A aliança de amor na igualdade e no respeito é a base da família.
No dia em que festejamos a família de Jesus não podemos ceder à piedosa
tentação de imaginar uma família alheia à realidade histórica dos seres humanos
normais. Do ponto de vista sociológico, a Sagrada Família é uma família judia
tão normal que sequer despertou a atenção dos vizinhos e da sinagoga, a não ser
depois do evento pascal de Jesus. A família de Nazaré viveu os valores humanos
e religiosos de uma família crente, frequentando a sinagoga, meditando a
Palavra dos profetas e a Lei, peregrinando ao Templo, celebrando a liturgia
doméstica, esperando a vinda do Messias, lutando para sobreviver.
É isso que vemos no evangelho de hoje. Maria e José levam Jesus adolescente
a Jerusalém e, como família e com o povo todo, participam da festa que recorda
e atualiza a superação da escravidão e a constituição de um povo solidário e
livre. É uma família a mais em meio à caravana de romeiros! Mas nessa
peregrinação, José e Maria descobrem que precisam superar o simples e
costumeiro cumprimento das tradições, assim como o estreito limite da
convivência e da educação familiar. Eles precisam, mesmo sem entender tudo,
ajudar o filho a crescer na sua vocação e missão, a se dedicar ao Reino de
Deus, às coisas do seu e nosso Pai.
Unidos pelos laços de um amor profundamente humano, e dentro do
horizonte das tradições do seu povo, José e Maria avançam no escuro da fé. Como
Abraão, eles se lançam na estrada da fé sem saber onde chegarão. Também eles ousam
acreditar, e isso lhes é creditado como justiça. Tiveram que se abrir sempre
mais à novidade que Deus manifestava através do filho que lhes fora confiado. E
os evangelhos fazem questão de sublinhar que Nazaré é o lugar onde Jesus
cresce, se fortalece e adquire sabedoria. José e Maria educam o filho longe do
ambiente glorioso e sedutor do templo, próximo do povo cansado e abandonado.
Para a Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar a esperança
cultivada pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé”. Significou
também não se afastar das raízes populares, do vínculo com os pobres, assumir
resolutamente o caminho que leva à periferia e privilegiar a encarnação no
cotidiano que tece a vida normal de todas as pessoas. Jesus absorve a seiva das
esperanças do seu povo a partir da periferia social e religiosa. Eis aqui uma
perspectiva que as famílias discípulas missionárias de Jesus jamais podem
abandonar!
O Papa Francisco ensina (cf. Amoris Laetitia 65-66) que a
encarnação do Verbo de Deus numa família humana comove a nós e ao mundo
inteiro. E diz que, para compreender o que isso significa, precisamos mergulhar
no mistério do nascimento e da infância de Jesus, mas também nos trinta longos
anos nos quais ganhou o pão com o próprio trabalho, assimilando e praticando as
tradições religiosas populares, formando-se na fé que recebeu dos pais até
fazê-la desabrochar e frutificar no mistério do Reino de Deus. Vida em família
é aprendizado recíproco e permanente, encarnação da fé nas relações da vida
cotidiana.
Para o Papa Francisco, o que constitui e sustenta a família cristã é a
aliança de amor e fidelidade. Vivendo esta aliança no horizonte cultural do
povo ao qual pertence e do Reino de Deus, a Sagrada Família ilumina e
concretiza o princípio que dá forma às famílias, e as ajuda a enfrentar
criativamente as dificuldades da vida e da história. É sobre esse fundamento –
aliança e fidelidade no amor – que as famílias, mesmo com suas feridas e
fragilidades, podem tornar-se luzes na escuridão do mundo escuro e frio. Sem
isso, mesmo que cumpram as leis e mantenham as aparências, as famílias serão
realidades vazias, como um sino que bate.
É também a convicção de Paulo e da comunidade cristã que o amor é o
vínculo da perfeição da vida cristã e da família. É no amor que as esposas
podem ser solícitas aos seus respectivos maridos, e estes deixam de ser
grosseiros com elas. É o amor que abre possibilidades para que a obediência dos
filhos aos pais não atente contra a liberdade e a dignidade de ninguém, e que
os pais jamais intimidem os filhos, mas os animem a caminhar rumo à maturidade
solidária. É assim que nos revestimos de sincera misericórdia, bondade,
humildade e mansidão, e tornamo-nos suportes uns para os outros.
Sagrada Família de Nazaré, nós te acolhemos como proposta de encarnação
e de crescimento, como manifestação do dom de Deus e resposta humana e generosa
a este dom, como busca comum da vontade de Deus, como apelo à hospitalidade e
ao amor recíproco e à construção incansável da única família do Pai. Ajuda e
inspira nossas famílias a serem escolas da comunhão e de solidariedade que
ultrapassam os laços de sangue e de fé, ensaios fugazes mas verdadeiros do
Reino de Deus, no qual espelhaste tua vida. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário