segunda-feira, 19 de agosto de 2024

O verdadeiro discípulo de Jesus faz-se dom e não cobra créditos

O verdadeiro discípulo de Jesus faz-se dom e não cobra créditos | 447 | 20.08.24 | Mateus 19,23-30

Ontem meditamos o instigante episódio do jovem religioso e rico que se candidatou a discípulo de Jesus. Diante da exigência de distribuir os bens aos pobres e se colocar a caminho com os demais discípulos, ele voltou atrás, e preferiu ficar com os bens a seguir Jesus. Na verdade, os bens o possuíam e impediam de ser livre para.

A atitude desse jovem leva Jesus a sublinhar que o apego aos bens e a alguns vínculos que aparentemente dão segurança são entraves à adesão ao Reino de Deus. A metáfora da agulha e do camelo não deixa dúvidas: que uma pessoa rica aceite o desafio do Reino de Deus não é apenas difícil, mas impossível, a menos que se desapegue e corrija suas práticas injustas para acumular bens e os partilhe com os pobres, os verdadeiros “proprietários” daquilo que nos sobra.

Os discípulos ficam assustados com esta afirmação de Jesus. Eles bebem da ideologia religiosa que considera a riqueza um sinal da benção divina, e os ricos, já socialmente privilegiados, como muito amados e favorecidos por Deus. Por isso, pensam que se os ricos não se salvam (não entram no Reino, não são perfeitos) ninguém poderá se salvar. Mas Jesus crê que a fé sincera pode produzir mudanças: quem descobre o valor do Reino, arrisca tudo, como aquele trabalhador que vendeu tudo para comprar o campo, ou aquele negociante, que faz o mesmo pela pérola preciosa.

Então Pedro, em nome dos demais discípulos, observa que eles, diferentemente daquele jovem, deixaram tudo e estão seguindo Jesus. De fato, deixaram a família e os contratos de trabalho de pesca, e entraram no caminho da busca do Reino, embora não tenham distribuído os bens aos pobres. Eles perguntam que benefício terão, pois acham que merecem. Por isso, podemos dizer que Pedro se mune de coragem e, em nome dos colegas, cobra a conta de Jesus.

Jesus responde acenando para o futuro, quando o Reino de Deus será plenamente realizado. Então aqueles que hoje são colocados em último lugar serão reconhecidos em sua dignidade e grandeza, terão influência e atrairão outros por seu testemunho de vida. Mas sem seguimento radical de Jesus, os que hoje são badalados podem se ver no último lugar, como uma simples nota de rodapé no livro da história.

 

Meditação:

·    Há algo que ainda amarra você e o impede de entregar-se à aventura de criar novos céus e nova terra, sem regatear nada?

·    Em que medida você também participa da ideologia que considera os estudados, ricos e poderosos como abençoados por Deus e os pobres e frágeis como culpados ou punidos por Deus?

·    Qual é o obstáculo faz com que a vida dos cristãos não tenha hoje grande poder de influência e exerça pouca atração?

·    Você já ouviu sermões que tentam amenizar a metáfora do camelo e da agulha, fazendo possível conjugar o apego aos bens com a fé em Jesus?

domingo, 18 de agosto de 2024

Para ser bom e justo, não basta cumprir os mandamentos!

Para ser bom e justo, não basta cumprir os mandamentos! | 446 | 19.08.24 | Mateus 19,16-22

Nos últimos dias, estamos meditando trechos do Evangelho nos quais Jesus nos apresenta o dinamismo inovador, transformador e provocador do reino de Deus nos diversos campos das relações humanas: nas relações entre as classes sociais, nas relações no interior das famílias, nas relações entre homem e mulher, na relação com Deus e a religião, etc. Hoje, o foco é a relação do discípulo com os bens.

Ao que parece, o jovem que aparece buscando Jesus faz parte da elite religiosa e econômica de Israel. Ele tem muitos bens e, conforme o que ele mesmo afirma, pratica fielmente os mandamentos, e isso desde a mais tenra juventude. Está preocupado com a felicidade individual, trata Jesus como os mestres da lei o tratavam, mas parece estar no caminho certo e bem-intencionado. Ele pergunta a Jesus o que deve fazer de bom, ou como ser bom.

Este jovem busca um caminho seguro para “possuir” a vida eterna, e não para “deixar-se possuir” e conduzir por Deus e seu Reino. Vida eterna equivale a perfeição ou justiça, a ser salvo, a entrar no Reino de Deus. Jesus responde a ele sublinhando que não há nada (coisa) de bom, mas apenas Alguém que é bom, e faz uma referência indireta ao que o profeta Miquéias já havia dito (respeitar o direito, amar a felicidade e caminhar humildemente com Deus: cf. 6,8) e aos mandamentos, enfatizando as relações justa e equitativas com os irmãos.

Sem dar ouvidos à afirmação de Jesus, o jovem demonstra que se considera bom e perfeito, escondendo que os muitos bens que possui poderiam ser resultado de exploração e roubo. Mas, para Jesus, a prática dos mandamentos não é suficiente para ser bom, e faz o jovem dar-se conta que lhe falta a justiça e solidariedade com os pobres. Trata-se do amor que leva à partilha e à restituição daquilo que por direito pertence aos necessitados, condição essencial para seguir Jesus.

O jovem não está disposto a fazer isso, nem a caminhar com os demais discípulos. Ele é possuído pelos bens que pensa possuir, não é livre, não é bom, não ousa iniciar um caminho de despojamento e conversão. Na verdade, ele não é capaz de considerar o reino de Deus como seu único tesouro. A riqueza o sufocou, como os espinheiros sufocaram parte da semente (cf. Mt 13,22). E isso ressoa como advertência quando caímos na tentação de considerarmo-nos juntos e bons. Conversão, justiça, comunhão e alegria no cristão é missão de cada dia!

 

Meditação:

·    Com que intenções você procura Jesus e a vida cristã? O desejo de perfeição, de renovação total e profunda é o que move você?

·    Como você se avalia em relação aos preceitos da Igreja? Você os considera suficiente para ser bom, e se acha bom praticante?

·    O que ainda impede você de entregar-se na aventura de criar novos céus e nova terra, com Jesus e todos aqueles que o seguem?

sábado, 17 de agosto de 2024

Maria que Deus amou e escolheu pra mãe de Jesus, o Filho de Deus

Maria que Deus amou e escolheu pra mãe de Jesus, o Filho de Deus | 445 | 18.08.24 | Lucas 1,39-56

O texto do evangelho de hoje é escolhido para iluminar a solenidade da Assunção de Maria de Nazaré, a Mãe do Filho de Deus, ao céu, em sua integridade e unidade pessoal. É uma afirmação recente da Igreja católica (1950), que recolhe uma tradição milenar e indícios ou indicativos esparsos nas Escrituras e na Tradição. Com esta celebração sublinhamos a vocação humana à vida plena e a dignidade do corpo, especialmente do corpo das mulheres.

O episódio evangélico que é proposto à meditação na solenidade de hoje traduz de modo plástico e poético a presença libertadora de Deus na história, assim como a serena alegria que ela desperta na oração e no cântico dos pobres. Não se trata de um sonho utópico e inalcançável, mas de uma esperança segura, que se fundamenta na fidelidade de Deus revelada ao longo da história do povo de Israel e das comunidades cristãs. É uma esperança que não engana.

A primeira parte da cena é uma ampliação do evento da anunciação do anjo Gabriel a Maria e, ao mesmo tempo, uma confirmação dos sinais indicados por ele.  Recebendo a graciosa e inesperada visita de Maria, que nos ensina a não tardar a ir ao encontro de quem precisa de nós, Isabel proclama e saúda a presença do Messias amado e esperado no seio dela, com a mesma surpresa e alegria com as quais Davi e o povo de Israel saudaram a presença fiel e libertadora de Deus na Arca da Aliança, quando fora acolhida festivamente em Jerusalém.

O próprio João Batista, ainda no ventre profético de Isabel, antecipa essa alegria messiânica, e, com a mãe, reconhece e celebra a presença de Deus no meio do povo. Maria é aclamada como bem-aventurada porque acreditou na verdade e na força fecunda da Palavra de Deus. Nas suas palavras e a seu modo, Isabel desvenda o significado profundo da maternidade de Maria. E assegura, com força feminina, que as promessas de Deus serão cumpridas.

Maria intervém com um cântico profético no qual celebra a ação de Deus no passado e assegura a fidelidade da sua misericórdia no futuro. Nesse cântico ela, serva humilde e humilhada, representa todos os pobres agraciados por Deus que visualizam um mundo novo, que vence e supera forças as estruturas que dominam e excluem. Em Maria elevada ao céu e em seu cântico profético, o êxodo se renova e as bem-aventuranças são antecipadas.

 

Meditação:

·    Reconstrua a cena, acompanhando Maria na sua caminhada de Nazaré à Judéia, ao seu encontro alegre e revelador com sua parenta Isabel

·    Deixe-se envolver pela alegria messiânica que ilumina e renova Maria, Isabel e João Batista

§  Repita, com Isabel, a saudação mística e profética com a qual recebe e celebra a visita de Deus ao seu povo

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Na comunidade-semente todos somos irmãos e aprendizes

Na comunidade-semente do Reino de Deus, todos somos irmãos e aprendizes | 444 | 17.08.24 | Mateus 19,13-15

Do início ao fim dos seus relatos, os evangelistas sublinham a atenção e a sensibilidade de Jesus para com as pessoas e grupos sociais tratados como insignificantes e, por isso, mais vulneráveis. Estrangeiros, mulheres, crianças e doentes representam muito bem esses grupos. Mas aos próprios discípulos custa muito aceitar e assimilar essa maneira revolucionária de ver as pessoas.

O episódio do evangelho de hoje ilustra isso na relação com as crianças. Na sociedade de então, elas não tinham direitos, deviam obedecer e se submeter, estavam à margem. Elas não tinham lugar numa cultura patriarcal. Quando algumas pessoas, encorajadas pela compaixão de Jesus com os fracos, levaram crianças para que ele as abençoasse, os discípulos interviram e repreenderam-nas, pois viam as crianças como um incômodo. Eles reagiram dentro do estreito no horizonte do patriarcalismo no qual haviam sido formados e viviam.

Jesus censura duramente esta atitude dos discípulos, e declara que o Reino de Deus pertence às crianças. Para Jesus, as pessoas frágeis e marginalizadas, como são as crianças, nos ensinam e, por isso, ele pede que seus discípulos sejamos como elas. Elas são uma metáfora do autêntico e alegre seguimento de Jesus! E se elas participam do Reino de Deus, obviamente devem ter um lugar também no interior da comunidade cristã. Não há dúvida!

Como as pessoas que vêm de baixo e das margens acolhem a mensagem do Reino e reconhecem Jesus como enviado do Pai, também os discípulos devemos aceitar nossa condição de grupo socialmente marginalizado e insignificante, mas alternativo e gerador de uma nova sociedade. Como o Reino de Deus e as crianças, a comunidade dos discípulos e discípulas vive neste mundo um caminho de transição para um futuro maduro e pleno.

Na comunidade sonhada e iniciada por Jesus, todos somos discípulos e irmãos. Não há pai ou patriarca. Todos são iguais em dignidade, sem nenhuma distinção. Os bispos do Brasil já diziam: a dignidade dos cristãos não está no ministério (ordenado ou extraordinário) que exercem, mas na sua condição de batizados e ungidos pelo Espírito Santo. Ser cristão é a razão da nossa alegria e a fonte da nossa missão.

 

Meditação:

·    Em que medida, como seguidores de Jesus, estamos à margem das badalações, partilhando as lutas e esperanças das pessoas e grupos sociais marginalizados e tratados como um incômodo?

·    Ajudamos a abrir brechas para que essas pessoas se encontrem com o Evangelho de Jesus e sejam socialmente reconhecidas?

·    Como essas pessoas e grupos sociais são acolhidas e tratadas em nossas comunidades cristãs e seus organismos e serviços (litúrgicos, catequéticos, assistenciais)?

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

As relações de igualdade são essenciais para a família cristã

As relações de igualdade são essenciais para a família cristã | 443 | 16.08.24 | Mateus 19,3-12

Há alguns dias estamos lendo e meditando as orientações de Jesus para a encarnação da novidade do Reino de Deus nas relações comunitárias e sociais. Hoje, a atenção se volta para as relações no interior da família, especialmente para as relações conjugais. A reflexão é oportunizada por mais uma pergunta provocadora vinda da boca dos fariseus, que se posicionam como adversários de Jesus.

