sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Nos passos de Jesus, somos libertados do medo

Nos passos de Jesus, somos libertados do medo e das ambições | 610 | 01.02.2025 | Marcos 4,35-41

Recorrendo a diversas parábolas, Jesus havia acabado de desenvolver uma longa catequese sobre o misterioso dinamismo do Reino de Deus. Diante da rejeição da parte das autoridades religiosas, e frente à incompreensão dos próprios familiares, Jesus sente necessidade de intervir para manter a esperança e ativar a paciência.

Parece que o esforço de Jesus estava dando poucos frutos. Dominados por medos e amarrados por muitas preocupações mesquinhas, os discípulos do tempo de Marcos enfrentam as dificuldades de modo muito diferente de Jesus. Atravessando o mar revolto da vida no mesmo barco, Jesus permanece confiante e tranquilo, enquanto que eles se apavoram. Os discípulos têm dificuldades de aceitar o dinamismo, as exigências e consequências do Reino de Deus. Não conseguem confiar a Deus e seu reino a própria vida.

Parece também que a Palavra de Jesus, a Boa Notícia do Reino encontrou nos próprios discípulos uma terra dura, rasa ou infestada de ervas daninhas. Eles têm a impressão de que correm o risco de morrer, e não percebem que o que está morrendo neles é a Boa Notícia do Reino de Deus. Pensam que Jesus não se importa com eles, e não percebem o tanto que os ama e preza. Eles ainda precisam percorrer um longo caminho para que uma fé que os sustente. O medo das perdas ainda se sobrepõe à confiança.

Jesus é acordado por eles, e fala forte, ordenando que silenciem estas agitações e se cale a voz dissidente do medo que ameaça seus discípulos. Eles precisam conhecer melhor quem é este profeta da Galileia, esse mestre que ensina com autoridade e enfrenta as forças e instituições que se opõem ao querer de Deus.

Os discípulos da primeira hora precisam superar a insistente e crônica divergência com Jesus. Precisam descobrir, compreender e acolher o cerne da sua pregação e missão: o Reino de Deus chegou, e é graça que liberta; ele pede mudança das pessoas e estruturas; dá prioridade aos pobres e aos meios mais frágeis; e passa pela cruz, pelo dom de si mesmo. Em que medida também nós ainda precisamos assimilar essa realidade?

   

Meditação:

·    Releia o texto com atenção, relacionando-o com as repetidas crises nas quais o seguimento de Jesus coloca seus discípulos

·    Você consegue perceber a agitação e o medo de muitos católicos na passagem de uma fé intimista a um engajamento no mundo?

·    Não ocorre também a nós pensar que Jesus está longe ou indiferente dos ventos e ondas que ameaçam a humanidade?

·    Será que também nós não necessitamos conhecer melhor quem é esse Jesus em quem dizemos ter posto nossa confiança?

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Conjugar a paciência com a urgência

Que Jesus nos ensine a conjugar a paciência com a urgência | 609 | 31.01.2025 | Marcos 4,26-34

Na passagem imediatamente anterior, Jesus ensina que, como a semente pode ser esterilizada pelas condições da terra que a recebe, a luz pode ser escondida por falta de compreensão ou de coragem. A Boa Notícia do Reino de Deus precisa brilhar de modo inequívoco na vida cotidiana dos discípulos e discípulas de Jesus, caso contrário, a fé que proclamam com a boca será absolutamente estéril.

Hoje Jesus continua falando do mistério do Reino de Deus, agora com as parábolas do semeador confiante e da pequena semente. Por trás destas parábolas está uma experiência desoladora: o resultado da pregação de Jesus e os sinais do reino de Deus estavam sendo pouco encorajadores; ele fora abandonado pela família, era perseguido pelas autoridades, e precisava andar discreto, longe das cidades.

Com estas duas parábolas, Jesus quer despertar nos discípulos tanto a paciência quanto a esperança. Ele afasta a ilusão de que a transformação provocada pelo reino de Deus possa ser rápida e triunfal. O importante é encontrar o solo correto, lançar as sementes e acreditar que elas têm em si mesmas a força para se desenvolver e derrubar os poderosos.

Jesus também chama à esperança, pois aquilo que hoje pode parecer pequeno e insignificante, como a desprezível e quase invisível semente de mostarda, se transformará em árvore frondosa, capaz de abrigar os povos. O caminho do Reino de Deus, que é caminho pavimentado pela paciência e pela esperança, é o caminho da não violência e da luta pela justiça; a liderança se torna serviço, o sofrimento frutifica em triunfo e a morte desabrocha em vida.

Ensinando isso, Jesus não desaconselha nosso engajamento lúcido e perseverante nas lutas sociais e todas as demais legítimas causas. Ao contrário, ele lembra que a simples agitação ativista não nos livra da areia movediça da injustiça. Precisamos da sábia paciência e da esperança do homem do campo para não destruir com os pés apressados aquilo que fazemos com as mãos operosas.

 

Meditação:

§ Releia o texto com atenção as duas parábolas, relacionando-as com a parábola do semeador e com as ações libertadoras de Jesus

§ Será que, com nossa agitação e nosso ativismo eclesial, não corremos o risco de atrapalhar o dinamismo próprio do Reino?

§ Será que também nós às vezes não demonstramos frustração com os aparentes pequenos frutos do nosso trabalho missionário?

§ Que atitudes são fundamentais para que nosso engajamento seja uma efetiva colaboração com a dinamismo do Reino de Deus?

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Prestemos atenção àquilo que ouvimos

Prestemos atenção àquilo que ouvimos, e não escondamos a luz! | 608 | 30.01.2025 | Marcos 4,21-25

No trecho do evangelho de ontem, lemos, meditamos e rezamos o logo texto da parábola do semeador e uma das interpretações possíveis. Esta interpretação é importante porque é colocada na boda do próprio Jesus, como resposta à pergunta que brota da incompreensão dos discípulos. É uma chamada a examinar as disposições com que os discípulos escutam e acolhem a semente do Reino de Deus.

O texto de hoje, que vem depois da parábola do semeador, é um alerta a quem pensa que já entendeu o mistério do Reino de Deus. O próprio Jesus nos adverte: “Prestai atenção no que ouvis!” O Evangelho de Deus não nos é dado para ser parte de um rito religioso, para ser guardado meticulosamente por exegeses e interpretações eruditas e cuidadosas, nem para ser lido em ocasiões especiais ou encontros protocolares. Se fosse assim, que força teria a Boa Notícia?

O Evangelho, tal como foi ensinado e vivido por Jesus, deve brilhar como luz que nos ajuda a ver as pessoas com o olhar de Deus e apreciar os acontecimentos com lucidez e responsabilidade. É ele que revela a maldade escondida em pacotes cuidadosamente embrulhados e a mentira solenemente escondida em discursos tão falaciosos quanto piedosos. É à luz do Evangelho que se revela a relação intrínseca entre fé e vida, entre salvação e libertação. Afinal, a palavra tem a força e a credibilidade de quem a pronuncia.

A Palavra de Deus é como semente e luz: como a semente, pode ser anulada pela inadequação da terra que a recebe; como luz, pode ser escondida por falta de compreensão ou falta de coragem de quem a acolhe ou quem a prega. A Boa Notícia do reino de Deus precisa brilhar de modo inequívoco na vida cotidiana dos discípulos e discípulas, ou a fé que proclamam com a boca será uma falácia.

O recém-falecido Papa Bento XVI ensinava que, em Jesus, a Palavra de Deus, pela qual tudo é criado, se encolhe e abrevia, a ponto de caber na pequenez de uma manjedoura, sem perder sua força e eloquência. E, na cruz, a Palavra de Deus se faz silêncio, não porque Deus tenha decidido não falar mais, mas porque, em Jesus crucificado por amor, Deus disse tudo o que tinha para comunicar à humanidade. Esta é a generosa medida de Deus!

