quarta-feira, 20 de junho de 2012

12° Domingo do Tempo Comum


“Viver é conhecer a marcha e seguir em frente.”
(Jó 38,1-11; Sl 106/107; 2Cor 5,4-17; Mc 4,35-41)

Vida é movimento, caminhada. A estabilidade absoluta e o sedentarismo é morte. Estamos em travessia, e nossa condição no mundo é de êxodo permanente. Como cristãos, encarnamo-nos onde estamos e engajamos-nos nas lutas dos homens e mulheres, sentimo-nos atraídos a estabelecer aqui nossa morada, mas, ao mesmo tempo, descobrimo-nos estrangeiros/as, cidadãos de uma sociedade que ainda está para ser construída. Assim também a Igreja: mesmo que as forças da inércia e o peso de 20 séculos de história a puxem para trás e para baixo, sua vocação original é lançar-se para a frente, empreender uma infindável travessia, engajar-se num permanente e solidário diálogo com os homens e mulheres de cada época, ir ao encontro daqueles/as que estão longe, colaborar nas grandes lutas que a humanidade está travando hoje. E mesmo quuando isso comporta riscos e ameaças.

“Passemos para a outra margem.”

São muitas as nossas travessias. E diversas. Há o necessário caminho que leva do eu fechado e indiferente ao nós aberto e acolhedor. É uma travessia tão necessária quanto exigente, uma páscoa que entra em confronto com o moderno e resistente mito do individualismo do qual todos/as bebemos. Este mito nos faz crer que tudo é apenas uma questão de esforço e mérito pessoal, e que o outro é o nosso inferno e a comunidade é a nossa máxima penitência. Atravessar é preciso!

E há a travessia que nos leva da estabilidade de um conhecimento exaustivo e seguro, de uma doutrina que pretende explicar tudo, de uma ciência que imagina desvendar todos os mistérios, de uma ideologia que oferece programas e estratégias para todos os desafios, à reverente consciência de que todas as coisas estão envoltas em mistério. E, quanto mais avançamos nessa passagem, maior é o espanto diante de um mundo que não cabe na estreiteza asfixiante dos nossos conceitos. Avançar é preciso!

E há também a travessia urgente de uma sociedade injusta e desigual a uma sociedade inclusiva e solidária; de uma cultura econômica que só sabe pensar em termos de desenvolvimento e de exploração dos recursos naturais a uma cultura da hospitalidade, capaz de promover e proteger a biodiversidade; de uma Igreja que deseja ter respostas para todas as perguntas a uma Igreja que aceita o desafio de compartilhar as perguntas e buscas que acompanham a humanidade. Recriar é preciso!

“Veio, então, uma ventania tão forte que as ondas se jogavam dentro do barco.”

Mas as travessias não costumam ser muito tranqüilas, e os muros normalmente não caem ao toque das trombetas dos nossos instáveis desejos. Ao lado do movimento de expansão que dá vida a todo o universo há também, em todos os corpos e eventos, uma tendência à inércia, à estabilidade. Existem ventos contrários à mudança, forças que nos convidam a permanecer em casa, tentações que nos ensinam a não trocar um mal que conhecemos por um bem hipotético e desconhecido.

Na travessia do deserto, diante da falta de água e de alimento, frente à ausência de caminhos claros e a uma liberdade com contornos indefinidos, as tribos de Israel se esquecem rapidamente da dureza da opressão e suspiram pelas cebolas do Egito. E essa experiência se tornou um paradigma das dificuldades inerentes a todos os processos de mudança. Por comodidade e por interesse, acabamos abdicando dos nossos sonhos de águia e fazendo as pazes com o galinheiro...

“Por que sois tão medrosos?”

É triste quando, na própria Igreja, imaginada por Jesus para estimular e acompanhar a humanidade em suas necessárias travessias, o medo paira como sombra que preenche todos os espaços. É perigoso quando, assombrados, os teólogos e teólogas desistem de publicar suas reflexões. É triste e desalentador quando bispos e padres, inseguros ou carreiristas, deixam de manifestar discordância e apresentar propostas para as mudanças que urgem. É desolador quando os leigos e leigas são tratados como menores, eternamente tutelados e empurrados à margem pelas pressões e pelo medo.

