sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

ANO B | TEMPO DO NATAL | FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA | 27.12.2020

Na Sagrada Família se revela o dom de Deus à humanidade.

No dia em que festejamos a família de Jesus não podemos ceder à piedosa tentação de imaginar uma família idealizada e espiritualizada, alheia à nossa realidade histórica e cotidiana. Do ponto de vista sociológico, a Sagrada Família foi uma família judia absolutamente normal, tão normal que sequer despertou a atenção dos vizinhos e da sinagoga, a não ser depois do evento pascal de Jesus. Essa família viveu os valores e práticas de uma família crente, frequentando a sinagoga, meditando a Palavra dos profetas, peregrinando ao Templo nas grandes festas, celebrando a liturgia doméstica, esperando a vinda do Messias.

É isso que percebemos no evangelho de hoje. Maria e José cumprem a lei que pede que, depois do parto, as mulheres se3 dirijam ao templo para se purificar. E, na oportunidade, apresentam Jesus ao Templo e ao povo. Assim, a Sagrada Família percorre o curto caminho que leva da marginalidade de Belém ao centro de Jerusalém, e nada de especial se percebe enquanto cumpre as leis prescritas pela sua tradição religiosa. O momento alto e revelador é o encontro à margem da lei com Simeão e Ana, idosos, piedosos e profetas. E aqui tudo chama a atenção para o significado do filho que Maria e José carregam nos braços.

Simeão toma nos braços aquela criatura vulnerável e, com seu olhar transparente e penetrante, é capaz de discernir a presença libertadora de Deus na fragilidade de uma criança. E trata-se de uma salvação que desborda as fronteiras étnicas e religiosas de Israel. “Meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos, luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel”. Ana também “falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”. Daqui brota o imperativo missionário de não descansar enquanto todos os seres humanos não sejam efetivamente irmãos e irmãs da única família do Pai.

Em Jerusalém, Maria e José experimentam um certo brilho e uma grande satisfação subjetiva. “Estavam maravilhados com o que diziam do menino”. Poucas coisas estavam claras, mas neles cresce a percepção de que o filho que lhes foi confiado é especial para todos os povos. Mas este entusiasmo logo é ofuscado pelas palavras misteriosas que Simeão dirige a Maria: “Eis que esse menino será causa de queda e elevação de muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações.”

Unidos pelos laços de um amor profundamente humano e dentro do horizonte das tradições do seu povo, José e Maria precisam avançar e crescer no escuro da fé. Como Abraão, eles se lançam na estrada da fé sem saber onde chegarão. Ousam acreditar, e isso lhes é creditado como justiça. Abriram-se pouco a pouco e cada vez mais à novidade que Deus manifestava através do filho que lhes fora confiado. E os evangelhos fazem questão de sublinhar que Nazaré é o lugar onde Jesus cresce, se fortalece e adquire sabedoria. José e Maria educam o filho longe do ambiente glorioso e sedutor do templo, e crescem com ele.

Para a Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar a esperança cultivada pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé”. Significou manter-se ligados às raízes populares da esperança vinculada os pobres. Exigiu assumir resolutamente o caminho que leva à periferia, àqueles que estão longe. E pediu que privilegiassem a encarnação no cotidiano que tece a vida normal de todas as pessoas. Jesus afunda raízes e absorve a seiva das esperanças do seu povo a partir da periferia social e religiosa. Eis aqui uma perspectiva que os/as missionários/as jamais devem abandonar!

A convicção de Paulo e da comunidade cristã é que o amor é o vínculo da perfeição da vida cristã, e também da família. É no amor que as esposas podem ser solícitas aos seus respectivos maridos, e estes deixam de ser grosseiros com elas. É o amor que abre possibilidades para que a obediência dos filhos aos pais não atente contra a liberdade e a dignidade de ninguém, e que os pais jamais intimidem os filhos, mas os animem a caminhar nas exigentes sendas da maturidade solidária. É assim que nos revestimos de sincera misericórdia, bondade, humildade e mansidão, e tornamo-nos suportes uns/mas para os/as outros/as.

Sagrada Família de Nazaré, percebemos no teu seio um ambiente e uma proposta de encarnação e de crescimento; a manifestação do dom de Deus e a resposta generosa a este dom; a busca comum da vontade de Deus; um ambiente de hospitalidade e de amor recíproco; uma dedicação incansável para construir a única família do Pai. Inspira nossas famílias a serem tendas da tua Palavra viva, escolas da comunhão e solidariedade, espaços de perdão e reconciliação, verdadeiros do Reino de Deus. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Livro do Eclesiástico 3,3-7.14-17 | Salmo 127 (128) | Carta de Paulo aos Colossenses 3,12-21 | Evangelho  Lucas 2,22-40

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