A notícia dessa noite é boa, verdadeira e
para todas/as!
Estamos quase acostumados
com meias verdades e mentiras. Elas imperam nos comerciais, predominam nas
campanhas políticas, germinam no interior das famílias, contaminam as religiões
e igrejas. Batem à nossa porta e entram em nossa intimidade com nomes que
disfarçam: publicidade, programas, segredo, subjetividade, promessa divina.
Recebem o nome “civilizado” de narrativas, ou de fake news. Será que o
nascimento não faz parte desse conjunto de coisas?
Naquele
tempo, quando Quirino governava,
César Augusto decretou em Roma uma medida que mexeu com a vida do povo de
Israel. A canga da opressão política, econômica e religiosa vergava o pescoço
dos pobres; a prepotência dos fiscais se superava a cada dia na forma e na
intensidade; as tropas de soldados, com suas botas ruidosas e suas fardas
ensanguentadas, desfilavam para assustar o povo da roça e da cidade; e o povo
vivia como os pastores, obrigados a trabalhos noturnos e acossados
permanentemente pelo medo de tudo e de todos.
Em
nosso tempo, sentimo-nos encurralados
pelos discursos agressivos e ameaçadores de grupos saudosos do escravagismo,
apaixonados pela tortura, casadas com a violência e amantes das fardas
verde-oliva. Estas elites, mancomunadas com a imprensa mercantilista, não
aceitam que o povo tenha rejeitado um projeto de segregação social, de
limitação de direitos, de ódio aos indígenas e imigrantes, de intolerância com
o pensamento divergente, de segurança jurídica para os capitalistas às custas
da insegurança dos trabalhadores. Também hoje a noite é escura.
A escuridão tenebrosa dessa
noite assusta e abate, a mentira repetida toma feições e cores de verdade, a
intolerância e a violência rondam nosso pensamento e nos tentam como saídas
viáveis e desejáveis. Mas a memória do nascimento de Jesus em Belém, da sua
pregação na Galileia, da sua ação livre, destemida e libertadora no caminho a
Jerusalém, da ousada firmeza diante dos podres poderes, abre nossos olhos,
enxuga nossas lágrimas, põe fogo nas cangas ideológicas que nos cegam e nas
botas e fardas manchadas de sangue. Damo-nos as mãos e cantamos, desafiando a
noite.
A alegria suscitada pela
encarnação de Deus não é fake news, nem uma entre as outras alegrias que
experimentamos, não se equipara à que sentimos quando adquirimos um bem
desejado, recebemos a visita esperada, conseguimos a vitória nas urnas ou no
campo. É uma alegria intensa, profunda e imensa, inexplicável. Ela vem da
certeza de que na fragilidade de uma criança a justiça que e a paz que
aspiramos se entrelaçam e completam; que a luz do Evangelho ilumina e elimina
as trevas e abre caminhos, evidenciando a irmandade universal; que o mundo
imundo não é eterno.
A celebração do Natal
suscita essa alegria porque, em Jesus, a graça de Deus se manifesta e confirma
a dignidade e o valor das pessoas excluídas da lista dos meritórios “homens de
bem”. O Natal suscita esperança porque revela que a força da mudança mora em
nós, em nossa capacidade de viver com piedade, equilíbrio e justiça. Assumindo
nossa fragilidade, Deus se mostra forte e nos fortalece. Enfrentando
incansavelmente os opressores, ele se mostra príncipe da paz. Armando sua tenda
na escuridão, ele se faz nossa luz.
Os pastores são os
primeiros a receber a notícia, a ver e a tocar esse mistério inefável, a
experimentar a alegria que exorciza o medo. Mas eles não são os únicos! Essa
alegria, suscitada pela esperança, cuja realização embrionária nos espera nas
grotas do mundo, é para todo o povo, para todos os que “jazem nas sombras da
morte”. As praças iluminadas e os shoppings sedutores
não conseguem produzi-la, nem o cinismo dos que sequestraram o verde e o
amarelo conseguirá suprimi-la. Ela brota do abraço entre a paz e a justiça, da
união esperançosa de todas as vítimas!
Deus amável, abraço da misericórdia e da
justiça, comunhão incondicional e sem limites, encontro reconciliador entre a
divindade e a humanidade! No mistério dessa noite fazes resplandecer a notícia
boa e verdadeira, e nela entendemos que não queres habitar as alturas
inacessíveis, e fazes de nós tua morada definitiva. Que tua encarnação nos faça
menos medrosos/as e mais alegres, menos resignados/as e mais lutadores/as,
menos indivíduos e mais comunidade, mais proféticos/as que piedosos/as, espaços
e sementeiras de verdade, de justiça e de paz. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 9,1-6 | Salmo 95 (96) | Carta de São Paulo a Tito 2,11-14 | Evangelho segundo Lucas (2,1-14)
Um comentário:
Li e reli. Parabens. Boas Festas.
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