Que a Boa
Notícia do Reino de Deus vença tantas más notícias!
Depois do
batismo, conduzido pelo Espírito, Jesus vai ao deserto para enfrentar e vencer
as tentações, deixa o deserto e se se insere nas tradições e lutas do seu povo.
Ele inicia sua vida pública nos povoados e sinagogas da Galileia. “Ele ensinava
nas sinagogas e todos o elogiavam.” Sua ação é como de um mestre e reformador
eloquente e experimentado. Mas ele não pretende simplesmente negar as
instituições da sua religião e começar tudo de novo.
Jesus frequenta
habitualmente a sinagoga. O evangelista Lucas diz que este era um costume de
Jesus. Isso revela em Jesus uma atitude de discípulo. Como qualquer pessoa que
se põe nos caminhos de Deus, Jesus busca um horizonte e uma referência para sua
vida e sua missão. Sedento de utopias humanas e faminto das promessas de Deus,
ele busca orientação na Palavra de Deus. Num sábado, em meio ao povo reunido, procura
e encontra a passagem na qual o profeta Isaías tenta suscitar a esperança num
povo radicalmente desesperançado.
Como Esdras
fizera no passado, Jesus lê a palavra que Deus suscitara mediante o profeta
Isaías. Mas a lê também para si mesmo, buscando uma orientação para melhor
entender sua missão. “Anunciar a Boa Notícia aos pobres; para proclamar a
libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; libertar os
oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor.” O Espírito e a Palavra
enviam seus ungidos a uma missão historicamente engajada e relevante, sempre em
favor dos últimos. Estes
não são indiferentes ou estranhos ao povo de Deus.
Não resisto à tentação
de comparar o discurso inaugural de Jesus com o discurso de campanha daquele
que, com o nome de Messias, há três anos senta na cadeira da presidência da
república do Brasil. Imaginem Jesus anunciando que veio para que todos possam
ter sua arma, para impedir que os indígenas tenham sequer um centímetro de terra
demarcada, para matar os 30 mil que a ditadura não matou, para que os últimos
continuem no fim da fila... O que me parece inacreditável é que esse senhor diz
agir guiado por sua fé, e é incensado por multidões que se dizem cristãos!
Jesus cumpriu
sua missão num tempo em que a gratuidade não estava em alta. Os invasores
romanos exigiam tributos, mesmo às custas da miséria do povo, e os sacerdotes
cobravam a reparação ritual até das picuinhas. Para o judaísmo, pobres, presos,
cegos e oprimidos eram pecadores e, por isso, devedores. Para os líderes
religiosos, os pecados e impurezas do povo deveriam ser pagos sem descontos. A
pregação do perdão pelo arrependimento era coisa muito recente e suspeita,
sustentada pelo profeta que batizava nas margens do rio, e poucos outros.
Jesus vai à
Sinagoga para resgatar uma esperança enraizada na própria escritura e para
questionar a pregação oficial. Ele entende que sua missão é anunciar que chegou
o tempo do jubileu, do cancelamento das dívidas, da remissão de todos os
pecados, um tempo de misericórdia, e não de sacrifícios. Para Jesus, Deus não é
nem delegado de polícia, nem capitão do exército. Seu anúncio é um Evangelho,
literalmente, uma boa notícia. Por isso, não pode ser reduzido a uma pesada e
sofisticada doutrina moral, imposta a um povo já cansado e abatido.
A ‘homilia’ que
Jesus fez sobre a profecia que leu foi breve e concreta. “Hoje se cumpriu esta
passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir.” A comunidade, suspensa
diante da proclamação da Palavra e com os olhos fixos em Jesus, foi por ele
chamada ao presente concreto. Como ouvinte habitual da Palavra de Deus, Jesus
percebe que o tempo está maduro, e que Deus se dirige a ele. O filho amado é
também o profeta e reformador esperado. Quando a profecia não se realiza no
engajamento nas lutas e movimentos de libertação, é apenas meia-palavra.
Jesus de Nazaré, ouvinte
da Palavra do pai e Palavra que se faz carne para que toda carne se torne
Palavra: ensina-nos a levar sério o teu Evangelho. Com Paulo, teu apaixonado
missionário, descobrimos que teu corpo é formado de muitos e diversos membros,
unificados por teu Espírito. Ajuda-nos a reconhecer nos pobres membros que
precisam ouvir boas notícias; nos oprimidos, membros que necessitam da tua
liberdade; nas pessoas dependentes e endividadas, gente que tem o direito à
gratuidade. E que as sementes do Evangelho germinem em nós. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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