Mais que tempo de espera, o advento é tempo
de mudanças!
A liturgia do segundo domingo do Advento nos convida a olhar para as
experiências dos nossos antepassados e celebrá-las como nossas, em vista de uma
escuta atenta e responsável: “Preparem o caminho! Endireitem suas estradas!”
Nossa atenção é requisitada pelo presente, e exclamamos: “Que Javé mude a nossa
sorte, como as torrentes do Negueb!” A profética convicção de que o lobo e o
cordeiro pastarão juntos nos convoca a práticas concretas de mudança, a fim de
que as pessoas humilhadas sejam elevadas.
O profeta Baruc atua num tempo difícil. O povo hebreu vive disperso em
meio a uma cultura hostil. A capital e seu suntuoso templo são um monte de
escombros. A nação não existe mais. É um tempo de luto e de lamentação, sem
esperanças, como o é hoje para os refugiados da fome na África e das guerras no
Oriente Médio, e para as milhares de família enlutadas pelas vítimas da
Covid-19. Neste contexto, as palavras do profeta soam quase como um delírio:
“Jerusalém, tire a roupa de luto e aflição e vista para sempre o esplendor da
glória que vem de Deus. Vista o manto da justiça de Deus e a coroa gloriosa do
Eterno...”
Mas os tempos sombrios e desoladores escondem no próprio ventre sementes
que pedem para germinar e transformar os desertos em jardins. A gestação da
nova humanidade e da nova criação é compromisso firmado pelo próprio Deus, e
começa com o reconhecimento da nossa responsabilidade pelos males que agridem
suas amadas criaturas. É o próprio Deus que nos anima, orienta e sustenta. Ele
nos batiza com novos nomes e nos convoca a escalar os muros, olhar em todas as
direções e reconhecer um povo novo que vai sendo reunido com gente que vem de
todos os lados, dos porões e periferias mais esquecidos e invisíveis.
Isso significa que está em curso um amplo, profundo e misterioso
processo de gestação e de mudança, de dispersão dos orgulhosos e de libertação
dos humilhados. O que precisamos é assumir este frágil e misterioso processo e
cuidar dele como a mãe cuida do seu bebê, que depende dela mas não é sua
propriedade. Importa ajudar Deus na tarefa de rebaixar colinas e aterrar vales,
de aplainar o chão para facilitar seu crescimento e sua caminhada. E aqui
podemos entender a relevância da atividade e das palavras proféticas de João
Batista...
O profeta do Jordão sabe que é apenas o precursor de Algo melhor
e de Alguém maior que ele. Sua missão transcorre num tempo em
que coexistem e se articulam os poderosos da Judéia, de Roma e do Templo. João
rompe com Jerusalém, capital da terra prometida que acabara se tornando centro
de opressão, e se retira para o deserto, lugar da impotência, da resistência e da
transformação profunda. É esta radicalidade profética que o faz grande, maior
que os maiorais do seu tempo. Convicto de que o tempo estava maduro para
mudanças profundas e amplas, João convoca seu povo a arregaçar as mangas:
“Preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas!”
Para João, a preparação deste caminho começa pela ação de endireitar as
sinuosas curvas construídas pelos doutores da lei. Estas curvas dificultam ou
impedem aos mais pobres e humildes o acesso à salvação, ao reconhecimento da
sua humana dignidade e dos seus direitos mais elementares. Ele afirma que
Deus está comprometido neste trabalho e faz a sua parte: aterra os vales,
aplaina as colinas, endireita as curvas e tapa os buracos. Ou seja: vê a humilhação
do seu povo, estende sua misericórdia a todas as gerações, derruba os poderosos
e eleva os humildes (cf. Lc 1,48-55).
Horizontes amplos e utopias de grande alcance são importantes. É
absolutamente necessário perceber que o universo inteiro aspira e conspira para
que a vida seja possível e abundante. Afastando-se de nós na mesma medida em
que delas nos aproximamos, as utopias cumprem o papel essencial de nos manterem
na caminhada e no rumo certo. Mas elas também nos chamam à conversão, a
mudanças profundas e concretas. Esta conversão começa com mudanças em nosso
modo de ver a vida, mas precisa também ser traduzida em práticas concretas e
cotidianas no âmbito pessoal, familiar, comunitário e societário.
Deus querido, pai e mãe que elevas os filhos humilhados: ajuda-nos e
acolher e viver o espírito do Advento, melhorando nosso viver. Que nossa fé e
nosso amor cresçam e amadureçam em concretude e perspicácia. Que tuas Igrejas se
mais a abrir portas e janelas que a erguer muros; mais a elevar as pessoas humilhadas
que a construir torres; mais a abrir caminhos de encontro que a elaborar e
impor doutrinas que produzem desencontros. E assim estaremos preparando entre
nós um lugar para o teu Filho. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Baruc 5,1-9 | Salmo 125 (126) | Carta de Paulo aos Filipenses 1,4-11 | Evangelho segundo Lucas (3,1-6)
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