terça-feira, 30 de setembro de 2025

Candidatos a discípulo

Jesus nos dá liberdade e nos pede radicalidade

853 | 01 de outubro de 2025 | Lucas 9,57-62

A caminho rumo de Jerusalém, onde se daria um confronto decisivo com as autoridades religiosas, Jesus e seus discípulos não haviam sido bem acolhidos por cidadãos de uma vila da Samaria (cf. 9,51-56). Chateados, os discípulos pensam em retaliação, mas Jesus simplesmente procura outro povoado. Pouco a pouco, os discípulos percebem as exigências e consequências de seguir alguém como Jesus.

Neste contexto, o evangelista apresenta três situações típicas de pessoas que se apresentam como candidatas ao seguimento de Jesus, três diferentes experiências de encontro com ele. Um discípulo deve sempre saber que seguir um mestre significa compartilhar seu estilo de vida, seu sonho e seu destino. E Jesus é figura do profeta incômodo, e vive uma vida de refugiado, itinerante, sem alianças que possam-no proteger. E ele faz questão de deixar isso bem claro.

O primeiro exemplo típico de discípulo que Lucas nos apresenta é o de uma pessoa que parece ter tomado a decisão de seguir Jesus sem avaliar profundamente e sem pensar muito nas consequências. A ele, Jesus lembra que a disponibilidade para seguir seus passos supõe plena consciência e compromisso irrenunciável de partilhar o destino de uma pessoa perseguida, sem nenhuma proteção ou promessa de comodidade ou sucesso. “Sem eira nem beira”, diz-se em português.

O segundo exemplo é o de um discípulo que, tendo sido chamado por Jesus, não percebe a necessidade de ruptura radical com alguns costumes, e quer adiar a resposta para quando tiver cumprido suas obrigações familiares. No terceiro exemplo temos um discípulo que parece ceder à nostalgia, à dúvida e à incerteza. Quem quer ser discípulo de Jesus precisa morar no futuro, não no passado; buscar a novidade, não o que sempre foi; olhar para a frente, não para trás.

Nas condições interpostas por Jesus a estes três tipos de candidatos a discípulo temos o estatuto do discípulo consciente e maduro. Tendo descoberto o tesouro do Reino de Deus, o discípulo deixa tudo para viver novas relações e anunciar essa boa notícia sempre e em todo lugar. O Reino de Deus é o projeto de Jesus, mas não há muito sentido em apostar a vida num projeto. É o encontro e a relação com ele que dão sentido a uma decisão que compromete e muda a vida.

                                    

Sugestões para a meditação

·    Que tipo de vínculos, apegos e medos limitam sua entrega incondicional à vida nova inaugurada por Jesus e o Reino?

·    O que Jesus diria respondendo às suas objeções e justificativas?

·    Que iniciativas e passos você poderia dar para se tornar um/a discípulo/a cada vez mais maduro e generoso de Jesus?

§ O que poderíamos fazer para que nossas comunidades não se contentam em ser cumpridores de preceitos e não querem romper com valores e velhas práticas que mais escondem que testemunham o Reino de Deus?

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A intolerância

A intolerância não fica bem para um amigo de Jesus

852 | 30 de setembro de 2025 | Lucas 9,51-56

O breve texto do evangelho de hoje é uma espécie de dobradiça que une as duas partes do Evangelho segundo Lucas. Ele nos diz que “estava chegando o momento de Jesus ser elevado” (na cruz) e que, percebendo isso, ele “tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. A primeira parte apresenta o anúncio do reino de Deus e a formação dos discípulos, e a segunda, o desfecho da sua missão, em Jerusalém.

Lucas usa palavras que revelam uma decisão tanto brusca quanto solene por parte de Jesus. “Subir” a Jerusalém, “ser elevado” na cruz, “descer aos infernos” e “ser elevado ao céu” são expressões que apontam para o único e mesmo projeto predominante na caminhada de Jesus. A decisão firme (“rosto retesado”) denota a percepção e consciência de Jesus sobre os conflitos e as tensões que o esperavam.

Tendo tomado esta decisão em plena consciência, e tendo que atravessar a Samaria, Jesus envia seus discípulos à frente para preparar sua passagem. Desta vez, eles não são encarregados de anunciar nada, mas recebem a responsabilidade de organizar a hospedagem da caravana. Como havia previsto, a acolhida e a hospedagem foi negada quando os samaritanos souberam que Jesus estava se dirigindo a Jerusalém. Eles eram desprezados pelos judeus, e pensaram que, por estar peregrinando a Jerusalém, ele fizesse parte do grupo dos judeus ortodoxos.

