mesmo nos glorifica,
dando-nos a condição de filhos e filhas, conferindo-nos um esplendor que nos
faz semelhantes a ele. Glorificamos a Deus quando desfazemos as imagens
deformadas que o identificam com um ditador onipotente, um juiz implacável, um
doutor onisciente ou um ser indiferente e sem coração, quando proclamamos, com
a boca e com a vida, sua misericórdia, sua compaixão e seu amor pela justiça e
pelo direito. “A glória de Deus é o ser humano vivo, e a vida do ser humano é a
comunhão com Deus”, ensina a quase 20 séculos Santo Irineu de Lyon.
A experiência mística
do amor de Deus nos compromete necessariamente com a missão de em tudo amar e
servir, de cuidar e defender as criaturas de Deus. “Vão e façam com que todos
os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês.” É uma
missão que se abre a todos os povos e desconhece fronteiras e muros que
dividem, uma missão enraizada e focalizada no amor. Fazer discípulos/as significa
acolher e congregar no amor aqueles/as que são diferentes, fazer-se próximo
daqueles/as que estão longe.
Jesus também nos envia
a batizar, pois o batismo sinaliza o discipulado e nele nos introduz, é a
assinatura de uma nova lealdade, não mais aos doutores da lei ou ao “capitão”,
mas ao Deus Uno e Trino, à Divina Comunhão, da qual a Eucaristia é sacramento e
celebração. No batismo, expressamos nossa feliz condição: somos filhos e filhas
do universo, irmãos e devedores às estrelas, à luz, ao ar e à terra, ao ar, à
luz, pois todos esses elementos habitam e cooperam em nós, e tudo está
interligado e relacionado, como ensina o Papa Francisco. Paulo sublinha essa
realidade quando diz que somos filhos/as e herdeiros/as de Deus em Jesus
Cristo. Não somos fragmentos isolados, mas filhos/as da comunhão que habita
todas as coisas!
Deus amável, Mistério de Comunhão sem limites, regaço
de onde partimos e pátria para onde caminhamos: envia teu Espírito para que, em
nós, ele grite e anuncie que és pai e mãe e nos ajude a proclamar que todas as pessoas
e demais criaturas são nossas irmãs. Amor paterno, materno e fraterno, abre o
nosso ser à ação do teu Espírito de comunhão, a fim de que ele nos transforme
em pessoas livres e solidárias, agentes da liberdade no mundo, anunciadoras e
criadoras da comunhão que associa todas as criaturas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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