Glória a Allah e ao seu profeta Maomé!
Allah, o nome sagrado dos mussulmanos |
Chegamos em Smarinda no 13 de março.
Esta cidade está localizada na costa oriental da ilha de Kalimantan, e é a
capital da província omônima. É uma das maiores cidades da ilha, e sua
população está em torno de 600.000 habitantes. Desenvolveu-se em torno do
importante porto fluvial, sustentada historicamente pela extração e exportação
de madeira e, hoje, pela exportação de carão mineral.
A presença dos Missionários da
Sagrada Família nesta cidade remonata à primeira metade do século XX,
sustentada pelos missionários holandeses e alemães, que ousaram enfrentar o
desafio de anunciar Jesus Cristo e implantar a Igreja num território controlado
pelo islamismo. Quem lê a história sabe que o islamismo também é relativamente
recente na Indonésia. A religião do profeta Maomé chegou no arquipélago que
compõe este país no século XVII, um pouco depois da chegada do cristianismo no
continente hoje conhecido como latino-americano. Até então, neste conjunto de
12.000 ilhas predominavam o induísmo, o budismo e as religiões tribais, ditas
animistas.
Muitas vezes me perguntei como foi
possível transformar essa gente – que não pertence etnicamente ao povo árabe e
que já tinha sua religião – em um povo quase totalmente mussulmano,
numericamente a maior população mussulmana do planeta. Os principais agentes
desta transformação foram os comerciantes árabes. Quando os sultões locais
estavam em luta entre si e buscavam apoio estratégico nos comerciantes de
procedência árabe, estes o asseguravam à condição de que estes líderes locais
se convertessem ao islamismo.
Isso pode nos parecer estranho, mas
não foram muito diferentes os caminhos trilhados pelo cristianismo nas
Américas... A diferença é que as metrópoles ibéricas impuseram a adesão ao
cristianismo casada com a dominação colonial, enquanto que aqui a dominação foi
econômica, e nunca chegou a ser política. Os próprios colonizadores holandeses,
de origem cristã reformada, mantiveram durante três séculos o domínio econômico
e político sobre a Indonésia e, apesar do fanatismo que caracterizava seu
calvinismo, não moveram um dedo para desislamizar
ou cristianizar este povo.
Por isso,o visitante que hoje
circula pela Indonésia, exceção feita a algumas ilhas (como é o caso de
Flores), vê por todo lado mesquitas e mais mesquitas. Umas pequenas e simples,
outras imponentes e luxuosas, as mesquitas dominam de forma absoluta a
paisagem, tanto no espaço urbano como na zona rural. Não é raro encontrar mais
de uma na mesma quadra, ou a menos de 100 mestros uma da outra (como ocorre com
o acúmulo de templos católicos em Roma...).
O monumental centro islamico de Samarinda |
Esta onipresença quase invasiva da
fé islâmica se torna mais palpável ainda no hábito que impõe às mulheres e nos
infinitos alto-falantes que, seis vezes por dia, das 4:00 da manhã às 10:00 da
noite, convidam e guiam os fiéis na oração, indiferentes à perturbação dos
estrangeiros que, como nós, reinvindicam respeito ao direito de trabalhar e
descansar sem serem perturbados. Do início ao fim da viagem, meu colega não
cansava de protestar contra isso, assim como contra o uso de véu imposto às
mulheres (que também não podem entrar nas mesquitas, território exclusivo dos
homens...)
Assim, uma das primeiras coisas que
chamam a atenção do visitante em Samarinda, junto com o movimentado porto e a
congestionada ponte que dá acesso à cidade,
é o imenso e monumental centro islâmico, uma mesquita como jamais havia
visto. Perto dela, nossas grandes igrejas parecem minúsculos oratórios.
Refiro-me à própria catedral e à paróquia São Lucas, a primeira residência MSF
que visitamos em Samarinda, cuja igreja matriz tem lugar para 800 pessoas. Lá
residem e trabalham três coirmãos: um vem de Java, outro de Flores, e o
terceiro é um juniorista de Madagascar, que inicia aqui seu estágio pastoral de
dois anos. Juntos, animam a paróquia, que conta com aproximadamente 3.000 fiéis,
distribuídos em 16 comunidades, além da pastoral da juventude em âmbito
diocesano.
Igreja paroquial S. Lucas, Samarinda |
O pároco e superior da comunidade
local de Samarinda é o Pe. Felix Sumarjono, 43 anos, natural de Jogyakarta,
Java, que escolheu a Província de Kalimantan por convicção missionária. O
vigário paroquial e responsável diocesano pela pastoral da juventude é o Pe.