O ensino de Jesus é, antes de tudo, uma contundente defesa da dignidade das mulheres, no contexto de uma cultura patriarcal, na qual o marido tem direito de vida e de morte sobre a mulher. A família nascida da cruz de Jesus e reconfigurada pelo Reino de Deus rejeita de forma inequívoca as relações patriarcais, que eram aceitas como normais e normativas no mundo cultural romano e judaico.

Para Jesus, o matrimônio deve ser entendido em outra perspectiva, sem o domínio da figura masculina. Os fariseus tinham dificuldades de entender e aceitar isso. Para eles, a mulher fazia parte das propriedades do homem, e a ele deveria ser submissa. Mas, para Jesus, as relações matrimoniais devem ser pautadas pela igualdade, pela reciprocidade, pela solidariedade e pela unidade. Este é o querer de Deus sobre o casal. Esta é a família tradicionalmente cristã!

No enfrentamento com Jesus e no ensino ao povo, os fariseus e doutores da lei fazem uma leitura interesseira e distorcida da Lei, e dizem que é ordem para todos aquilo que Moisés permitiu apenas como exceção. Mesmo fazendo essa concessão à dureza dos homens, Moisés pediu garantias à mulher divorciada, limitando o “direito ao despejo”. Jesus, por sua vez, propõe uma releitura da vida conjugal a partir da vontade original de Deus, sublinhando que homem e mulher se tornam uma unidade profunda, e nada deve desfazê-la.

Isso escandaliza os discípulos, contaminados também eles pela ideologia patriarcal. Jesus não se incomoda com o desconforto deles, e radicaliza ainda mais: além de tomarem como modelo as crianças, seus discípulos podem também se espelhar nos eunucos, outro grupo de pessoas desprezadas e marginalizadas pela excludente cultura patriarcal. Agindo e falando assim, Jesus só poderia escandalizar muita “gente de bem”, desde o tempo dele e até hoje.

 

Meditação:

·    Como você vive a vocação de ser uma só carne (comunhão, reciprocidade e solidariedade) na vida conjugal?

·    Em que medida vocês conseguem superar as relações ditadas pelo patriarcalismo e pelo individualismo?

·    Você tem conseguido superar uma compreensão machista e excludente da Palavra de Deus?

·    Como são tratadas as mulheres, as crianças e as pessoas homo afetivas na sua família e na sua Igreja?

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

O perdão deve ser sempre incondicionado e ilimitado

O perdão deve ser sempre incondicionado e ilimitado | 442 | 15.08.24 | Mateus 18,21-19,1

Nos capítulos 16 a 18 do seu evangelho, Mateus nos apresenta as orientações fundamentais de Jesus para que a comunidade de discípulos e discípulas assuma um estilo de vida alternativo, inovador, profético e crítico em relação aos estilos então predominantes. Nos textos de ontem e de hoje Jesus aborda a questão do enfrentamento das tensões e ofensas nas relações comunitárias.

Para ser fiel a Jesus, a comunidade cristã deve praticar o perdão como uma ação contínua e reiterada. O pedido de desculpas e o perdão não têm limites de tempo nem restrições de pessoas ou de grupos. Sem isso, a vida em comunidade é inviável, e a liderança e a autoridade podem decair em opressão. O perdão concedido aos irmãos e irmãs é expressão viva do perdão recebido do Pai e decorrente dele. Negar o perdão aos semelhantes significa esvaziar o perdão concedido pelo Pai,

Jesus ilustra isso com uma parábola, focalizada em quem deve perdoar, e não no pecador ou ofensor. Jesus não costuma apresentar os reis como imagem de Deus, e sim os pais de família. Mas a parábola de hoje sublinha que, como o rei dessa história, Deus exige que seus filhos e filhas perdoem, porque foram antes perdoados. O perdão do rei da parábola tem pouco a ver com o perdão recebido e praticado pelos cristãos. Diferentemente do perdão do rei, o perdão de Deus não é condicionado e revogável, mas definitivo e incondicional.

Os 10 mil talentos devidos ao rei por um dos seus servos correspondem a um ano dos tributos cobrados de Israel pelo imperador romano (uma fortuna que mal podemos imaginar!), enquanto que a dívida do empregado inferior corresponde a apenas 100 dias de trabalho. A diferença e descomunal. Isso ressalta a imensa diferença entre as dívidas, entre o perdão que recebemos de Deus por Jesus e o perdão que devemos dar aos irmãos e irmãs que incorreram em débitos conosco.