Lucas quer chamar a nossa atenção para a atitude dos discípulos, e não para a rejeição por parte dos samaritanos. A reação de Tiago e João (que haviam participado com Pedro da cena da transfiguração) é uma reedição daquela atitude que esboçaram diante de uma pessoa que expulsava demônios em nome de Jesus, mas não os seguia. Em ambas as situações, a atitude condenada é a intolerância.

O desejo de fazer descer fogo do céu e destruir os samaritanos, já discriminados historicamente e tão desprezados pelos judeus, é uma reação ilustrativa de quem ainda não entendeu o caminho de Jesus, e espera dele apenas triunfo e glória. É uma visão fanática e uma atitude integrista, como está em moda de novo hoje, e não apenas no Brasil. Jesus repreende Tiago e João, e todos os que esperam dele apenas triunfo e glória. Ele não nos chama e envia para antecipar o castigo, mas para preparar espaços para acolhê-lo. Diante da rejeição, não cabe a violência.

                                    

Sugestões para a meditação

§ Contemple com a razão e com o coração a cena, e perceba a firmeza estampada no semblante de Jesus

§ Observe também os sinais de intolerância e raiva chispando nos olhos de João e Tiago, e dos demais discípulos

§ Será que também nós ainda vemos e esperamos em Jesus apenas glória e triunfo, e desejamos fugir do rebaixamento e da cruz?

§ Em que medida também nós pensamos que somos enviados para julgar e punir, e não para preparar espaços para Jesus

domingo, 28 de setembro de 2025

Gabriel, Miguel e Rafael

Os anjos são a presença carinhosa de Deus

851 | 29 de setembro de 2025 | João 1,47-51

O calendário litúrgico da Igreja católica nos convida a celebrar hoje a festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael. Segundo a doutrina católica, os anjos e arcanjos existem realmente, e são servidores e comunicadores de Deus (cf. Catecismo 328-329). Santo Agostinho, por sua vez, nos ensina que o substantivo “anjo” designa mais uma tarefa ou uma ação (uma missão) do que um ser ou uma natureza. Na liturgia eles estão juntos, e têm tarefas complementares.

De fato, no Antigo Testamento, o substantivo hebraico mal’ak (que traduzimos por anjo) é uma palavra que designa o mensageiro de Javé, uma entidade que fala e age em nome dele. Mas a sagrada Escritura não distingue claramente esse mensageiro do próprio Javé. A bíblia oscila entre a ideia do anjo como personalização da presença e da ação divina e como um ser autônomo. Em todos os casos, mesmo fazendo parte da doutrina da Igreja católica, os anjos e arcanjos não fazem parte da nossa profissão de fé (Credo Apostólico).

A cena e a Palavra apresentadas pelo evangelho que meditamos hoje estão no contexto do encontro de Jesus com os primeiros discípulos. Natanael, autêntico representante do povo de Israel, faz a experiência de ser escolhido e amado por Jesus mesmo antes de conhecê-lo e apesar de sua ideologia milenarista. Sua profissão de fé e sua adesão a Jesus estão no horizonte da fé nacionalista do seu povo, e oferece o contexto adequado para a primeira autodeclararão de Jesus.

Apresentando-se como templo, casa ou comunicação de Deus com a humanidade, Jesus nos reporta à imagem da escada que Jacó viu em sonho, uma escada que ligava a terra ao céu (cf. Gn 28,11-17) e que o levou a reconhecer a presença de Javé naquele lugar aparentemente vazio de Deus. Recorrendo a essa passagem, Jesus está falando de si como o Anjo do Pai, como o “lugar” ou a mediação da presença divina, como comunicação ou a relação permanente de Deus com a humanidade.

Acenando à imagem dos anjos que descem e sobem sobre o filho do homem, Jesus dá a entender que nele habita a glória ou o amor compassivo fiel de Deus, e se apresenta como acesso contínuo e permanente a Deus. Jesus não está interessado em provar a existência de anjos, mas em mostrar que ele é essa comunicação e presença que os anjos querem significar. Nele encontramos Deus e Deus vem até nós.

                                    

Sugestões para a meditação

§ Que papel você atribui aos anjos no seguimento de Jesus Cristo e na construção do seu Reino, e o que você pede ou espera deles?

§ O que significa para nós hoje crer que Jesus é o “anjo” de Deus, o espaço e o lugar humano no qual Deus habita e se comunica de modo pleno e permanente com a Humanidade?

§ Como viver o encontro com Jesus e seu Evangelho como um caminho para superar nossas visões limitadas de Deus?

sábado, 27 de setembro de 2025

O banquete e a miséria

A Palavra de Deus é sabedoria que orienta

850 | 28 de setembro de 2025 | Lucas 16,19-31

No capítulo 15 do evangelho, Lucas nos apresenta o apoio elogioso de Jesus a uma mulher que “desperdiça” tempo procurando uma moeda, a um pastor que “esbanja” cuidado com uma ovelha e deixa as outras noventa e nove de lado, e a um pai que “gasta” seus bens para festejar o retorno do filho que o renegara. Isso não nos parece um pouco estranho, habituados que estamos a sermos criteriosos e racionais?

Mais ainda: no início do capítulo 16, no qual se encontra a parábola de hoje, Jesus elogia um administrador que usa o dinheiro do seu patrão para criar vínculos de amizade e fraternidade, e, ao mesmo tempo, critica os fariseus, porque preferem ser “amigos do dinheiro” ao invés de usar o dinheiro para criar fraternidade. A parábola do rico e do pobre Lázaro está neste contexto de busca e acolhida solidária dos marginalizados e do uso correto dos bens materiais.

A parábola é bem conhecida, e é desnecessário descrevê-la. Ela apresenta dois personagens que não estabelecem nenhuma relação um com o outro: estão próximos – o pobre Lázaro está à porta da casa do rico! – mas não têm nada em comum. Mas os personagens não têm a mesma responsabilidade sobre essa falta de relação. Na verdade, foi a indiferença do rico que cavou o abismo – ou levantou o muro – que os separa, apesar da proximidade física. Apenas a morte os atinge por igual.

O foco da parábola é a urgência da conversão, e a atenção ao presente. A polêmica não se dirige exclusivamente contra os ricos, mas ressoa como alerta a todos àqueles que seguem Jesus. Chama a atenção para o lugar que a posse e o uso bens ocupa no Reino de Deus. Não é sinal de sabedoria desfrutar dos bens de forma egoísta. Não é prudente esperar um milagre fabuloso para se converter. Não é cristão viver de qualquer jeito, “de olho” na vida eterna.

E não há como ignorar o papel que a Palavra de Deus ocupa na orientação da nossa vida e do processo de conversão. Quando muitos deliram com milagres apresentados como espetáculo ao vivo e a cores, ou esperam desesperadamente um grande sinal, Jesus diz que nos basta a Escritura. Não há milagre capaz de mudar a vida de quem não se abre à Palavra de Deus, não exercita o diálogo, vive uma indiferença olímpica com tudo e com todos, e se recusa a acolher o outro como irmão.     

                                    

Sugestões para a meditação

§ Leia atentamente as duas cenas dessa parábola, percebendo as características de cada um dos dois personagens

§ Evite resvalar para a tentação de interpretar essa parábola como uma ilustração de como será a vida depois da morte

§ Como você se comporta em relação aos pobres e necessitados, especialmente aos que se organizam e lutam por seus direitos?

§ Por que os cristãos de hoje, mesmo tendo as escrituras e o testemunho de Jesus, não levamos a sério a solidariedade?

A Palavra de Deus em nossa vida

A Palavra de Deus é luz e alimento na caminhada

As comunidades cristãs católicas dedicam o mês de setembro à Palavra de Deus. Em parte, é graças ao movimento luterano que a Igreja Católica resgatou, mesmo que tardiamente, a centralidade das Sagradas Escrituras na vida cristã. Coube ao Concílio Vaticano II reestabelecer o necessário equilíbrio entre o Sacramento e a Palavra: os fiéis se alimentam concomitantemente da mesa da Palavra e da mesa da Eucaristia.

Segundo o Papa Bento XVI, a Palavra de Deus que chama as criaturas à existência, despoja-se da sua grandeza e da sua potência e faz-se pequena, tão pequena que cabe numa manjedoura. Desde então, a Palavra de Deus é ‘boa notícia’ com carne e rosto humanos. No alto da cruz, essa mesma Palavra faz-se silêncio clamoroso, não porque Deus se recuse a falar à Humanidade, mas porque nela ele diz tudo e tudo entrega.

Assim, nossa atenção reverente não se dirige mais simplesmente a um texto codificado num livro, mas àquele que é o Verbo Eterno. Deus nos fala mediante tudo aquilo que ele diz e faz. Não há palavra que supere os gestos de acolhida aos proscritos, as refeições solidárias com os excluídos, os braços abertos na cruz que Jesus compartilha com dois outros condenados. É nesses gestos que a Palavra de Deus adquire força e eloquência.

A vida, os gestos, a pregação e o ensino de Jesus são sempre uma Boa Notícia dirigida prioritariamente às pessoas e grupos humanos que são vítimas das relações sociais desiguais e violentas e uma interpelação profética àqueles que ferem e dominam, ou que se fazem indiferentes às dores e aos direitos humanos. Ao assumir a carne humana no estábulo de Belém e o grito dos excluídos na cruz, Jesus nos chama à fraternidade.

Nos últimos dias o Brasil assiste às artimanhas defensivas e criminosas do Congresso Nacional. Ele aprova leis que anistiam inimigos da lei e do povo, que protegem preventivamente políticos criminosos e legalizam a destruição do meio ambiente. Ao mesmo tempo, posterga a aprovação de medidas que visam beneficiar minimamente o povo. Nesse contexto, não há como não lembrar as palavras de Jesus e de outros profetas.

Amós (783-743 a.C.) acusa a elite do seu tempo: “Vendem o justo por dinheiro e o indigente por um par de sandálias. Pisoteiam os fracos no chão e desviam o caminho dos pobres” (2,6-7). E Miquéias (725-701 a.C.) provoca, com força: “Por acaso não é dever de vocês conhecer o direito? Vocês devoram a carne do meu povo e arrancam sua pele; quebram seus ossos e os fazem em pedaços, como carne no caldeirão” (2,1-3).

Jesus, que se diz “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), desmascara a falsa piedade dos líderes religiosos: “Ai de vocês! Sobrecarregam as pessoas com cargas insuportáveis, mas vocês mesmos nem com um dedo tocam nessas cargas” (Lc 11,46). “Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão... Serpentes! Raça de cobras venenosas!” (Mt 23,27.33).

Deus nos livre de usar sua Palavra como arma direcionada aos outros. Mas também não permita que a reduzamos a uma moral intimista, inofensiva e cinicamente alheia às dores e esperanças dos homens e mulheres do nosso tempo. Não nos ocorra cavar um abismo de indiferença que nos afaste dos pobres e suas necessidades (cf. Lc 16,19-31). Que a busca do Reino de Deus e sua justiça (cf. Mt 6,33) tenha prioridade sobre tudo o mais.

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul

Lázaro e o rico

FAZER-NOS PRÓXIMOS

O pobre Lázaro está ali mesmo, morrendo de fome à sua porta, mas o rico evita qualquer contato e continua a viver esplendidamente, alheio ao seu sofrimento. Não atravessa essa porta que o aproximaria do mendigo. No final, descobre horrorizado que um imenso abismo se abriu entre eles. Esta parábola é a crítica mais implacável de Jesus à indiferença ao sofrimento do irmão.

Ao nosso lado estão cada vez mais imigrantes. Não são personagens de uma parábola. São homens e mulheres de carne e osso. Estão aqui com as suas angústias, necessidades e esperanças. Servem nas nossas casas, caminham pelas nossas ruas. Estamos prendendo a acolhê-los ou continuamos a viver o nosso pequeno bem-estar, indiferentes ao sofrimento daqueles que nos são estranhos? Esta indiferença só se dissolve dando passos que nos aproximem deles.

Podemos começar por aproveitar qualquer ocasião para lidar com algum deles de uma forma amigável e descontraída, e conhecer de perto o seu mundo de problemas e aspirações. Como é fácil descobrir que somos todos filhos e filhas da mesma Terra e do mesmo Deus...

É elementar não rir de seus costumes ou zombar de suas crenças. Pertencem às profundezas do seu ser. Muitos deles têm um sentido da vida, da solidariedade, da festa ou acolhimento que nos surpreenderia.

