sexta-feira, 4 de outubro de 2024

O Reino de Deus parece estar escondido aos grandes

O Reino de Deus é escondido aos grandes, mas se revela aos pequenos | 493 | 05.10.2024 | Lucas 10,17-24

Ao enviar os 72 discípulos para uma espécie de “estágio missionário”, Jesus havia insistido sobre o despojamento e a confiança, e havia também falado claramente que a rejeição e a perseguição estariam na agenda do missionário. Mas eles voltam e contam entusiasmados o sucesso obtido, e mostram-se deslumbrados com o poder que pensam ter sobre os espíritos maus.

Jesus joga “um balde de água fria” no fogo desse entusiasmo, e desloca o foco dos motivos de alegria dos discípulos missionários. A questão da derrota dos espíritos maus é relevante, pois significa o bloqueio e a anulação da resistência contra a novidade do Reino de Deus. Nessa perspectiva, a missão dos discípulos faz parte da derrota do mal e do restabelecimento da justiça. Quando Jesus diz que viu Satanás caindo, assinala claramente o fim do poder que ele tem sobre as pessoas e organizações e estruturas sociais.

Entretanto, para Jesus, a alegria dos seus enviados não deve estar nos fatos grandiosos e empolgantes que realizam, nas experiências de poder que fazem, mas no serviço eficaz ao Reino de Deus, na experiência de serem servidores e enviados dele, de serem mediadores da ação libertadora de Deus em favor dos oprimidos. Esta alegria claramente não vem do prestígio nem dos privilégios, mas da participação eficaz e generosa na missão de Jesus.

Depois de mais esta lição na escola de formação dos seus discípulos missionários, Jesus irrompe numa oração de júbilo e gratidão, na qual convida seus enviados a perceberem que eles fazem parte do coração ou do vértice da história da salvação: através deles se realiza aquilo que tantos crentes esperaram. Na inacreditável força da fraqueza está o coração da revelação cristã! Apesar da prepotência dos grandes, e por causa da fraqueza dos pequenos, o Reino de Deus vai abrindo caminho.

Jesus louva o Pai por dois motivos: porque Deus se revela aos pequenos e humildes, e mostra sua força exatamente na fraqueza deles; porque ele se esconde daqueles que se consideram sábios e entendidos, e não conta com eles como seus mediadores. Como Jesus está longe de tantos que hoje se apresentam como seus enviados, e gostam de contabilizar moedas, poderes e milagres...

 

Meditação:

§  Releia atentamente os versículos deste trecho do evangelho, perceba o entusiasmo infantil dos “estagiários na missão”

§  Acolha com atenção e serenidade de um discípulo a lição de Jesus sobre a verdadeira alegria

§  Você já sentiu entusiasmo diante do sucesso pastoral, imaginando que isso era unicamente mérito seu?

§  Como ajudar os evangelizadores a superar a tentação de valorizar apenas os grandes acontecimentos e os “evangelizadores” que fazem sucesso e tem poder?

Quem ouve o anúncio do Evangelho não pode permanecer indiferente

Quem ouve o anúncio do Evangelho não pode permanecer indiferente | 492 | 04.10.2024 | Lucas 10,13-16

No episódio do envio dos 72 discípulos, que meditamos ontem, Jesus nos apresentava uma espécie de cartilha ou guia da ação missionária. Jesus deixa claro, desde o início, que rejeição e a perseguição estão no horizonte. A casa é o ponto de apoio da missão, e a pobreza de recursos não é uma dificuldade, mas a garantia da autenticidade do anúncio. Na vida dos discípulos missionários não há lugar para qualquer reação violenta.

Os versículos de hoje prosseguem o tema anterior. Betsaida É a cidade de origem de alguns discípulos e discípulas de Jesus. Cafarnaum havia sido escolhida por Jesus para ser a cidade referencial de onde partia em missão e para onde voltava. Estes dois pequenos povoados tiveram a oportunidade de ver de perto a ação libertadora e formativa de Jesus. Conhecem ele e o estilo de vida dos seus discípulos não apenas por ouvir dizer.

É por isso que, mesmo não autorizando seus discípulos a fazer mais que bater o pó das sandálias quando seu anúncio fosse rejeitado, Jesus pronuncia palavras duras contra estas duas cidades. Entretanto, estas palavras não são, como parece à primeira vista, uma condenação, mas um contundente apelo à acolhida e à conversão. Ele não veio para julgar e condenar, mas para que o mundo seja salvo.

Jesus compara a postura destes povoados àquilo que aquilo ocorreu em dois outros povoados, considerados inimigos típicos do povo de Israel: Tiro e Sidônia. E afirma que se estes últimos dois povoados tivessem a oportunidade de ver e ouvir o que as pessoas de Cafarnaum, Corazim e Betsaida viram e ouviram, teriam se convertido. Os povos que os judeus consideram seus arqui-inimigos são melhores que eles, diz Jesus!

Este contundente apelo de Jesus à acolhida e à conversão termina com uma afirmação teológica, pastoral e espiritual: Jesus está presente na pessoa e na ação daqueles que ele envia, assim como o Pai está presente nele. Acolhê-los ou rejeitá-los, escutar e levar a sério o que eles dizem ou manter-se indiferente ou com “sua própria versão das coisas” é a “prova dos nove” da justiça e da santidade.

 

Meditação:

§  Releia atentamente o texto, retomando também os versículos que o antecedem e escutando atentamente as fortes palavras de Jesus

§  Não caia na tentação de imaginar que as advertências de Jesus são dirigidas a outras pessoas, cidades e comunidades

§  Você sente-se atingido/a pelas palavras de Jesus, interpelado/a a não fazer pouco caso do Evangelho e das suas testemunhas?

§  Você vê algum sinal indicativo de que estamos correndo o risco de reproduzir na Igreja a atitude do povo de Cafarnaum e Corazim?

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Ide anunciar minha paz sem olhar para trás

Ide anunciar minha paz sem olhar para trás, pois estarei convosco! | 491 | 03.10.2024 | Lucas 10,1-12

O texto do evangelho hoje, sugerido para a memória de André Soveral e companheiros (martirizados no Brasil pelos calvinistas holandeses em Natal no ano de 1645) vem a calhar para o início do mês missionário. Jesus envia um grupo de 72 discípulos para o precederem em todos os lugares para onde ele iria mais tarde, e para antecipar sua missão. Eles não são apenas uma espécie de “batedores”, que anunciam e abrem alas para a chegada do personagem esperado, mas verdadeiros protagonistas da missão, como Jesus e como o grupo dos 12 apóstolos.

Este grupo ampliado de discípulos missionários não substitui, nem simplesmente suplementa, o que os Doze Apóstolos não conseguem fazer. É um envio estável, paralelo e complementar ao grupo dos Doze, com uma missão específica e duradoura. Enquanto os Doze apóstolos são enviados prioritariamente aos judeus, este novo coletivo de discípulos missionários é enviado a todos os povos!

A imagem da colheita – quando chega seu tempo, não se pode demorar ou postergar o trabalho! – sublinha a urgência dessa missão. O conteúdo do anúncio não poderia ser mais claro: “O Reino de Deus está próximo de vocês!” E este anúncio é para todos os povos, e não apenas para os judeus e as pessoas justas. E é boa notícia, sem pedágio, para quem, por alguma razão, é menosprezado ou marginalizado!

Como a colheita, essa missão, que convoca e envia muitos, é real, concreta e necessária. Trata-se de anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus e de libertar ou reabilitar as pessoas. Dizer “paz a esta casa” não é saudação protocolar ou palavra vazia, mas convite eficaz à felicidade e à alegria já no presente, fruto do reinado de Deus em ação. É bem mais que desejar “a paz de Jesus”. André Soveral e seus companheiros testemunham que esta paz compartilhada, testemunhada e anunciada pode levar alguns a perder a paz.

