Jesus elimina o pecado
que fere e aprisiona a nossa liberdade!
Com a
festa do batismo de Jesus, celebrada na última segunda-feira, chegamos ao fim o
ciclo litúrgico das festas natalinas e iniciamos o ciclo do tempo comum. Neste
segundo domingo do tempo comum, a Igreja nos propõe uma espécie de apresentação
de Jesus. O pequeno trecho do Evangelho que nos é proposto hoje é rico de
imagens, e nos mostra João Batista em maturidade profética, dando testemunho de
Jesus e apresentando-o como Cordeiro de
Deus e como aquele que, doando-nos o Espírito, elimina o pecado do mundo e
arca com suas consequências.
No dia anterior à cena de hoje, ao ser interrogado sobre sua própria
identidade, João respondera claramente que ele não era Elias, nem o Profeta,
nem o Messias, mas alguém enviado a preparar o caminho para a vinda do Messias,
diante do qual reconhecia sua própria pequenez e transitoriedade (cf. Jo
1,19-28). No dia seguinte, vendo Jesus vindo ao seu encontro, declara: “Eis o
Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo.” E completa: “Mesmo tendo
vindo depois de mim, ele passou à minha frente, me superou... Quando ele desceu
às águas dos penitentes, tudo foi ficando claro para mim...”
Esta imagem de Jesus Cristo como Cordeiro de Deus
adquiriu um lugar importante na tradição cristã e é recordada até hoje em cada
celebração eucarística. No livro do Apocalipse, essa a metáfora do Cordeiro é aplicada
a Jesus e aparece frequentemente. Ele é o Cordeiro ferido mas vitorioso e
glorioso, sentado no trono. Mas os cristãos também são chamados de cordeiros
(cf. Jo 21,15). Na imagem do cordeiro vemos
quase que espontaneamente a mansidão e a docilidade, ou então a ideia de sacrifício
ou de ‘bode expiatório’. Mas, na santa Palavra, o próprio Deus nos adverte que
ele não pede de nos sacrifícios e oblações, mas ouvidos abertos à sua voz e aos
clamores da criação (cf. Sl 39/40).
É importante ressaltar que, apresentando Jesus como Cordeiro de Deus,
João quer apresentá-lo como o Cordeiro pascal da tradição judaica, o sinal de
comunhão do povo na memória, no sonho e na luta pela liberdade. O Cordeiro
pascal celebrava a história e a utopia libertária do povo de Israel, que, com o
passar do tempo, acabou sendo ligada quase exclusivamente a uma etnia, uma
nação e uma cultura. Ultimamente, com o processo de privatização da experiência
religiosa, a imagem do cordeiro terminou sendo refém de uma espiritualidade intimista
e desencarnada.
João apresenta Jesus como o Cordeiro que tira o pecado do mundo. Mas escutemos
atentamente: trata-se de tirar o pecado, não de expiar; e o profeta se refere
ao pecado no singular, e não a pecados diversos; é algo que existe antes de
Jesus, que não se define apenas pela relação com ele. Este ‘pecado do mundo’ se
condensa na recusa do projeto de Deus e na submissão aos sistemas que se fecham
em torno dos interesses privados e das violências e mentiras que sua manutenção
exige. Somente o dom Espírito pode fazer o ser humano uma realidade nova,
renascida e capaz de amar e dar a vida, como o próprio Jesus.
Enquanto Servo e Cordeiro de Deus, Jesus leva a sério esta missão sem
fronteiras. E começa indo ao encontro das ‘ovelhas perdidas’ ou marginalizadas
do povo de Israel. Depois, abre as portas do Reino de Deus a todos as pessoas,
classes, povos, etnias e crenças. Nele, com ele e por ele, nenhum povo ou
indivíduo é considerado inapto, incapaz ou indigno da vida abundante do Reino.
Todas as pessoas, grupos e povos são chamados à liberdade e à vida, a todos é
prometido e concedido o Espírito de liberdade e de serviço. É isso
que Paulo destaca nas primeiras linhas da sua carta aos Coríntios.
O
apóstolo Paulo diz que, em Jesus Cristo, todos os seres humanos, inclusive
aqueles que são chamados de pagãos, são chamados a serem santos. Acabaram as
hierarquias que privilegiam uns e descartam muitos! Então, acolhendo o anúncio
convicto de Paulo e a palavra-de-ordem de João Batista, repetida em cada
Eucaristia no convite à comunhão, assumamos alegremente nossa dignidade de
filhos, herdeiros e enviados, e engajemo-nos sem reservas na missão de tirar o
pecado do mundo, a fim de que o mundo seja cada vez mais a casa comum dos
filhos e filhas de Deus.
Jesus de Nazaré, Cordeiro pascal, memória e esperança
de uma liberdade radical: confirma-nos como discípulos na escola do serviço
despojado e fiel, lúcido e eficaz à plena liberdade dos nossos irmãos e irmãs.
Faz do teu Espirito libertário e renovador a lei maior do nosso sentir, pensar
e agir. Abre cada dia de novo nossos ouvidos à Palavra que pronuncias mediante os
gemidos da criação. E ajuda tuas Igrejas a compreender que não queres
sacrifícios, doutrinas e sacramentos, mas amor que serve, palavra que anuncia e
estimula, celebração que resgata a dignidade e a grandeza dos pobres. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 49,3-6 *
Salmo 39 (40) * Carta de Paulo aos Coríntios 1,1-3 * Evangelho de S. João
1,29-34)
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