Os mitos
acabaram, mas há quem se recuse a admiti-lo!
O batismo de
Jesus marcou o amadurecimento da sua consciência messiânica e o início da
missão de libertar as pessoas e povos oprimidos. Então, ele deixou a Judéia e
voltou para a sua região periférica e, em Caná, na Galileia, realizou aquele
que, segundo o evangelista João, foi o primeiro sinal da chegada do Reino de
Deus: a transformação da tristeza em festa, da água em vinho bom e abundante. Lá
Jesus mostra que Deus se importa com as necessidades do seu povo e faz com ele
uma aliança definitiva, e o vinho expressa a alegria dos novos tempos que se
iniciam.
É tempo de
perceber e de dizer com clareza e coragem que o modelo de vida propagandeado
pelo capitalismo ocidental fracassou, que o vinho acabou no meio da festa, que
as talhas de pedra estão pesadas e vazias. Precisamos buscar novos caminhos,
inventar novas regras, sonhar novos mundos. É necessário também superar a tentação
de buscar a saída para trás, de ressuscitar autoritarismos mortos e embalsamados.
É tempo de abrir os ouvidos às vozes que há tempo vêm denunciando: ‘Eles não
têm mais vinho...’
A saída não é
fazer aquilo que o mercado está ditando ou aquilo que a cultura ocidental
ensina há séculos. Não basta obedecer às vozes que mandam ‘faça alguma coisa!’
ou anunciam genericamente mudar “tudo isso daí”. Não basta manter a receita que
produziu a tragédia. Por mais atraentes que sejam, as propostas que pedem armas
e austeridade não trazem a marca do Reino! É preciso descobrir a orientação
correta e fazer a coisa certa. E aqui entra de novo aquela lucidez que só o
feminino resistente e ousado consegue preservar: ‘Façam o que Ele mandar!’
Eis a
indicação: acolher a Palavra e seguir o caminho aberto por Jesus. E Ele começa
pedindo que mudemos o rumo da nossa vida. As talhas velhas e pesadas não têm
mais o que fazer com a purificação, até porque Deus não está interessado nestes
ritos. Entre Deus e seus filhos e filhas não existe um muro alto e sólido, como
quis o ‘imperador do norte’. Deus ama, e nada pode aproximar-nos dele a não ser
a prática do amor. E para evitar sobrecargas, ele mesmo toma a iniciativa e nos
assume como parceiros numa aliança indestrutível. E pede que façamos algo.
Como a
Nicodemos, Jesus nos diz que precisamos nascer de novo, e isso supõe
desaprender. Como à mulher samaritana, ele nos pede adoração em espírito e
verdade, e isso significa derrubar os muros que separam povos e religiões. Como
ao jovem André, ele pede que partilhemos os pães e peixes, para que as
multidões tenham o alimento que necessitam e a dignidade inviolável. Aos
canonistas e legalistas ele pede que acolham os pecadores e só atirem pedras
quando e se eles mesmos não tiverem pecado. A todos ele ordena: ‘Amem-se uns
aos outros como eu amei vocês.’
Aderir a Jesus
Cristo é entrar num caminho de permanente transformação. É verdade que existem aqueles
que, mesmo tendo provado a qualidade do vinho novo, não se dão conta da sua
origem, e simplesmente continuam a cínica festa de uns poucos. Não percebem que
a lei divide e exclui, que a aliança com os poderes é estéril e caduca, que a
repetição de práticas de piedade não é suficiente, que mudar o rótulo e
embelezar o pacote não muda o conteúdo da fé. Pobres mestres-salas, que
estranham a transformação da água em vinho mas decidem que tudo deve continuar
como antes.
Paulo nos
convida a celebrar a novidade e a diversidade desde sempre desejadas por Deus:
diversidade de dons e serviços, de pessoas e funções, de Igrejas e culturas...
Essa diversidade faz parte dos tempos da abundância, inaugurados por Jesus
Cristo e expandidos pelo Espírito Santo. As capacidades são diferentes, mas o
Espírito é o mesmo. Os serviços são diversos, mas o Senhor é o mesmo. As ações
são múltiplas, mas o sujeito da atividade é sempre o mesmo Deus. O que ninguém
pode esquecer é que todos somos chamados trabalhar para que a ninguém falte o
vinho...
Jesus de Nazaré,
conviva atento na festa de Caná, presença desejada em todas as festas da vida!
Ajuda-nos a perceber a diferença entre escutar tua Palavra e apostar nas leis e
sistemas que discriminam. Dá-nos sabedoria para reconhecer os diferentes dons e
iniciativas que procedem do mesmo espírito. E ajuda as nossas comunidades a
aprenderem de Maria a fazer tudo aquilo que Jesus pede, e não apenas aquilo que
mais as agrada ou parece que convém. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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