quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

ANO B | FESTA DO NASCIMENTO DE JESUS CRISTO | MISSA DA MANHÃ | 25.12.2020

Em Jesus, Deus diz sua Palavra, e a pessoa humana brilha!

Na manhã de hoje tudo está mais silencioso. Aproveitemos, pois, para compreender o sentido do Natal, colocando entre parênteses os apelos e ofertas do mercado, e pedindo ajuda aos primeiros cristãos. Por trás do hino do Evangelho segundo João e dos primeiros versículos da carta aos Hebreus, sugeridos para a liturgia de hoje, está uma experiência concreta e uma profissão de fé amadurecida numa busca longa e intensa, em meio a conflitos e perseguições. O coração desta Boa Notícia é a manifestação da glória de Deus na vulnerabilidade da carne humana. Benditos e belos são os pés de quem corre o mundo anunciando isso!

Tudo parte da gruta de Belém, e nela se sustenta. Mas não menos viva é a memória da vida inteira de Jesus, seu anúncio e sua ação polêmica e libertadora, sua condenação à morte na cruz dos proscritos. João tem isso bem presente quando nos fala da Palavra que estava junto de Deus e que era Deus, que é a Luz que brilha e que vence as trevas, que se faz Carne e vem habitar entre nós, que torna visível o Deus invisível. Na carta aos Hebreus, a comunidade cristã dá seu testemunho de que em Jesus, nascido na pobreza e perseguido pelos poderes políticos e religiosos, Deus nos falou de modo claro, concreto e definitivo.

Os conceitos e imagens que aparecem no poema-resumo do evangelho de João são vários e complementares: Palavra, Vida, Graça e Glória. Enquanto Palavra, Jesus, o filho de Maria e de José nascido em Belém, é a exteriorização da interioridade de Deus, e esse mistério não é uma lei, uma advertência ou uma doutrina, mas uma boa notícia que produz felicidade porque gera e sustenta processos de liberdade. A Palavra de Deus assume a carne humana e a vida histórica e corporal de Jesus como lugar no qual os homens e mulheres podem encontrar, tocar e acolher o próprio mistério de Deus.

O mesmo Jesus, filho de Maria e José, que nasceu em Belém e viveu como carpinteiro em Nazaré, que reuniu discípulos e foi por eles abandonado em Jerusalém, é portador da Vida plena e eterna, do “bem viver” e da “terra sem males” que todos os povos buscam sem descanso. Nele, esse bem viver é revelado e doado como comunhão profunda com o mistério de Deus, comunhão solidária com todas os pobres e vítimas, e comunhão graciosa com todas as criaturas. Em Jesus de Nazaré, a Vida mostra sua cara e sua força: nele não há lugar para o egocentrismo que amordaça, domina e mata. Somos “fratelli tutti”!

Na pessoa e no caminho histórico de Jesus de Nazaré, vislumbramos também a Graça de Deus, graça manifestada e encarnada, recebida e compartilhada. Nele fica claro que Deus não é um cobrador de dívidas calculista ou um juiz frio e legalista, mas um irmão e um hóspede no qual se mostram e sacramentalizam de modo inequívoco a gratuidade e o dom. A lei e a cobrança implacáveis vêm das velhas instituições, mas a Graça e a Verdade nós as recebemos por Jesus Cristo. Ele é a gratuidade de Deus em pessoa! Por isso Paulo pode escreves aos Hebreus: “Ele é o esplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser.”

Em hebraico, a palavra glória expressa o “peso”, a importância, o valor interior de uma pessoa, e isso se revela nas ações e relações, e requer o respeito dos outros. Por isso, manifestar a glória de Deus significa testemunhar sua ação libertadora, prosseguir nos diversos contextos sua ação humanizadora, reconhecer sua santidade nos acontecimentos históricos.  A metáfora da luz e da glória é frequentemente usada para ilustrar o esplendor e a vitória final de Deus, como aparece no relato do nascimento de Jesus (cf. Lc 2,9).  E João afirma: “Nós vimos a sua (da Palavra feita carne) glória, glória como do Filho único da parte do Pai”.

A tradição cristã afirma com ousadia que a glória de Deus se manifesta de modo incomparável e insuperável na crucifixão de Jesus, na sua fidelidade radical e amorosa à humanidade oprimida. Sendo a cruz o desfecho de uma inteira vida de amor, podemos dizer que na humanidade de Jesus vemos a glória de Deus. Os/as discípulos/as de Jesus são glorificados na medida em que participam do dinamismo do seu amor ou paixão pelo mundo. A glória de Deus é o ser humano vivo e liberto: eis nosso brilho, nosso peso, nosso valor!

Diante da tua pequenez gloriosa, Deus Menino, ajoelhamo-nos eternamente agradecidos. É desta tua Glória que todos necessitamos. É este brilho que todos buscamos, mesmo de forma inconsciente e quase desesperada. É desta Vida que se expande e se multiplica que temos fome. Queremos que esta graça nos plenifique e nos torne benfeitores da humanidade. Tu nos ensinas que é armando a tenda dos nossos sonhos em meio à humanidade peregrina que alcançamos a liberdade e a plena realização. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Isaías 52,7-10 | Salmo 97 (98) | Carta de Paulo aos Hebreus 1,1-6 | Evangelho Segundo João 1,1-18

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