Ninguém duvide que o amor sem limites enobrece o ser humano!
A festa cristã da
Páscoa celebra o reconhecimento de Jesus como Filho de Deus. Proclama que,
nele, Deus vence todas as formas de morte, desde a morte física dos indivíduos
até a morte progressiva e massiva que resulta das estruturas iníquas e dos
poderes despóticos, passando pela superação do medo e do pavor de doenças e
vírus, que matam nossa alegria de viver. A páscoa anuncia que Jesus, a pedra
sem utilidade e descartada, foi considerado por Deus como pedra fundamental da
construção de um mundo novo.
É isso que escutamos
no testemunho entusiasmado e corajoso de Pedro na casa de Cornélio. Ele recorda
que Jesus viveu fazendo o bem e agindo sem medo, apesar da violência que havia
levado João Batista à morte. E sublinha que Deus estava com Jesus, quando
parecia havê-lo abandonado. Foi o próprio Deus que o ressuscitou dos mortos e
transformou em juiz aquele que fora réu de morte. E os discípulos, apesar da
dificuldade de acreditar nele e de tê-lo abandonado, são constituídos
testemunhas desta Boa Notícia. “Não há santo sem passado, nem pecador sem
futuro”, ensina o venerável vietnamita François van Thuan.
A Páscoa de Jesus de
Nazaré celebra as infinitas possibilidades de vida escondidas em cada pessoa, em
cada luta humana e social, e no mistério de todas as criaturas. A fé pascal afirma
que a última palavra não será daqueles que impõem sua injusta ordem e mandam
calar os profetas. Proclama que a ação realmente eficaz e grávida de futuro é o
reconhecimento e o cuidado do outro, da vítima, do pequeno. Evidencia que o
sentido da vida está no esquecimento de si, no exercício de uma liberdade que
se faz solidariedade.
E é claro que ressurreição
não é uma realidade que se manifesta apenas depois da morte. Paulo afirma que
já ressuscitamos. Ele fala do dinamismo pascal do nosso batismo, que
possibilita e requer a passagem de uma vida fechada nos pequenos interesses a
uma vida plena e solidária. “Procurem as coisas do alto!”, nos pede Paulo. E
isso significa centrar-se no amor e no cuidado, no serviço e na partilha, no
compromisso generoso com a gestação de um outro mundo. “Confessar que Jesus deu
o seu sangue por nós nos impede de ter qualquer dúvida acerca do amor sem
limites que enobrece todo ser humano” (Texto-Base da CF, § 175).
Mas a ressurreição é
algo que se impõe com força de evidência. Ela nunca vem acompanhada de
manifestações potentes. Mesmo que a manhã já se anunciasse, a experiência do
fracasso pairava como escuridão intransponível sobre Madalena e os demais
discípulos. Só muito lentamente eles vão percebendo que os lençóis não estavam
lá para cobrir um cadáver, mas para acolher as núpcias de uma nova aliança.
Precedido e encorajado por Maria, o discípulo amado entrou na sepultura, “viu e
acreditou”.
A fé na ressurreição começa
com uma sepultura vazia, diante da qual Maria Madalena foge alarmada. Avisados
por ela, Pedro e João correm e, chegando, entram na sepultura vazia. Eles
acreditam, mas não se movem. Somente mais tarde Madalena abrirá os olhos,
quando será chamada pelo nome. E os discípulos desanimados reconhecerão Jesus na
acolhida a um forasteiro e na partilha do pão com ele. A fé abre-lhes os olhos
para a verdadeira realidade da vida, e, doravante, eles verão nos pobres o
rosto de Jesus, e dele cuidarão. No meio de olhares individualistas e
indiferentes, que negam e agridem a dignidade da vida, as comunidades cristãs precisam
aprender o olhar de Jesus, “devem ser um oásis de misericórdia” e, em tempos de
isolamento social, serem “lugar do afeto, da ternura e do abraço” (cf.
Texto-Base da CF, § 198-199).
A Páscoa de Jesus de
Nazaré inaugura a nova criação, que não é uma simples correção do passado,
perdão dos pecados, ou vitória sobre a morte física. Jesus de Nazaré, o
ressuscitado que passou fazendo o bem e traz no corpo as marcas da tortura, é o
Homem Novo, o Primogênito de todas as criaturas e o Irmão universal. Ele “nos
entregou uma luz que brilha nas trevas”, diz o Papa Francisco. “Defenda-a,
proteja-a. Aquela única luz é a maior riqueza que lhe foi confiada. E,
sobretudo, sonhe! Não tenha medo de sonhar! Sonhe um mundo que ainda não se vê,
mas que por certo chegará” (Texto-Base da CF, § 229).
Deus Pai e Mãe, útero sagrado no qual a Vida é gerada
e regenerada, nós te agradecemos pela luz e pela força da ressurreição de Jesus
Cristo que hoje estamos celebrando. Aqui renovamos a convicção de que o Filho
do Homem e Irmão dos Pequenos se tornou juiz dos vivos e dos mortos, dos que
escravizam e dos que são escravizados, dos que morrem e dos que mandam matar. Hoje
redescobrimos nossa vocação de sermos semente que morre para ser fecunda, e viveremos
em nossas casas recolhidos e cantando, espantando nosso medo e demonstrando
nossa alegria e nossa comunhão. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Carta de Paulo aos Colossenses 3,1-4| Evangelho de
São João 20,1-9
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