Note-se que o rei não aceita dar mais prazo ao devedor, como ele mesmo pedira, mas perdoa a dívida. Nisso, ele simboliza a compaixão ilimitada de Deus. Mas o outro empregado não dá um prazo maior nem perdoa, e se mostra mais cruel que o próprio rei. Para Jesus, gentileza gera gentileza, perdão gera capacidade de perdoar. Para o cristão, o perdão é norma e obrigação, não uma opção!

 

Meditação:

·    Todos já vivemos a experiência de ofender uma pessoa próxima e querida, ou de ser ofendido por outros

·    Mesmo que o perdão que recebemos dessas pessoas possa não ter sido pleno e total, Deus não nos tratou assim

·    Recorde suas experiências de ser perdoado/a pelas pessoas, e, principalmente, por Deus

§  Você já se percebeu tentado a colocar condições e limites ao perdão que os outros lhe pedem?

terça-feira, 13 de agosto de 2024

As relações e vínculos comunitários precisam ser cultivados

As relações e vínculos comunitários precisam ser cultivados com paciência | 441 | 14.08.24 | Mateus 18,15-20

Mateus dedica os capítulos 16 a 18 do seu evangelho para nos apresentar o empenho de Jesus na formação dos seus discípulos no modo de vida inspirado no Reino de Deus. Temos aqui as orientações fundamentais para que a comunidade cristã viva um estilo de vida liminar: alternativo, inovador, profético e crítico aos estilos de vida então habituais e predominantes.

Embora seja chamada a ser alternativa, a comunidade dos discípulos não é perfeita. Enquanto caminha no mundo, as tensões e conflitos são inevitáveis no interior das nossas comunidades. Às vezes, as lideranças são intolerantes em relação aos erros dos seus irmãos e irmãs. Para evitar que os errantes fiquem à mercê do humor das autoridades, Jesus traça um caminho pedagógico, em três passos. O objetivo é ajudá-los a tomar consciência dos erros e mudar de atitude.

O ponto de partia é a convicção de que a ofensa recíproca é algo sério, que precisa ser resolvido, e não ser “jogado embaixo do tapete”. O primeiro passo é um diálogo pessoal e fraterno, para que o ofensor reconheça seu deslize. Se isso não resolve, volta-se a conversar com ele na presença de testemunhas. Se também isso resultar em fracasso, a questão é levada à comunidade dos discípulos. Mas nem assim o êxito está garantido! As relações humanas não se resolvem com soluções técnicas!

Se as três tentativas fracassarem, a ruptura então pode ser declarada publicamente. Mas a missão reconciliadora dos cristãos fiéis não termina com esta declaração. Colocando os ofensores resistentes no grupo dos publicanos e pecadores, Jesus está dizendo que eles são campo permanente de missão, como ele mesmo o demonstrou sobejamente, tanto por seu ensino como mediante suas ações. Longe de Jesus tolerar ou ratificar práticas de exclusão definitiva! Jesus mesmo vai ao encontro dos publicanos e pecadores e os resgata para uma vida fraterna.

Jesus pede paciência e lucidez na relação com as pessoas que erram, ou seja, com todos os membros da comunidade. A comunidade cristã (e não apenas Pedro!) tem a faculdade de atar e desatar, ou seja: de discernir quem está dentro e quem se coloca fora dela. Mas é sempre o próprio Jesus que manifesta sua inesgotável misericórdia por sua presença e ação na comunidade dos discípulos e discípulas.

 

Meditação:

§  Retome esta lição de Jesus, passo a passo, frase por frase e, se possível, leia também os versículos anteriores (v. 1-14)

§  Como você, sua família e sua comunidade enfrentam os conflitos e tensões de relacionamento e convivência?

§  Por que é sempre mais fácil queixar-se das pessoas que nos ofendem ou prejudicam a terceiros, evitando falar com elas?

§  Reflita sobre o que significa, na perspectiva de Jesus, tratar os ofensores como gentios ou cobradores de impostos?

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Jesus põe no centro aqueles que relegamos às periferias

Jesus põe no centro aqueles que relegamos às periferias | 440 | 13.08.24 | Mateus 18,1-14

Nos capítulos 18 a 20 do seu evangelho, Mateus nos oferece diversas catequeses formativas dedicadas por Jesus aos seus discípulos, a caminho para Jerusalém. Trata-se de orientações fundamentais para que a comunidade cristã viva um estilo de vida alternativo e profético, testemunhando assim a força transformadora do Evangelho na vida pessoal e nas relações comunitárias, sociais e políticas.

