A justiça misericordiosa é nossa origem e nosso
destino!
O relato da entrada de
Jesus em Jerusalém, solenemente proclamado no Domingo de Ramos, nos convida a
abandonar as fantasias de poder e de sucesso que alimentamos e projetamos nele.
Não há nada de triunfal. Vindo da Galileia, Jesus entra na capital do seu país
montado numa jumenta. Nada de cortejos de honra, de generais cobertos de
medalhas e de discursos oficiais de acolhida. Para Jesus, a justiça que brota
da misericórdia esteve na sua origem, marcou sua missão e selou seu destino
(cf. Texto-Base da CF, § 129).
Ele chega em Jerusalém
caminhando à frente de um numeroso e desorganizado grupo de discípulos e
discípulas. O povo da capital não o conhece e tem medo dele. Mas o pessoal que
o acompanha desde a Galileia ou que vive na periferia da capital o aclama com
entusiasmo e acolhe como o Messias esperado. “Bendito o que vem em nome do
Senhor!” Como o velho Simeão, essa gente reconhece naquele homem que tinha
ouvidos, palavras e ações libertadoras em favor dos últimos o Enviado de Deus.
O que aquela pequena
multidão de pobres e estropiados faz é aclamar o despontar do Reino messiânico
inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Mas Jesus não realiza
as ações potentes que esta ideologia apregoava. Ele se apresenta como o Servo
paciente e ouvinte atento da Palavra anunciado por Isaías, e é dessa escuta que
brota uma palavra que desperta as pessoas adormecidas e encoraja as multidões
acorrentadas pelo medo. A Palavra de Jesus será apenas o incondicional e
solidário de si mesmo na cruz.
Sabemos que o
entusiasmo daquela gente que vinha do interior ou vivia na periferia da capital
não se sustentará por muito tempo. Os próprios discípulos, depois de terem se
unido às multidões e terem saudado Jesus como o Messias esperado, voltam atrás
e o abandonam. Os gritos de ‘hosana’
– Socorro! Deus nos salve agora! – logo darão lugar ao insolente e violento
pedido ‘Crucifica-o!’, fruto da frustração das expectativas e da manipulação
interesseira das autoridades políticas e religiosas de Jerusalém.
Mas a divisão
progressiva que estava se criando entre os próprios discípulos, assim como a
possibilidade concreta de traição, não fazem Jesus mudar seu rumo. É verdade
que ele se sente abatido e chega a se perguntar sobre o que fazer; enfrenta um
discernimento difícil, e pede aos discípulos que vigiem com ele. A oração no
Getsêmani foi um confronto com a vontade do Pai e com a traição que se
desenhava no coração dos próprios discípulos, mas Jesus se mantém fiel ao
caminho que havia traçado, sob inspiração do Espírito.
Aquele que o cortejo
havia saudado na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus
permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado
e pregado na cruz. Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão
representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da
pretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de
sentido. E para os discípulos, essa foi a pedra que irrompeu no meio do
caminho.
Diante do crucificado,
as autoridades ridicularizam e desafiam Jesus a salvar a própria pele, e ele
mesmo parece mergulhar num turbilhão escuro e protestar contra o abandono por
parte dos próprios amigos e até por parte de Deus. “Desde o meio-dia até as
três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra.” Mas Jesus acaba
experimentando a consolação na radicalização do dom incondicional de si mesmo:
“E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto abaixo, a terra tremeu e as
pedras se partiram...”
É da boca de um
soldado pagão se ouve a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão
que fazia em plena tarde. “Ele era mesmo Filho de Deus!” O que aquele soldado
viu que os outros não viram? Viu aquilo Simeão reconhecera trinta anos antes:
que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem defendendo a
vida. Naquele homem pregado na cruz, mas absolutamente fiel no seu amor pelos
últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade de Deus.
Jesus de Nazaré, justiceiro dos pobres e herdeiro do
pequeno e humilde pastor Davi. Abre nossos ouvidos para que prestemos atenção
como discípulos, e dá-nos palavras adestradas para confortar as pessoas
abatidas e as multidões assustadas diante da pandemia que atinge o mundo
inteiro. Envia-nos teu Espírito, para que saibamos acolher-te como és e permanecer
firmes aos pés da cruz. E agracia-nos com a alegria profunda que só
experimentam aqueles que fazem contigo o caminho da descida que esvazia e
despoja e da solidariedade que nos faz humanos. Este é o único caminho que
enriquece e liberta verdadeiramente. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário