A compaixão é o segredo da felicidade e da fraternidade.
Por detrás da pergunta sobre como ganhar a vida eterna está a ideia de
salvação, de uma vida madura e plenamente realizada. E a discussão que perpassa
os evangelhos é sobre o caminho mais dire seguro para salvação. E este caminho
não e a submissão à lei, como ensinavam os escribas e fariseus, mas outro
caminho, menos rígido, mais humano e misericordioso.
Para Jesus, o caminho da salvação não
passa pelo cumprimento escrupuloso da lei mas pela compaixão para com as
vítimas e todos os sofredores, mediante ações concretas de solidariedade. Nada
de indiferença diante do sofrimento humano. Para ele, o amor pleno a Deus se
concretiza na ação urgente e generosa em benefício das pessoas necessitadas.
Esta é a reposta de Jesus à pergunta
do doutor da lei. Mas o homem da lei se esconde atrás da discussão sobre quem é
o nosso próximo. Jesus não acrescenta mais uma norma ao monte de leis que
existiam. Ele estabelece uma perspectiva nova e exigente: a aproximação e o
socorro a quem mais necessita. Quem fica perguntando “quem é o meu próximo?”,
ou “o que eu tenho a ver com ele”, perdeu o rumo e o ritmo do Evangelho.
Jesus evita cair numa discussão
abstrata e infinita em tordo da definição teórica do conceito de “próximo”. O
porta-voz do judaísmo sabe muito bem como a lei de Moisés descreve o próximo a
quem o judeu deve amor: a pessoa pertencente à família, à tribo, ao clã, à
nação; e, eventualmente, o hóspede, fosse ele um escravo ou um estrangeiro
peregrino. Aos outros, pode-se mostrar indiferença, desprezo e até ódio.
Jesus prefere abordar essa questão
crucial recorrendo a uma parábola. O sacerdote e o levita são personagens que
representam claramente o judeu piedoso e correto, dedicado ao templo e ao
cumprimento das leis. O samaritano representa todos os grupos étnicos e povos
que os judeus desprezam, criticam e excluem, o pecador típico, aquele que vive
à margem da lei e a transgride irremediavelmente.
Para Jesus, a solidariedade concreta
e desinteressada vale mais que culto e a lei. É ela a motoniveladora que abre
largos caminhos para a salvação, a virtude que desvela uma vida madura e plena.
E o samaritano – considerado herético, bastardo e impuro pelos judeus – está
mais próximo de Deus que o sacerdote e o levita, porque se aproxima da pessoa
ferida e é compassivo, enquanto que o sacerdote e o levita, obcecados pelas
leis e pelo templo, se afastam dela e se mostram indiferentes.
Jesus inverte a pergunta do escriba e
pergunta pelo sujeito e não pelo objeto do amor. Com a parábola, não apresenta
apenas um belo exemplo, mas abre uma nova perspectiva. O amor concreto é
solicitado e definido pela pessoa necessitada, que pode ser até inimiga. O amor
nos faz livres e criativos! O paradoxo é que o protótipo do amor que nos salva
e nos redime é a pessoa mais desprezada, e o doutor da lei deve imitá-lo.
Recentemente o Papa Francisco nos
brindou com uma profética e interpeladora exortação: Fratelli Tutti. Nela, o Papa
argentino toma a cena do samaritano como fio condutor de uma rica abordagem
sobre a amizade social e a fraternidade sem fronteiras. E chama nossa atenção
para um paradoxo: os personagens mais piedosos são os que mostram maior
indiferença e negam a solidariedade que gera um mundo fraterno. São eles que
arruínam os mais profundos desejos de uma fraternidade que inclua todas as
criaturas e comece pelas mais frágeis.
Jesus de Nazaré, divina humanidade que se aproxima de todos os homens e mulheres assaltados, dominados e abandonados mais mortos que vivos nas sarjetas do mundo: nós te agradecemos porque não tomas distância nem fazes volta para desviar de nossa bela e chagada humanidade. E te pedimos a graça de ser semelhantes a ti, visceralmente humanos e iluminadamente divinos, pois é isso que nos proporciona a vida eterna. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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