Aquilo que é desconhecido parece fugir ao nosso controle e nos amedronta. A experiência de controlar as situações ou de estar sob controle nos dá a sensação de segurança e de verdade. E o medo acaba sendo a mãe das submissões que limitam, das dominações que esterilizam, das ideologias que matam. Ele está na raiz do estado de guerra em que vivem as sociedades, e promovê-lo é uma estratégia que serve aos dominadores. No coração de algumas liturgias e por trás de muitas mensagens políticas está a intenção de criar medo e, assim, manter a dominação.

“Ainda não tendes fé?”

Javé responde a Jó do meio da tempestade, e é na travessia do deserto que o povo de Israel experimenta a companhia de Deus e faz aliança com ele. Mas os discípulos desconhecem ou temem a travessia. Depois de terem ouvido da boca de Jesus as parábolas que sublinham o dinamismo escondido do Reino de Deus, eles se mostram desconcertados e temem profundamente a travessia que os levaria ao encontro com os estrangeiros. Tudo parece escuro, tanto dentro como fora deles.

O medo faz com que eles se esqueçam do objetivo da travessia. E Jesus diz claramente que na raiz do medo diante do mar agitado, está a falta de fé. É falta de fé temer o contato e o diálogo com quem é diferente e pensa diferente. É falta de fé esperar que Deus elimine magicamente as dificuldades da travessia da vida ou nos leve imediatamente à outra margem. Nasce da falta de fé a lamentação de que Deus estaria dormindo e não se importaria com as nossas dificuldades.

Eu me pergunto a quem Jesus se dirige quando fala “Cale-se! Acalme-se!” Por um lado, parece que ele se dirige ao mar e ao vento que, aos olhos dos discípulos, pareciam descontrolados e ameaçadores. Por outro lado, parece que Jesus se dirige aos próprios discípulos. Mais que o mar, eles é que estão agitados e precisam ser acalmados. Estão aterrorizados diante da necessidade de passar “para o outro lado do mar”, da necessidade de mudar de idéia, de ideologia, de projeto de vida.

“Quem é este, a quem obedecem até o vento e o mar?”

Enquanto os discípulos manifestam pavor e desespero, Jesus se mostra tranquilo e dorme despreocupadamente. Quando o povo tem necessidade, Jesus realiza sinais da chegada do Reino. Quando os discípulos enfrentam perigos, está com eles. Não é o vento que desperta Jesus do seu aparente sono; é o grito dos discípulos apavorados. Será que ele não se importa com o risco que eles correm? Será que ele não vê que o diálogo intereligioso representa um perigo para a Igreja?

É importante reconhecer que a travessia é necessária e desejada por Deus. E ele nos acompanha em todas as passagens/páscoas. É verdade que, às vezes, ele parece dormir e pouco se importar com os riscos que enfrentamos, mas o que ele não quer é tomar o nosso lugar nessa passagem. Ele confia em nós, e a única maneira de chegarmos à maturidade que liberta é assumir nossa responsabilidade. O salmista convida: “Agradeçamos ao Senhor... Ele transformou a tempestade em brisa leve...”

 “E ele os guiou ao porto desejado...”

Jesus de Nazaré, peregrino e companheiro de quem persevera nas travessias que a vida pede, permanece desperto neste barco agitado no qual se transformou tua Igreja. Acorda e fala firme e forte para nos dizer de novo que uma Igreja que põe a mão no arado e só quer olhar para o passado não é digna do teu Reino! Desperta em nós a certeza consoladora de que é o próprio Pai quem nos guia ao porto desejado mas, que é teu amor que nos impulsiona a avançar, a não olhar para trás, a não cair na armadilha do medo. Sustenta-nos em todas as travessias, pois se permanecermos do lado de cá – fechados/as em nós mesmos/as, submissos/as aos poderes de plantão, seguros/as em nossas ideologias, encaracolados/as em nossas doutrina, altivos/as em nossos pódiuns – seguramente afundaremos. Muda a tempestade em bonança, mas também converte nosso medo em fé e nossa sede de segurança em vontade de caminhar. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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