Qual é hoje a única “coisa” realmente boa a indispensável?
Para entender
corretamente o ensinamento de Jesus transmitido por Lucas no evangelho de hoje
precisamos colocar a cena no seu contexto literário: o caminho firme de Jesus a
Jerusalém e a parábola do bom samaritano. A estrada é a escola na qual Jesus dá
as lições essenciais aos discípulos/as. Jesus sai da estrada, que é
símbolo da abertura, e entra numa cidade, símbolo de fechamento. A mulher que o
recebe a chefe da casa, e seu nome significa literalmente ‘patroa’.
No episódio
anterior, Jesus deixara claro que é socorrendo e atendendo às pessoas
necessitadas que nós amamos e servimos a Deus. O que provoca a
agitação de Marta é a necessidade de cumprir o código de leis que o judaísmo
impunha aos fiéis, e que acabava afastando-os da compaixão e da misericórdia
(cf. Lc 10,25-37), a tarefa de governar a casa e o desejo de controlar a
própria vida, garantir a satisfação dos desejos e acumular riquezas (cf. Lc
8,14; 12,24-34).
Essas
preocupações levam Marta a querer corrigir o Evangelho e dar ordens ao próprio
Jesus. “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o
serviço? Manda, pois que ela venha me ajudar”. A “senhora” Marta age bem ao
estilo de alguns pregadores que querem reescrever o Evangelho para que sirva às
ideologias do capitalismo, do patriarcalismo e do armamentismo. Mas Jesus
ensina que o único bem necessário é sentar-se diante dele, dispostos a aprender
seu Evangelho e seguir seus passos com a disposição de partilhar seu destino.
Eis o núcleo
da questão: a escuta da Palavra viva de Jesus Cristo é condição para um
ministério apostólico frutuoso. Enquanto Marta faz aquilo que é aparentemente
mais seguro, urgente e eficaz, Maria faz o que é mais importante e fundamental.
Maria faz a única coisa que é correta e boa do ponto de vista do Evangelho. Por
isso, Jesus não fala simplesmente que ela escolheu “melhor parte”, mas que “uma
só coisa é necessária”, e que Maria “escolheu a parte boa, e esta não lhe será
tirada”. Isso não é um elogio à passividade, mas uma outra forma de afirmar
aquilo que bom samaritano fez na parábola que Jesus acabara de contar.
Em outras
palavras, a única coisa necessária, capaz de expressar e potencializar o
dinamismo de uma vida terna e eterna, é o amor a Deus, conjugado com a
compaixão pela pessoa humana, especialmente pelas vítimas. É isso que
precisamos aprender e reaprender aos pés de Jesus, deixando de lado outras
coisas que, com sua aparente urgência, não fazem outra coisa que provocar agitação
e badalação. Para que serve a infinidade de leis canônicas, rubricas litúrgicas
e normas disciplinares se não ajudam a renovar e consolidar esta escolha
fundamental?
Alargando
essa reflexão para o horizonte social e cultural, podemos dizer que o que nos
preocupa, agita e impede uma escuta atenta e engajada do Evangelho é nosso
desejo de levar vantagem em tudo, de ser o primeiro, de salvar a própria pele
sem se preocupar com os outros, de superar ou derrotar os outros. E então, não
temos olhos nem ouvidos para os migrantes que adentram nossas fronteiras, nem
para os desempregados por uma economia sem coração. Damo-nos por satisfeitos
com cultos bonitos, templos cheios e carteiras gordas.
Paulo se
alegra nos sofrimentos que enfrenta por causa da comunidade, e está disposto a
completar em sua carne o que falta às tribulações de Cristo. Acolhendo o
ministério que Deus lhe confiou, faz-se servidor da Igreja e se desdobra para
que a Palavra de Deus chegue efetivamente a ela. Paulo não diz que o sofrimento
é santificação, mas que a adesão a Jesus Cristo e o fazer-se próximo dos
últimos deve contar com a possibilidade de sofrer a oposição e as agressões
vindas de quem não aceita mudança alguma, nem mesmo do coração.
Jesus, mestre de lições inesquecíveis nos caminhos
da história! Tua Igreja vive tempos difíceis e tentadores. Crescem as
exigências e o apreço por liturgias irretocáveis e por normas tão claras quanto
discriminadoras. E isso acaba deixando os ministros preocupados com muita coisa
e impedindo-os de sentarem-se aos teus pés para escutar tua Palavra. Reconduz
nossas comunidades à tua escola, faz com que elas se sentem aos teus pés, para,
contigo, saírem solidárias ao encontro das pessoas necessitadas para servi-las.
Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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