A tentação do elitismo e do autoritarismo rondam a comunidade dos discípulos de Jesus desde sempre, e o tempo que vivemos não nos deixa dúvidas. A pergunta sobre quem é o maior no Reino de Deus o demonstra, e a resposta de Jesus quer cortá-la pela raiz. Para ilustrar a virada radical que a chegada do Reino provoca no coração das pessoas, na escala de valores e no coração do mundo, Jesus toma a figura da criança como símbolo vivo e eloquente.

Aqui, a criança, tomada como símbolo e como exemplo, não significa pureza e inocência, “virtudes” que a modernidade burguesa gosta de enfatizar para esconder suas hipocrisias, mas para sua condição social de fragilidade, insignificância e marginalidade. Para Jesus, as crianças são o retrato perfeito da comunidade cristã, que nasceu para viver nas margens e ensaiar uma vida alternativa ao judaísmo e ao império romano, assumindo sua minoridade.

Esse estilo de vida vai contra a corrente, precisa ser aprendido e exercitado tenazmente, pois é exigente. Como as crianças, os discípulos de Jesus são preciosos aos seus olhos, são importantes por serem pequenos, são tirados dos últimos lugares e recebem os primeiros. E as autoridades cristãs tem o dever de protegê-los. Eles podem se perder, ou seja, tornarem-se mais frágeis e vulneráveis ainda. O primeiro dever de um pastor é cuidar de quem é fraco, ensinava o Pe. Berthier.

O Pai do céu não quer que nenhum deles se perca, e a comunidade deve assumir esse cuidado em nome de Deus. Por sua vez, os discípulos devem confiar totalmente na acolhida que o Pai suscita nas pessoas e povos aos quais forem enviados. Não somos grandes ou importantes pela origem, pela riqueza, pela educação, pela profissão, pela função social ou pelo poder que exercemos, mas pelo batismo e porque somos filhos amados do Pai e portadores do tesouro do Reino.

 

Meditação:

·    Exercite sua imaginação e procure participar da cena com todos os seus sentidos, para acolher o sentido integral do texto

·    Você percebe as ambições e expectativas de reconhecimento e precedência que às vezes se insinuam nos seus trabalhos?

·    Como você se sente em relação à condição liminar (margem, insignificância, despojamento) dos discípulos de Jesus?

·    Você tem conseguido se exercitar na confiança no cuidado do Pai e na hospitalidade na sua prática comunitária e pastoral?

domingo, 11 de agosto de 2024

Quem é livre não age por medo ou ambição

Quem é livre não age por medo ou ambição, mas para amar e servir | 439 | 12.08.24 | Mateus 17,22-27

Jesus já havia falado longamente aos seus discípulos sobre o “seu destino”, ou sobre o desfecho do seu caminho: a rejeição, a perseguição, a condenação e a eliminação, como se ele fosse uma pedra incômoda e dispensável na construção do mundo. Por isso, no texto de hoje ele fala disso em poucas palavras, alertando de novo seus discípulos em relação à expectativa de sucesso.

O sentimento de tristeza dos discípulos não é apenas causado pelos previsíveis sofrimentos de Jesus, mas também (ou até principalmente) pela frustração das próprias expectativas de sucesso e de prosperidade que eles alimentavam seguindo Jesus. Não entrava na cabeça deles a ideia de um enviado de Deus que não mostrasse poder e não fosse consagrado pelo sucesso e pela fama.

É nesse contexto que, questionados pelos funcionários do templo se Jesus não pagava os impostos, os discípulos se apressaram em blindar o mestre, afirmando que ele cumpria direitinho suas obrigações com o império injusto. Percebendo o que eles haviam dito, mais por medo que que tinham que por amor à verdade, Jesus esclarece sua posição e convida seus seguidores a uma reflexão lúcida e ponderada.

Tanto Jesus como os cristãos somos radicalmente livres de todo tipo de imposição, inclusive das mais dissimuladas e potentes, que são aquelas que vem de dentro de nós mesmos e da cultura que herdamos. No templo e no mundo, somos filhos, e não estranhos, herdeiros e não escravos. Jesus e seus seguidores não devemos nada a ninguém, a não ser o amor.

Entretanto, essa liberdade não significa licença para fazer o que quisermos, mas aquilo que é bom, que faz bem aos outros. Essa é a liberdade mais difícil de exercitar! Por isso, mesmo sendo livres frente a tudo, evitamos aquilo que pode escandalizar ou prejudicar os outros. É isso que Jesus ilustra com sua sugestão de pagar o imposto com a ajuda do peixe que ele pede para pescar.

Somos livres para amar e servir, para fazer da nossa vida um dom cotidiano e generoso pelos outros, especialmente pelas pessoas mais penalizadas e indefesas. Como nossa vida está segura nas mãos do Pai, não tememos a morte, qualquer que seja sua forma, e semeamos livros mais que armas.

 

Meditação:

·    Reconstrua na imaginação a cena, observando atentamente as palavras e perguntas de Jesus, assim como a “média” que Pedro pretende fazer com os funcionários do templo

·    Perceba também a tristeza dos discípulos de Jesus diante de mais um anúncio do caminho da rejeição e da perseguição, que é o caminho de Jesus mas também o caminho de quem o segue

·    Você se sente realmente libertado por Jesus, livre inclusive da necessidade de ser o/a primeiro/a e sempre levar vantagem?

sábado, 10 de agosto de 2024

Quem é capaz de cuidar dos outros está no caminho da vida

Quem é capaz de cuidar dos outros está no caminho da vida eterna | 438 | 11.08.24 | João 6,41-51

A longa discussão que Jesus mantém com seus discípulos e com as autoridades do judaísmo não é uma simples catequese sobre sua presença real de Jesus nas espécies eucarísticas. O que está em questão é o modo de conhecer e de agradar a Deus: Cumprindo leis de forma mecânica? Obedecendo a um monte de princípios morais? Celebrando ritos à margem das estradas da vida? Fixando a atenção numa hipotética vida após a morte e desprezando os desafios da história?

Jesus se oferece como alimento que desce continuamente do céu e assume a carnalidade das dores e sonhos humanos. Ele não diz que é o pão que desceu do céu, mas o pão que desce permanentemente do céu. “Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33). Tanto o verbo “descer” como o verbo “dar” estão no tempo presente e referidos à missão libertadora de Jesus. “Descer” aponta para a diminuição, um aspecto central na vida de Jesus e de quem o segue.

O alimento que faz a diferença e que supera tanto o maná como a simples distribuição assistencialista de comida é a encarnação do Filho de Deus, sua humanidade compassiva. Jesus não discute sua origem divina ou humana, mas a sublinha nossa resistência em aceitar sua encarnação redentora. A fé em Jesus e na eucaristia não são uma espécie de “subida” a Deus, mas uma “descida” solidária ao encontro do ser humano. A comunhão com as dores e alegrias, tristezas e angústias dos homens e mulheres do nosso tempo é o único caminho que nos leva a Deus.

Jesus recorre aos profetas para enfatizar que é isso que precisamos aprender. Dizendo que todos serão discípulos de Deus, Jesus evita os estreitamentos ideológicos, étnicos ou eclesiásticos, e afirma a universalidade do caminho da vida. Quem cuida da vida dos outros está no caminho da vida eterna, e quem não aceita e não se engaja nessa missão não é discípulo de Deus, fecha-se à sua voz. A questão central é escutar a Palavra que Jesus nos diz mediante sua contínua descida.

Jesus também não quer opor a força de vida da sua “descida” à insuficiência do maná. O povo hebreu comeu do maná mas experimentou o malogro na realização do sonho, mas isso não ocorreu por causa da qualidade do maná, mas da sua atitude, da incapacidade de ouvir e obedecer a Deus. Aqui está a novidade de Jesus Cristo: somente quem ouve sua Palavra e crê nele, quem se faz seu discípulo e se alimenta da sua humanidade, chega à meta da travessia e alcança a terra desejada e prometida.

 

Meditação:

·        Perceba a força de cada expressão e de cada metáfora desta bela e densa catequese de Jesus

·        Em que medida, é Jesus e sua utopia que me alimentam, estimulam, guiam e sustentam?

·        Quando participo da celebração da eucaristia, sou consciente da profundidade do que acontece, que “comungar é tornar-se um perigo”?