Devemos evitar qualquer linguagem discriminatória para não menosprezar qualquer cor, raça, crença ou cultura. Torna-nos mais humanos experimentar vitalmente a riqueza da diversidade. Chegou o momento de aprender a viver no mundo como a aldeia global ou a casa comum de todos.

Eles têm defeitos, porque são como nós. Temos de exigir que respeitem a nossa cultura, mas temos de reconhecer os seus direitos à legalidade, ao trabalho, à habitação ou ao reagrupamento familiar. E mesmo antes disso, lutar para quebrar esse abismo que hoje separa os ricos dos pobres.

Cada vez mais estrangeiros vão viver conosco. É uma oportunidade para aprendermos a ser mais tolerantes, mais justos e, em última análise, mais humanos.

 

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O lugar da cruz

Qual é o sentido da cruz na caminhada cristã?

849 | 27 de setembro de 2025 | Lucas 9,43-45

Depois do diálogo formativo e revelador de Jesus com seus discípulos (9,18-22), Lucas descreve a cena da transfiguração de Jesus e relata a cura de uma criança epilética (cf. 9,23-42), passagens também omitidas na sequência semanal porque são indicadas para a solenidade da transfiguração. Nos três versículos propostos pela liturgia para hoje, Jesus volta a falar aos discípulos sobre seu destino como messias. É esta a cena e a palavra que meditamos hoje.

Como já vimos anteriormente, quando o povo manifesta um certo consenso sobre sua identidade profética, Jesus faz questão de insistir no caminho da paixão na cruz, manifestando sua certeza nada ingênua sobre o futuro. Como os discípulos nada percebem e têm dificuldades de entender, Jesus pede que eles “coloquem na cabeça” este seu anúncio. Jesus está, sim, na linha dos profetas, mas a sua profecia não é exatamente a mesma dos seus antecessores.

Jesus quer estimular nos seus discípulos e discípulas a coragem frente às hostilidades que ele e seus seguidores seguramente enfrentariam, mas aqueles que o seguem mais de perto continuam obcecados e iludidos com um messianismo político e poderoso, e não conseguem entender nem aceitar o que Jesus lhes diz, especialmente as consequências. Não há seguimento sem enfrentamento das dificuldades, não há fidelidade ao Evangelho sem discernimento das exigências das circunstâncias!

Com esse anúncio, e com a sua insistência num messianismo de compaixão e despojamento, Jesus quer “jogar um balde de água fria” no fogo do entusiasmo popular e nas aspirações desencontradas dos seus próprios discípulos. Ele baixa a ideia de um messias glorioso para a um messias despojado, compassivo e contra a miséria. Os discípulos e discípulas não entendem e têm medo de perguntar porque resistem a este caminho escolhido por Jesus, que seria também o caminho deles. A dificuldade deles não é intelectual, mas espiritual.

Não se trata apenas de uma dificuldade para entender, mas de uma resistência para aceitar. Essa dificuldade é claramente ressaltada por Lucas nestes versículos. A ambição de sucesso e de prosperidade deixa seus discípulos cegos e acorrentados. Quando, ao se referir a si mesmo, Jesus troca o substantivo “messias” por “filho do homem” não pretende outra coisa que desfazer essa ilusão que alimentam sobre ele, e preveni-los em relação ao que os esperaria no futuro. Será que nós, que seguimos Jesus em pleno século XXI, assimilamos sua lição?

 

Sugestões para a meditação

§ Retome a cena e as orientações de Jesus no evangelho de hoje

§ Deixe-se surpreender pelo encontro com Jesus e com seu ensino e sabedoria, abandonando as expectativas de coisas grandes

§ Como você acolhe o caminho de despojamento solidário em favor da humanidade que Jesus viveu e nos propõe?

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Jesus, quem é ele?

Que lugar Jesus Cristo ocupa em nossas decisões?

848 | 26 de setembro de 2025 | Lucas 9,18-22

Ontem refletimos sobre o trecho do evangelho no qual Lucas nos apresenta as perguntas e hipóteses que Herodes levantava sobre a identidade e a missão de Jesus. Perseguido pelo medo de enfrentar um concorrente, e de represálias por ter assassinado João Batista, o pequeno e impotente e violento rei da Galileia desejava ver Jesus por pura curiosidade, sem nenhuma vontade de levá-lo a sério.

Depois da multiplicação dos pães para os famintos, o próprio Jesus dá voz à pergunta sobre quem ele é, pedindo que seus discípulos o coloquem a par das opiniões que circulam no povo, e isso não porque estivesse preocupado com uma possível baixa do seu índice de popularidade. As opiniões convergem para sua identidade profética, de que ele é algum profeta importante que voltou à vida. Mas, pelo testemunho dos evangelistas, já sabemos que ele é mais que um profeta.

Jesus interroga os próprios discípulos, e espera dos seus discípulos uma resposta nova, pessoal, envolvente. Tomando a palavra em nome dos demais, Pedro embarca na ideia de que a chegada do messias esperado seria precedida pelo retorno do profeta Elias, e declara que Jesus é o messias/ungido de Deus. Sua resposta é formalmente correta, mas Jesus proíbe que isso seja anunciado ao povo, pois sente necessidade de corrigir e esclarecer o que significa reconhecer e proclamar que ele é o Messias (pois temos outros messias, inclusive um que sentou na cadeira presidencial!).

Para evitar mal-entendidos, Jesus evita falar de si mesmo como “Messias”, e prefere autodenominar-se “Filho do Homem”. Com isso, sublinha várias coisas: sua consciência da necessidade de enfrentar a violência e passar pela cruz; que a fidelidade e a coerência com a vontade do Pai desembocam na perseguição; que isso tudo faz parte do plano de Deus, mas não é uma espécie de suicídio premeditado; que o mistério de Deus e da salvação está profundamente imbricado na condição humana; que Deus mostra sua força na fragilidade, na pobreza e no despojamento.

Para Jesus, a vontade do Pai é absolutamente soberana, e não passa necessariamente pela religião e seus espaços e agentes, tanto que faz questão de ressaltar que é nas mãos deles que irá sofrer. Isso pede obviamente uma revisão da nossa ideia de Deus e uma crítica avaliação das práticas das Igrejas e seus agentes. Será que o querer de Deus é a multiplicação de dízimos, orações, cultos e novenas?

 

Sugestões para a meditação

§ Retome a cena, as palavras e as orientações de Jesus no evangelho de hoje

§ Deixe-se surpreender pelo encontro vivo com Jesus e com seu Evangelho, seu exercício diário de Leitura Orante

§ Procure superar a expectativa de que em Jesus seremos beneficiados por eventos grandiosos e miraculosos

§ Contemple a compaixão e a presença ativa de Jesus junto do povo, inclusive na perseguição e na morte na cruz

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Herodes e Jesus

Conhece Jesus quem segue seus passos

847 | 25 de setembro de 2025 | Lucas 9,7-9

Pelo que ele mesmo fazia e falava, ou pelo anúncio dos seus enviados, Jesus acabou despertando a atenção de Herodes, um “reizinho” arbitrário e violento, que não respeita ninguém, nem seu próprio irmão de sangue. Ele deseja conhecer Jesus, mas como um expectador cético, como um curioso que deseja ver uma exibição particular e exclusiva de milagres. Afinal, ele é rei, e faz por merecer!

Herodes fica intrigado com a pregação e a missão de Jesus. Seu desejo de vê-lo não nasce da busca da vontade de Deus ou do propósito de percorrer o caminho de um bom governo. Ele não sabe, ou não quer saber, que só conhece Jesus de verdade quem o segue, quem acolhe o anúncio do Reino de Deus e entra num caminho de conversão. Acabará se encontrando com Jesus mais tarde, na farsa do seu processo de condenação e morte, do qual ele é um dos protagonistas.

Herodes se questiona sobre a identidade de Jesus. Levanta hipóteses, e, nisso, é acompanhado pelo povo. Mas, enquanto o seu povo tenta interpretar Jesus no horizonte da prática profética, que conhece muito bem, Herodes, atordoado pela própria violência e pelos fantasmas do medo que dela nascem, imagina que Jesus é a reencarnação do profeta João Batista, que ele mandara matar. E teme perder para ele o poder que pensa ter, e que persegue tenazmente.

Tanto a mentalidade religiosa popular como as elucubrações de Herodes não levam em conta que Jesus, embora se pareça com os profetas de Israel, não cabe nos modelos proféticos antigos. Ele é diferente e maior que todos os profetas conhecidos. Por isso, a resposta madura e honesta à pergunta pela identidade de Jesus só será esclarecida no seguimento dos seus passos, até à sua morte. Quem perseverar até o fim conhecerá Jesus, e nele será libertado dos enganos e dominações.

Os discípulos farão este caminho de crescimento e amadurecimento da fé. Mas Herodes, mesmo se encontrando com Jesus como parte interessada do processo que o condenou à morte, e mesmo tendo oportunidade de fazer-lhe diversas perguntas a (cf. Lc 23,8-12), não o conhecerá de fato. Ele só deseja ver um milagre e se divertir. Por isso, quando encontra Jesus, trata-o com desprezo, caçoa dele e se alia à hipocrisia violenta e mortal de Pilatos.

 

Sugestões para a meditação

§ Retome a cena e as orientações de Jesus, ativando seu desejo sincero de encontrar Jesus e compreender sua Palavra

§ Deixe-se surpreender pelo encontro vivo com Jesus e seu Evangelho, abandonando a busca de eventos grandiosos e miraculosos

§ Que perguntas você se faz sobre Jesus, e em que grupo de personagens você o coloca? O que você diz dele?

§ O que precisamos melhorar na escuta e na leitura da Palavra de Deus para que não nos seja tirado o que pensamos saber?

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Testemunhas

Enviados para testemunhar o Reino de Deus

846 | 24 de setembro de 2025 | Lucas 9,1-6

Hoje somos convidados a meditar o episódio do envio missionário do “grupo dos doze”. Estamos diante da crônica de uma nomeação solene, onde cada nome é citado com ênfase. Isso acontece pouco antes de Jesus iniciar sua peregrinação a Jerusalém, e sabemos que, entre o chamado (cf. 5,1-12) e o envio dos discípulos, Jesus se dedica à formação diligente daqueles que doravante o precederiam e u representariam.

Lucas não nos apresenta propriamente o conteúdo doutrinal da missão, nem uma descrição pormenorizada das atividades, mas nos oferece uma espécie de “estatuto da missão” e descreve o estilo de vida daqueles que Jesus envia à sua frente. O foco da missão é claramente pressuposto: o anúncio do Reino de Deus, mostrando através de ações e sinais (curas e exorcismos) que Deus chega para nos libertar de todas as escravidões. Jesus envia seus escolhidos para fazer o mesmo que ele faz, e é ele o responsável por essa iniciativa.

Quanto ao estilo de vida dos missionários, Jesus enfatiza alguns poucos elementos: eles devem ir a todo canto, fronteira ou periferia, sem demora e sem exclusões ou omissões; não devem levar nada em termos de apoio poderoso e ostensivo, e confiar plenamente na hospitalidade dos interlocutores; não devem esperar sucesso ou reconhecimento pela missão realizada; precisam contar com a incompreensão e a rejeição; por fim, precisam manter-se desapegado e livre de tudo.

Sem prometer facilidades nem prosperidade a quem é enviado em seu nome, Jesus assegura, entretanto, a mesma força e o mesmo dinamismo que sustenta ele mesmo na missão que Pai lhe confiou. Lucas chama este dinamismo de poder e autoridade. Mas se trata de força e autoridade que brotam da fidelidade e da coerência de vida, e têm como finalidade anunciar o Evangelho do Reino de Deus, acolher, curar e libertar com eficácia, como faz o próprio. Não é da espécie de poder ou autoridade para mandar ou dominar ninguém!

O despojamento que Jesus pede dos seus enviados não significa desprezo pelos bens materiais ou recursos culturais e tecnológicos, mas reforça a necessidade de focalizar tudo no anúncio e no testemunho das novas relações suscitadas pelo reino de Deus. Jesus também deixa claro que não nos envia para multiplicar louvores e invocações, para simplesmente purificar o coração, nem para ensinar doutrinas e impor uma certa moral. No início, na meta e na prática da missão estão o anúncio de um novo tempo, e essa nova era chamada Reino de Deus, é antecipada pelo testemunho.

 

Sugestões para a meditação

§ Coloque sua experiência de vida eclesial e social, aquilo que você faz, sob a luz desse envio de Jesus

§ Em que consiste sua prática missionária? Qual é o conteúdo e quais são os gestos? Eles traduzem uma boa notícia aos pobres e sofredores?

§ Como está sua confiança na hospitalidade daqueles a quem você é enviado em missão?