Jesus apresenta também uma espécie de cartilha para orientar a ação missionária. A rejeição e a perseguição dão o tom da missão, e estarão sempre na sua agenda; a imagem do cordeio no meio dos lobos deixa isso claro! Os enviados devem partir desarmados e expostos, confiando unicamente em Deus e nos interlocutores. A casa (e não o templo!) é o ponto de apoio da missão, e a pobreza de recursos não é uma dificuldade, mas a garantia da autenticidade do anúncio.

 

Meditação:

§  Releia atentamente o texto, tendo diante dos olhos a missão que você desenvolve na Igreja e na sociedade

§  Que palavras ou afirmações iluminam e questionam mais fortemente sua missão e a missão da Igreja?

§  Santa Teresinha desejava fazer tudo ou assumir todas as vocações na Igreja, mas descobriu que vivendo o amor faria tudo... O que isso nos ensina e nos provoca hoje?

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Festa dos Santos Anjos

Deus cuida dos pequeninos, e a figura do Anjo da Guarda confirma isso | 490 | 02.10.2024 | Mateus 18,1.5-10

O calendário litúrgico da Igreja católica nos convida a celebrar hoje a festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael. Segundo a doutrina católica, os anjos e arcanjos existem realmente, e são servidores e comunicadores de Deus (cf. Catecismo 328-329). Santo Agostinho, por sua vez, nos ensina que o substantivo “anjo” designa mais uma tarefa ou uma ação (uma missão) do que um ser ou uma natureza.

No Antigo Testamento, o substantivo hebraico mal’ak designa o mensageiro de Javé, aquele que fala e age em nome dele, e não distingue claramente esse mensageiro do próprio Javé. A bíblia oscila entre a ideia do anjo como personalização da presença e da ação divinas e a de um ser autônomo. Mesmo fazendo parte da doutrina da Igreja católica, os anjos e arcanjos não fazem parte da nossa profissão de fé (Credo).

Mateus nos oferece diversas catequeses que Jesus dedica aos seus discípulos, a caminho para Jerusalém (cf. Mt 16-18). São orientações fundamentais para que a comunidade cristã viva um estilo de vida alternativo, testemunhando assim a força transformadora do Evangelho. A tentação do elitismo e do autoritarismo rondam a comunidade dos discípulos de Jesus desde sempre. A pergunta sobre quem é o maior no Reino de Deus o demonstra, e a resposta de Jesus quer cortá-la pela raiz. Para ilustrar a virada radical do Reino, Jesus recorre à figura da criança.

Aqui, a criança não é apenas sinal de inocência, mas de fragilidade, insignificância e marginalidade. Para Jesus, elas são o retrato perfeito da comunidade cristã, que nasceu para viver nas margens e ensaiar uma vida alternativa ao judaísmo e ao império romano. E a ideia do anjo da guarda vem, de alguma forma, confirmar o cuidado de Deus por ela. Esse estilo de vida é contracorrente, precisa ser aprendido e exercitado, e isso é exigente. Como as crianças, os discípulos de Jesus são preciosos aos seus olhos, são importantes por serem pequenos, e as autoridades cristãs tem o dever de protege-los. Eles podem se perder, e se tornar mais frágeis ainda.

O Pai não quer que nenhum deles se perca, e a comunidade deve assumir esse cuidado em nome de Deus. Por sua vez, os discípulos devem confiar totalmente na acolhida que o Pai suscita nas pessoas e povos aos quais forem enviados. Não somos grandes ou importantes pela origem, pela riqueza, pela educação, pela profissão, função ou pelo poder que exercemos, mas porque somos filhos amados do Pai e portadores do tesouro do Reino.

 

Meditação:

·        Você percebe as ambições e expectativas de reconhecimento e precedência que às vezes se insinuam nos seus trabalhos?

·        Como você se sente em relação à condição liminar (margem, insignificância, despojamento) dos discípulos de Jesus?

·        Você tem conseguido se exercitar na confiança no cuidado do Pai e na hospitalidade na sua prática comunitária e pastoral?