quarta-feira, 1 de abril de 2020

ANO A | TEMPO QUARESMAL | DOMINGO DE RAMOS | 05.04.2020


A justiça misericordiosa é nossa origem e nosso destino!
O relato da entrada de Jesus em Jerusalém, solenemente proclamado no Domingo de Ramos, nos convida a abandonar as fantasias de poder e de sucesso que alimentamos e projetamos nele. Não há nada de triunfal. Vindo da Galileia, Jesus entra na capital do seu país montado numa jumenta. Nada de cortejos de honra, de generais cobertos de medalhas e de discursos oficiais de acolhida. Para Jesus, a justiça que brota da misericórdia esteve na sua origem, marcou sua missão e selou seu destino (cf. Texto-Base da CF, § 129).
Ele chega em Jerusalém caminhando à frente de um numeroso e desorganizado grupo de discípulos e discípulas. O povo da capital não o conhece e tem medo dele. Mas o pessoal que o acompanha desde a Galileia ou que vive na periferia da capital o aclama com entusiasmo e acolhe como o Messias esperado. “Bendito o que vem em nome do Senhor!” Como o velho Simeão, essa gente reconhece naquele homem que tinha ouvidos, palavras e ações libertadoras em favor dos últimos o Enviado de Deus.
O que aquela pequena multidão de pobres e estropiados faz é aclamar o despontar do Reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Mas Jesus não realiza as ações potentes que esta ideologia apregoava. Ele se apresenta como o Servo paciente e ouvinte atento da Palavra anunciado por Isaías, e é dessa escuta que brota uma palavra que desperta as pessoas adormecidas e encoraja as multidões acorrentadas pelo medo. A Palavra de Jesus será apenas o incondicional e solidário de si mesmo na cruz.
Sabemos que o entusiasmo daquela gente que vinha do interior ou vivia na periferia da capital não se sustentará por muito tempo. Os próprios discípulos, depois de terem se unido às multidões e terem saudado Jesus como o Messias esperado, voltam atrás e o abandonam. Os gritos de ‘hosana’ – Socorro! Deus nos salve agora! – logo darão lugar ao insolente e violento pedido ‘Crucifica-o!’, fruto da frustração das expectativas e da manipulação interesseira das autoridades políticas e religiosas de Jerusalém.
Mas a divisão progressiva que estava se criando entre os próprios discípulos, assim como a possibilidade concreta de traição, não fazem Jesus mudar seu rumo. É verdade que ele se sente abatido e chega a se perguntar sobre o que fazer; enfrenta um discernimento difícil, e pede aos discípulos que vigiem com ele. A oração no Getsêmani foi um confronto com a vontade do Pai e com a traição que se desenhava no coração dos próprios discípulos, mas Jesus se mantém fiel ao caminho que havia traçado, sob inspiração do Espírito.
Aquele que o cortejo havia saudado na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado e pregado na cruz. Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da pretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido. E para os discípulos, essa foi a pedra que irrompeu no meio do caminho.
Diante do crucificado, as autoridades ridicularizam e desafiam Jesus a salvar a própria pele, e ele mesmo parece mergulhar num turbilhão escuro e protestar contra o abandono por parte dos próprios amigos e até por parte de Deus. “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra.” Mas Jesus acaba experimentando a consolação na radicalização do dom incondicional de si mesmo: “E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto abaixo, a terra tremeu e as pedras se partiram...”
É da boca de um soldado pagão se ouve a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “Ele era mesmo Filho de Deus!” O que aquele soldado viu que os outros não viram? Viu aquilo Simeão reconhecera trinta anos antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem defendendo a vida. Naquele homem pregado na cruz, mas absolutamente fiel no seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade de Deus.
Jesus de Nazaré, justiceiro dos pobres e herdeiro do pequeno e humilde pastor Davi. Abre nossos ouvidos para que prestemos atenção como discípulos, e dá-nos palavras adestradas para confortar as pessoas abatidas e as multidões assustadas diante da pandemia que atinge o mundo inteiro. Envia-nos teu Espírito, para que saibamos acolher-te como és e permanecer firmes aos pés da cruz. E agracia-nos com a alegria profunda que só experimentam aqueles que fazem contigo o caminho da descida que esvazia e despoja e da solidariedade que nos faz humanos. Este é o único caminho que enriquece e liberta verdadeiramente. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 50,4-7 | Salmo 21 (22)
Carta de Paulo aos Filipenses 2,6-11 | Evangelho de São Mateus 21,1-11; 27,11-54

Nenhum comentário: