Carta à elite econômica do Brasil
Diminuir as desigualdades e a pobreza é,
também, um ato de inteligência
Prezados senhores e senhoras:
Primeiramente, gostaria de relembrar alguns indicadores sociais do nosso país.
Apesar de sermos um dos mais ricos e uma das maiores economias do mundo, 52 milhões de
brasileiros vivem na pobreza (renda de até R$ 436 mensais) e 13 milhões na
extrema pobreza (renda de até R$ 151
mensais).
Mais de metade dos brasileiros de 25 anos ou mais
não concluiu a educação básica, e 33,1% não terminaram o ensino fundamental.
Cem milhões de brasileiros não têm acesso a sistemas de esgotamento sanitário,
e 35%, à água tratada. Quarenta e quatro mil brasileiros são assassinados por
ano, a maioria de negros e pobres. O Brasil está em 105º lugar no ranking da
mortalidade infantil, o principal indicador da infância.
Somos
o sétimo país mais desigual do mundo, superado apenas por algumas nações africanas. As
nossas desigualdades são escandalosas. Entre homens e mulheres, entre brancos e negros. Os
5% mais ricos auferem 95% da renda nacional, e 10% possuem 74% das riquezas.
Em São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, a diferença da idade média ao
morrer entre o distrito mais pobre e o distrito mais rico é de 24 anos! Em
plena pandemia, o Brasil tem 20 bilionários a mais (revista Forbes), enquanto a fome atinge 9% da população!
Vários de vocês ajudaram a eleger um presidente que, ainda como candidato, proclamava sua
admiração pela ditadura militar e fazia apologia à tortura. Assistiram calados
aos desmandos dos dois primeiros anos do seu governo, que nos conduziram à
maior calamidade sanitária do mundo e de nossa história.
Países
de primeiro mundo que vocês tanto admiram chegaram à simples e óbvia conclusão:
para qualquer coletivo dar certo, as empresas ou um país, é fundamental ter uma
relação harmoniosa entre as pessoas. E o
que causa a desarmonia, os conflitos, é a injustiça, a desigualdade. Portanto,
é necessário construir uma sociedade com menores desigualdades possíveis. Para
isso, governo e sociedade, com apoio de empresários conscientes, elaboraram uma
agenda: democracia participativa
(mais democracia, menos desigualdades), educação
pública de qualidade para todos, sistema
tributário progressivo, políticas públicas que, sem
exceção, buscam reduzir as desigualdades etc. Foi isso que, por exemplo,
aconteceu nos países
escandinavos, que eram muito pobres e hoje lideram todas as
classificações mundiais, em qualquer área.
Vocês têm enorme poder econômico e, portanto,
político. Têm acesso privilegiado aos políticos. Ações filantrópicas que alguns de vocês praticam são muito bem-vindas.
Melhoram a vida dos beneficiários. Mas o
que transforma um país, pela escala, são as políticas públicas.
Vocês deveriam usar
vosso poder para que sejam implementadas legislações e políticas que reduzam as
desigualdades. Por exemplo, poderiam aproveitar a reforma tributária para
termos uma renda mínima universal, financiada por um sistema tributário
progressivo. No Brasil, pobres pagam
proporcionalmente mais impostos que ricos, que vocês! Diminuir as desigualdades
e a pobreza é, também, um ato de inteligência. É uma estupidez não construir um mercado interno muito maior.
Tenho o privilégio de conviver com empresários que
têm essa visão. Infelizmente, são uma minoria. Vocês deveriam se juntar a eles. Vocês, da nossa elite econômica (da
qual faço parte), deveriam se sentir constrangidos por nossos indicadores
sociais, pelas vergonhosas desigualdades em nosso país. Vossa responsabilidade
é proporcional ao vosso poder. Mesmo que tardiamente, é hora de agir para
construir um futuro melhor e mais honroso para o nosso país.
Oded Grajew
(Empresário israelense, naturalizado
brasileiro, com importante atuação no terceiro setor)
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