A pedra rejeitada tornou-se princípio e fundamento da vida!
Como quando falece uma
pessoa querida, reunimo-nos hoje em vigília, marcados pela dor da perda,
recapitulando a história da salvação, regando as frágeis sementes de esperança
que restam. Acompanham-nos tantas testemunhas que nos antecederam nessa
travessia. Mas a vigília sempre nos possibilita também assumir a herança
espiritual de quem partiu, levantar o olhar, contemplar o horizonte e encontrar
forças para continuar a caminhada. Aqui estamos, acariciando o pequeno fio de
esperança e nossa resistência.
É ilusório imaginar
que a vida muda num golpe de mágica. A ação criadora de Deus é sempre lenta, e
avança numa luta sem tréguas contra o vazio e o caos. Como os hebreus fugindo
do Egito, quem luta se vê frequentemente encurralado, com o mar imenso à frente
e as tropas ameaçadoras atrás. Nossa experiência ainda hoje é de que existem
pessoas lutadoras e iniciativas promissoras, mas são frágeis e estão muito
dispersas. Como identificar os sinais e caminhos de páscoa em tal situação?
O vazio da sepultura
não é prova da ressurreição. Mas é um sinal e um convite a perceber que as
marcas dos pregos e o corpo torturado de Jesus não são a última palavra de Deus
sobre a história. Na tumba vazia, anjos e mulheres ensinam que o caos do lixo
pode dar lugar a uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser
atravessado a pé enxuto, que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os
crucificados caminham à nossa frente e vislumbram novidades em gestação.
Precisamos abrir-nos às novas possibilidades escondidas no núcleo duro e quase
indivisível do átomo, no íntimo das pessoas e nos caminhos da história!
Aquelas mulheres
madrugadoras – as poucas conhecidas e as muitas anônimas! – nos ensinam que os
sinais palpáveis da ressurreição só podem ser tocados na periferia (“Ele vai
para a Galileia na frente de vocês, lá vocês o verão”) ou na missão (“Agora
vocês devem ir e dizer aos discípulos dele e a Pedro...”). É neste caminho de
saída que as três mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas,
pedindo que se alegrem, e que não tenham medo. O lugar onde ele estava deixa de
ser-lhes importante, pois, doravante, o que importa ou conta é ir para onde ele
está, para a Galileia daqueles/as que não importam ‘não contam’.
Como cristãos,
completamos em nossos corpos os sofrimentos de Jesus Cristo, ostentamos as
marcas de quem vive para servir. A ressurreição se multiplica como semente no
testemunho e nas iniciativas de discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas,
grupos e movimentos. Como na ressurreição de Jesus, os sinais são pequenos,
quase desprezíveis, mas igualmente reais e promissores. O batismo, recordado e
celebrado comunitariamente na vigília pascal, expressa este dinamismo e esta
promessa na vida de cada um/a de nós e da comunidade eclesial. Morreu o velho
homem, nasceu uma nova criatura!
Já vivemos e sofremos
o bastante para sabermos que esta passagem não é nem automática, nem evidente.
Trata-se de um projeto de vida que, para ser realizado, exige disciplina e
empenho sem tréguas. Porque não se trata de lutar apenas contra inimigos/as
externos, mas de vigiar sobre nós mesmos/as e nossas instituições, sobre a
permanente tentação de ser sempre o primeiro, o superior, o mais digno, o
merecedor. Mas esta não é uma luta inglória, pois Jesus, nosso irmão maior, já
venceu a batalha, removeu muitas pedras, derramou sobre nós seu Espírito e nos
tornou capazes de lutar e vencer com ele.
Os primeiros cristãos
resgataram uma imagem muito significativa para falar da ressurreição de Jesus:
Ele é como uma pedra que os construtores jogaram no lixo, e que Deus
transformou em pedra que sustenta todo o teto em forma de abóbada. Por isso, a
páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e grupos sociais que
são desprezados por serem diferentes, descartados por parecerem inúteis, ou
eliminados por serem incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas
preocupações e projetos eclesiais, nossa fé poderá ser como casa construída
sobre a areia, e nossa utopia pode se deteriorar em simples ideologia. Na cruz,
Jesus destruiu os muros que separam. Do que era dividido, ele fez uma unidade!
Senhoras da madrugada, mulheres-coragem: humildemente
lhes pedimos ajuda para caminhar na noite que nos envolve, para ver com nossos
próprios olhos que o Mestre de vocês e nosso nos precede na fronteira, na
periferia e no deserto. Segurem nossas mãos cansadas e firmem nossos passos
inseguros. Emprestem-nos um pouco do perfume que vocês souberam guardar, a fim
de não chegarmos de mãos vazias ao encontro com Aquele que vive para sempre. E
então anunciaremos, de mil modos, que a carne amada e amante de Jesus vivifica
todos os sonhos e esperanças que habitam nossa teimosa humanidade. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário