Como se fosse um rei…
Os meios de comunicação social ainda comentam abundantemente a renúncia
do Papa. A imprensa precisa das novidades, normais ou trágicas, como o vampiro
necessita do sangue das suas vítimas. Um jornalista experimentado afirmou com a
notícia, para merecer este nome e ser boa, precisa ser como o café: forte, quente
e, se possível, instantânea.
Já partilhei, neste espaço, minha opinião sobre a renúncia do Papa. E
prometi a mim mesmo não voltar a este assunto, pois o tema não me parece assim
tão transcendente e muito do que podemos dizer sobre o que nos espera nos
próximos dias não passa de suposição ou de imaginação. O próprio porta-voz do
Vaticano se desdobra para explicar o inexplicável e num dia se vê obrigado a expplicar,
corrigir ou desmentir o que comunicou no dia anterior (como ocorreu no caso da
nomeação do direitor do ‘Banco do Vaticano’). Pobre Padre Lombardi...
Porém, vejo-me obrigado a engolir minha própria palavra e reconhecer que,
sobre este acontecimento, li mais do que pretendia, e li reflexões
interessantes. Sem entrar no mérito das matérias jornalísticas ou teológicas
publicadas em diversos meios e espaços, gostaria de me deter hoje em três
aspectos: a reação à renúncia; a mistificação do processo eletivo; e a total
exclusão do povo de Deus o processo de escolha dos Papas. Mas devo dizer que
são apenas opiniões e hipóteses.
É impressionante a unanimidade das opiniões em torno dessa decisão de
Bento XVI. Dos cristãos mais anônimos e piedosos aos purpurados mais altos e
interessandos, passando pela imprensa em geral, todos elogiam a liberdade e a
humildade dessa decisão de Bento XVI. Como isso se explica? É a típica reação
de uma massa submissa à decisão do seu soberano
absoluto. Não importa o que o soberano decide: ele sempre tem razão. Teve razão
João Paulo II, quando ‘carregou a cruz’ do papado quase se arrastando. E tem igualmente
razão Bento XVI quando renuncia e ‘desce da cruz’. Toda a ovação dirigida hoje
a Bento XVI se voltará ao novo soberano, quando chegar sua vez. Este é um
comportamento de massa, infantil, submisso, dependente. Será que estou
enganado, ou estou exagerando?
E tem a questão da fumaça de gelo seco que ‘o pessoal da Igreja’ faz
subir quando se trata de abordar o processo de eleição dos papas. Insistem que ‘o
Papa é escolhido pelo Espírito Santo’, e com isso liquidam a questão. Não
precisamos ser especialistas em história para listar um sem-número de papas
eleitos sob pressão de reis e príncipes, dos poderosos de plantão. E não é
necessário ser antropólogo, psicólogo ou teólogo para saber que o Espírito
Santo age mediante pessoas concretas, e que os princípios gerais (inclusive os
princípios de fé) costumam operar mediante decisões essencialmente humanas. Ou
seja: quem elege o papa são pessoas concretas, sujeitas à influência dos
próprios valores e medos, assim como das visões e projetos de Igreja e de
Sociedade que se cristalizam em movimentos e instituições muito concretas,
mesmo quando se escondem. Como esquecer aquilo que aconteceu na eleição de
Bento XVI em 2005?
Devo dizer também que ando intrigado e às vezes chego a me irritar com a
superficialidade interesseira dos formadores de opinião e homens de Igreja que
se recusam a discutir a atual composição do colégio que elege o papa. Além de
apontar para o gritante desiquilíbrio da representação universal (como
justificar que a Itália tenha tantos eleitores no Conclave?), é preciso
questionar fortemente a exclusividade dos cardeais (nomeados de acordo com uma certa
linha política, teológica e cultural) na eleição do sumo pontífice.
Definitivamente, não existem razões convicentes para excluir os leigos e
leigas, os bispos e padres, os religiosos e religiosas deste processo. É claro
que a Igreja não pode ser reduzida a uma simples democracia (representativa),
mas jamais pode se contentar em ser menos
que uma democracia. Está mais que na hora da Igreja escolher responsavelmente
o modelo que a inspira (monarquia ou democracia) e criar os mecanismos que possibilitem
um processo transparente de eleição e de controle da atuação dos seus líderes,
sejam bispos e cardeiais ou seja o Papa. Mas um soberano absoluto não é eleito
e nem deve ser supervisionado...
Há séculos tem vigorado na Igreja o modelo da monarquia absoluta, encoberto
e justificado por um misticismo pouco menos que mentiroso. Mas não é tempo de
colocar este tema sobre a mesa e enfrentá-lo com maturidade e responsabilidade?
E, não me entendam mal, isso não significa reduzir a Igreja a uma instituição
como qualquer outra. O caráter sagrado e espiritual da hierarquia e dos
ministérios está na sua efetiva subordinação ao Evangelho de Jesus Cristo e à
construção do Reino de Deus, e não a palavras ou símbolos vazios de fé, de amor
e de esperança. Um processo de discernimento verdadeiramente cristão não é
assegurado pelo simples segredo, mas pela submissão ao Espírito de Jesus, à sua
Boa Notícia e serviço a todos os homenes e mulheres, prioritariamente aos
pobres.
Itacir Brassiani msf
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