Mudar mentalidades, derrubar muros, abrir e trilhar estradas!
Se a primeira semana
do Advento nos pedia vigilância, a segunda nos chama à conversão e ao engajamento:
ações que tragam consolação aos desolados; abertura de estradas onde a vida é difícil
e o distanciamento social se impôs implacavelmente; perseverança quando os
novos céus e a nova terra demoram a aparecer; ternura, como a do pastor que
carrega no colo os cordeirinhos e guia as ovelhas que amamentam. Mesmo sabendo
que hoje, como diz o Papa Francisco, “um projeto com grandes
objetivos para o desenvolvimento de toda a humanidade soa como um delírio” (Tutti Fratelli, 16).
Os caminhos da justiça
e da paz ainda são tortuosos e esburacados, especialmente para os países e as
pessoas pobres. O obstáculo não está apenas na corrupção ou na pandemia, mas
também no cassino da Wall Street, onde se compra, vende e especula a vida e a
morte dos povos, e na Praça dos Três Poderes, onde o poder é exercido à revelia
do povo e contra o povo. O Evangelho diz que o povo que vivia no ‘centro do
mundo’ (Jerusalém) se deslocou à periferia (deserto) para escutar o profeta
João. E este é o rumo que precisamos seguir se quisermos que a humanidade tenha
futuro.
A Palavra de Deus
teima em afirmar que é do deserto e da periferia que vêm as notícias alegres
(Boas Novas), aquelas que anunciam que o Humano está nascendo e que um Outro
Mundo está sendo gerado. Mas isso pede inversão de perspectivas e conversão da
mentalidade. A novidade que vem do deserto é peregrina e vulnerável, não se
realiza nas ações potentes, nem chama a atenção. O agente de Deus (Messias)
nasce migrante e se hospeda na estrebaria; seus pés não conhecem o ruído de
botas de soldados, mas somente a ágil simplicidade das sandálias. O amor só tem
a força do dom e do martírio.
João Batista tem
consciência de que é apenas o precursor, de que o chamado à conversão será
seguido pelo anúncio de uma boa notícia, e que o retiro no deserto será
substituído pela estrada que leva aos povoados. “Depois de mim vai chegar
alguém mais forte que eu. Eu não sou digno sequer de me abaixar para desamarrar
as suas sandálias...” Sandálias lembram caminho, e caminho sugere discipulado.
A estrada a ser aberta no deserto é a estrada do seguimento de Jesus na
pobreza, no dom de si e na solidariedade. É a estrada que leva a Belém e a
Nazaré, e desemboca no calvário. É a estrada que nos faz todas/os irmã/os (“Fratelli tutti”).
Que ninguém queira
substituir as sandálias do carpinteiro pelas botas dos soldados arrogantes ou a
Boa Notícia pelas ameaças dos idiotas de plantão! Seguimento de Jesus não rima
com intolerância nem com shopping.
Conservar as sandálias e abrir caminhos é preciso! Mas, até quando
conseguiremos manter viva essa convicção e essa esperança? A realidade parece desmentir
o que acreditamos, e a história parece não considerar nossas utopias. Que São
Pedro nos encoraje! “Para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos é como um
dia”. Deus é paciente, mas nossa espera precisa ser conjugada com o imprescindível
empenho.
O/a discípulo/a não
encontra segurança senão na voz do Mestre, e o/a missionário/a só pode contar
com o poder da Palavra. É com isso que queremos realmente trabalhar? É essa a
estrada que nos dispomos a abrir e trilhar? Recorrendo à linguagem apocalíptica,
Pedro chama a atenção para a provisoriedade do tempo e para a precariedade das
instituições: tudo o que parece sólido e definitivo se transformará em ruínas e
cinzas. Em meio a isso, os cristãos se mantêm firmes na esperança de novos céus
e nova terra nova, nos quais habite a Justiça. Mas precisamos antecipar esta
esperança em ações cotidianas.
Ou seja, precisamos
mantermo-nos firmes e ativos na esperança. Jesus, Maria e José também viveram
pacientemente a aparente demora da manifestação de Deus. A espera se converteu
em preparação e discernimento para acolher a ‘Hora’ de Deus. Enquanto
esperavam, lançaram raízes na periferia, mergulharam fundo na Palavra de Deus,
exercitaram generosamente o cuidado com os cordeiros fracos e com as ovelhas
gestantes. E fabricaram muitas sandálias: para pés masculinos, femininos,
infantis, jovens...
Deus pai e mãe, pastor terno e dedicado! Fecunda
nossos ouvidos com tua Palavra criadora e abre nossos lábios para que
proclamemos que estás vindo à casa nossa e tua, e que trazes nos braços teus
filhos e filhas mais queridos/as. Converte nosso coração e abre nossos olhos,
para que sejamos capazes de contemplar a delicada coreografia cósmica que
acompanha tua chegada aos desertos e periferias: a verdade brotando da terra e
a justiça se inclinando do céu; a misericórdia e a fidelidade dançando e a
justiça e a paz se abraçando. E põe em nossos pés as sandálias dos/as
peregrinos/as indomáveis! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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