quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

ANO A – FESTA DO BATISMO DE JESUS – 09.01.2017

A solidariedade é o cumprimento da justiça de Deus!

O hábito católico de batizar as crianças logo que nascem não pode obscurecer a inteligência e nos levar a esquecer que o batismo pregado e realizado por João Batista não gozava de estima junto às autoridades religiosas do judaísmo. Esta prática não lhes parecia ortodoxa, tinha conotações de insubordinação e de inovação inaceitáveis, claramente contrárias aos interesses e à doutrina do templo. Por isso, desfrutemos da festa do batismo de Jesus como uma boa oportunidade para compreender mais clara e profundamente o sentido deste rito e sacramento cristão.
Os doutores da lei ensinavam que os incontáveis pecados do povo ignorante suscitava a ira de Deus, que havia fechado o céu e encerrado sua comunicação com a humanidade. O povo, por sua vez, estava acostumado aos anúncios ameaçadores e à violência simbolizada na quebra da cana rachada e na extinção da frágil luz das velas. A lei judaica, tanto a lei escrita como a lei consagrada pela tradição oral, dizia que só o templo e seus agentes autorizados, mediante sacrifícios e holocaustos, poderia lavar culpas e perdoar pecados. Fora do templo não poderia haver salvação!
João Batista ousa contrariar estas prescrições e práticas. Proclama que Deus não cobra nada para perdoar, e anuncia que a água abundante do rio Jordão lava as culpas que pesam sobre as costas dos mais pobres. Pede que se aproximem todos aqueles que desejam endireitar as estradas da própria vida e da sociedade, que desejam sinceramente “verter” a vida noutra direção e reestabelecer a justiça. Como os três magos mostraram claramente no natal, João Batista recorda, muitos anos depois, que os caminhos da graça de Deus n­ão passam necessariamente por Jerusalém e pelo templo...
Uma multidão de gente cansada e abatida, vergada sob o peso de uma pesada canga de leis e condenações, acorre a João num lugar perdido à beira do rio Jordão. Gente humilde e humilhada, pobre e empobrecida, ignorante e ignorada, anônima e taxada de pecadora. Gente com fome de tudo: de pão, de justiça, de beleza, de graça, de acolhida, de cidadania. Muitos habitantes de Jerusalém, da Judéia e da região do rio Jordão, cansados e vergados sob o peso da doutrina oficial e sedentos de um Deus diferente, saem à procura do Profeta de hábitos simples e palavras exigentes.
Já adulto e prestes a assumir sua missão pública, Jesus deixa a Galileia e vai à procura de João Batista em meio a essa gente, anônimo, na mesma fila, com os mesmos sentimentos. Como tantos outros conterrâneos, Jesus também deseja endireitar caminhos, nivelar colinas, eliminar desníveis. Ele quer deslocar o centro para a periferia e a periferia para o centro, e preparar um povo bem disposto. Mesmo jovem, Jesus de Nazaré já tem a lucidez de quem percebia que do templo não poderia vir nada de novo e nada de bom. Seu batismo é participação solidaria nas tentativas, buscas e sonhos do seu povo.
João pressente nessa atitude de Jesus algo novo e em desacordo com as práticas usuais. Percebe que está em curso uma inversão revolucionária. “É eu que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” Mas percebe também que a justiça não pode ser realizada parcialmente. A encarnação de Deus deve atingir a humanidade em sua dimensão mais profunda, e Jesus entra na fila dos pecadores e se identifica com eles. Com seu batismo, Jesus Cristo manifesta ao mundo a compaixão de Deus, sua incrível capacidade de padecer-com, de assumir o lugar dos últimos, das vítimas.
Mas é também por isso que, no batismo de Jesus, a voz do Pai diz que este filho é a expressão mais profunda e gloriosa da sua complacência, do seu prazer, da realização plena do seu ser e sua vontade. Deus não é apenas compaix­ão, mas também complacência! E isso porque Jesus passa pelo mundo fazendo o bem, mostrando que Deus não discrimina pessoas ou religiões, e o faz assumindo o caminho do serviço, o papel de Servo. Ele revela a paternidade de Deus recriando os vínculos que irmanam a todos, começando pela acolhida dos últimos. Bem diferente do porta-voz do rei, que anunciava suas más e ameaçadoras notícias ao povo quebrando uma cana e apagando uma vela...
Deus querido, Pai e Mãe dos homens e mulheres que aceitam o desafio de renascer da água e do Espírito, do sonho e da Palavra: te agradecemos porque nos acolhes como filhas e filhos amados, como servos e servas deste povo que amas. Conserva-nos no caminho do teu Filho, para que sejamos o próximo de uma gente que se sente como cana vergada e como pavio que se esvai. Faz de todos os batizados um fator de aliança entre os fracos, instrumento de justiça para quem é desprezado. E não nos deixes cair na tentação de uma justiça parcial ou superficial, disposta a aceitar subornos para fazer-se cega. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 42,1-7 * Salmo 28 (29) * Evangelho de São Mateus 3,13-17)

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