Uma Igreja
que segue Jesus sempre será profética!
Quem acolhe e
escuta a Palavra sente a voz de Deus queimar como brasa, e não consegue ficar
indiferente diante das mentiras e disfarces que encobrem tragédias previsíveis
e culpáveis, nem das práticas de exploração e discriminação. O próprio Jesus
confirma isso: depois de ler e acolher a palavra do profeta Isaías, se propõe a
cumpri-la fielmente, esquecendo-se dos próprios parentes e compatriotas e
priorizando as pessoas mais pobres necessitadas. Rompendo com as expectativas
do seu povo e da sua família, Jesus terá que enfrentar a oposição e a
perseguição.
A Igreja é
uma comunidade profética, sacerdotal e de serviço à vida. Mas ninguém é
instituído profeta, nem aprende este ofício num seminário ou numa universidade.
A profecia é dom do Espírito, dom que recebemos com temor e tremor. Ela se
desenvolve no ventre de uma comunidade que se coloca à escuta da Palavra de
Deus, pungente no clamor de todas as vítimas. Quem não se fecha à voz de um
Deus que fala e interpela, sente a Palavra queimar suas entranhas e não
consegue viver indiferente à causa de Deus, que é a causa dos pobres, das
vítimas, dos excluídos.
Uma
comunidade que ouve e medita a Palavra acaba também amadurecendo no serviço à
Boa Notícia de Deus. Vemos isto na experiência de Jeremias. Ele tem a sensação
de que a Palavra que o chama é anterior ao seu próprio nascimento. “Antes de
formar-te no seio de tua mãe, eu já contava contigo. Antes de saíres do ventre,
eu te consagrei e fiz de ti profeta para as nações”. É isso que percebemos
também no próprio itinerário de Jesus: depois de ler e acolher a Palavra do
profeta Isaías na sinagoga de Nazaré, ele conecta para sempre sua vida à causa
dos oprimidos.
Um olhar
atento aos evangelhos nos leva a perceber como, por causa de seu radicalismo
profético, Jesus foi experimentando uma progressiva marginalização. Houve um
momento em que sua fama se espalhava por toda a região e todos o elogiavam.
Enquanto lia as escrituras, todos tinham os olhos fixos nele e estavam
maravilhados com as palavras cheias de graça que saíam da sua boca. Mas o
entusiasmo logo se transformou em fúria e desejo de eliminá-lo, quando ousou
questionar o privilégio dos judeus em relação aos pagãos. E nisso
Elias e Eliseu lhe serviram de paradigma.
No passado,
Elias privilegiara uma viúva menosprezada porque era estrangeira, e Eliseu
curara um pagão, que os judeus situavam abaixo dos cães. Jesus defendeu
ardorosamente a dignidade das mulheres, dos pecadores, dos pobres, dos doentes,
dos migrantes e estrangeiros. Esse é o caminho da profecia, que no Brasil de
hoje passa pela defesa do território dos indígenas e quilombolas, pela
reivindicação de políticas públicas em favor dos pobres, pela defesa da vacinação,
pela denúncia da ação criminosa das mineradoras que devastam o ambiente.
Mas a
profecia tem seu preço, e tanto a pessoa como a instituição que a vivem devem
estar dispostas a pagá-lo. Jesus recorre a um provérbio que diz que nenhum
profeta é bem recebido em sua própria terra, pois a expectativa é que ele atue
em benefício dos seus pares. Mas este é apenas um lado da medalha. O outro lado
é este: nenhum profeta que sente a compaixão de Deus queimar suas entranhas
consegue permanecer preso aos estreitos muros da raça, da nação, da religião ou
da família. O profeta é um incansável transgressor de fronteiras, um incurável
abridor de brechas.
Escrevendo
aos cristãos de Corinto, Paulo chama a atenção para a centralidade do amor e a
relatividade de todas as funções e instituições. Se a profecia deslizar para o
discurso enraivecido e acusatório, será pouco mais que nada. O que dá
consistência e verdade à profecia é o amor, este dinamismo que reconhece a
dignidade do outro e o serve em suas necessidades. A profecia que brota do
amor, orienta-se pelo amor e conduz a um amor que não reconhece fronteiras nem
méritos. E o amor está acima de todo conhecimento e instituições, e até acima
da fé.
Jesus de Nazaré, profeta
de um mundo sem fronteiras, amigo dos oprimidos e das vítimas! Abre nossos
ouvidos à tua Palavra. Suscita em nós uma resposta engajada. Ajuda-nos a assumir
a missão profética que nos confiaste ainda no seio materno, apesar das nossas
fraquezas. Abre nossos olhos e nossas mãos ao amplo e criativo trabalho de
construir outro mundo, um mundo que desconhece e os estreitos muros das
culturas, nações e religiões. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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