Yohanes Kopong Tuan, 34 anos, originário de Flores. No final dos anos 90, como
jovem juniorista, Pe. Kopong foi um dos primeiros indonesianos a fazer seu
estágio pastoral em Madagascar, do qual guarda boas recordações.
Esta é a razão pela qual o Fr. Jean
Christian Razafiarison Rija, malgache de 31 anos, foi acolhido por ele em
Samarianda, e recebeu dele as primeiras
lições de língua e de cultura indonesiana. Com seu colega e conterrâneo Fr.
David, eles permanecerão em Kalimantan durante dois anos, numa interessante e
desafiadora iniciativa de integração interprovincial e intercultural que vem de
alguns anos e foi retomada neste ano. Se isso é exigente para uma pessoa adulta
num mesmo país, imagina para jovens ainda na etapa inicial de formação e num
país tão diferente...
Em Samarinda temos também um dos
cinco bispos MSF da Indonésia, dois dos quais já eméritos. Refiro-me a Dom
Florentinus Sului, à frente da Arquidiocese de Samarinda desde 1993. Ele foi
ordenado bispo aos 45 anos de idade e 20 de presbítero. Visitamos sua residência
e fiquei pasmo: é um verdadeiro e enorme palácio como jamais vi em minha vida,
menos ainda em se tratando de bispos. Só o refeitório e sala anexa (para
aumentá-lo quando aumenta o número de comensais) me pareceram maiores que o
bispado de Santo Angelo, de Passo Fundo ou de Ipameri... E nem quero falar dos hall’s, das salas de trabalho e recepção
do bispo, da capela interna para mais de 100 pessoas, das inúmeras casas
anexas, da equipe de serviço...
Palacio espiscopal: a vontade é virar as costas e nem olhar... |
Não consigo aceitar coisas como
essa, por mais que tentem me convencer, como tentou fazer meu colega, de que se
trata de demonstrar a seriedade e a solidez da da Igreja católica numa
linguagem que o povo daqui aprecia. E onde fica o Evangelho, meu Deus?! O que
eu vi simplesmente grita aos ouvidos de quem quiser ouvir: o bispo é um
príncipe, e ponto final. E eu que pensava que nestas bandas o cristianismo, que
chegou há pouco mais de 100 anos, pudesse mostrar um rosto diferente...
Claro que pessoalmente o bispo se
nos mostrou muito acolhedor e fraterno. Chegou a nos presentear um colar típico
da sua etnia (dayak), sinal de acolhida na intimidade do seu povo. Ele é uma pessoinha simpática, de pouco mais de
1,50 m de altura, que veste as coloridas roupas do seu povo. Dirige uma diocese
que conta com aproximadamente 108.000 católicos, um apreciável percentual (para
os padrões indonesianos) de 10% da população da região. São 25 paróquias (das
quais 6 estão sob os cuidados dos MSF), cuja animação pastoral é feita por 38
padres, 14 dos quais são diocesanos.
Segundo Dom Florentinus, os
principais desafios que a diocese enfrenta são: a carência numérica de padres e
religiosos/as; a falta de agentes especializados, inclusive para a
administração; a formação de catequistas e professores de ensino religioso
(estes últimos, para atuar nas escolas públicas). Para enfrentar este último
desafio, a diocese acaba de inaugurar um centro de formação de nível superior,
pois é este o nível exigido pelo estado.
Casa grande, bispo pequeno... |
Com o bispo moram três padres: um
diocesano, seu secretário pessoal; um verbita, ecônomo da diocese; um MSF, o
Pe. Gabriel Bong Njungun, 74 anos, que atuou muitos anos como ecônomo
diocesano, sofreu um derrame, mas continua convivendo com o grupo. Aqui está um
outro elemento que me entriga: pelo pouco que vi, além dos palácios nos quais
residem, os bispos daqui têm ao seu redor um grupo de padres totalmente
liberados para alguns trabalhos: ecônomos, secretários, motoristas... Aqui
ninguém conhece a figura do coordenador pastoral, nem a prática da visita
pastoral. Ouvi estarrecido que alguns bispos (inclusive nossos) às vezes
celebram a missa dominical nas sua capelas privadas... E isso tudo em meio a
uma população majoritariamente pobre e mussulmana e de uma Igreja que carece de
padres...
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