 

Meditação:

§ Releia o texto com atenção, relacionando-o com a parábola da semente, com o anúncio do Reino e as ações de Jesus

§ O que temos feito com a Boa Notícia do Reino de Deus? “Escondemos” na liturgia? Deixamo-la na superfície da mente?

§ Ou caímos na tentação de apossar-nos dela, pervertendo-a em lei pesada ou em doutrina abstrata e sem ressonância na vida?

§ Como podemos compreender o alcance do sentido da última frase do trecho do evangelho de hoje?

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Lancemos a semente na terra!

Lancemos a semente na terra, pois isso não será em vão! | 607 | 29.01.2025 | Marcos 4,1-20

Marcos nos apresenta duas catequeses mais extensas que Jesus dirige ao povo em geral e aos seus discípulos em particular: o capítulo 4 (em linguagem parabólica); e o capítulo 13 (em linguagem apocalíptica). A linguagem é diferente, mas o tema é o mesmo: as dificuldades da missão de Jesus e da missão daqueles que o seguem. E o apelo de Jesus também é o mesmo: escutar, entender e vigiar.

A crescente polarização entre o “pessoal do templo” e o “pessoal de Jesus” leva Jesus a se retirar para refletir sobre sua missão e intensificar a formação dos seus discípulos. Recorrendo a parábolas ligadas à experiência da vida no campo, Jesus quer suscitar nos seus ouvintes a esperança em meio às dificuldades. É uma espécie de sermão sobre a paciência e a perseverança missionária.

Contra aquilo que poderíamos chamar de realismo cínico daqueles que dizem que nada mudará na face da terra, que não adianta sonhar e tentar (a falsa sabedoria do senso comum), Jesus apresenta duas parábolas de sementes: a primeira convoca à paciência perseverante e revolucionária; e a segunda incita à esperança apesar das desigualdades que infestam e ferem a vida dos pobres. Jesus insiste que é preciso escutar e entender as lições da semente.

Tanto a parábola do semeador como a explicação que a segue estão no contexto do intenso conflito ideológico entre o ensino e a prática de Jesus e o ensino e a prática dos doutores da lei. As parábolas refletem os obstáculos enfrentados pela missão de Jesus e seus discípulos. Não são simples ‘narrativas terrenas com sentidos celestes’, mas demonstrações compreensíveis sobre o dinamismo do Reino de Deus nas coisas mundanas, históricas.

Os três tipos de terra inaptos à semente do Reino são três tipos de discipulado deficiente: aqueles que se afastam imediatamente depois de escutar o anúncio do Reino de Deus, ancorados num falso bom senso; aqueles que se entusiasmam e se alegram, mas não compreendem nem acolhem com profundidade; aqueles que aderem à dinâmica do Reino mas desistem porque são sufocados pelas riquezas e outras ambições. Mas há esperança, porque há também um grupo de discípulos (a quarta parte, ou 25%!) que ouvem, entendem, perseveram e dão frutos. Portanto, menos lamentações e mais ações!

 

Meditação:

§   Releia o texto com a imaginação e atenção na parábola, na reação dos discípulos e na explicação de Jesus

§   Em que medida nossa forma de seguir Jesus também apresenta as deficiências dos três primeiros tipos de terreno?

§   Você não é tentado a pensar que nada vale a pena, que nada muda, que tudo está perdido, que só resta salvar a alma?

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Vivamos para fazer a vontade de Deus

Como Jesus, vivemos para fazer a vontade de Deus | 606 | 28.01.2025 | Marcos 3,31-35

Dentro da seção que trata do ministério de Jesus na Galileia, temos um momento tenso entre Jesus e seus familiares (3,31-35). De volta para casa, depois de alguns dias de intensa atividade em favor dos excluídos da cidadania de Israel, Jesus não tem tempo sequer para se alimentar, muito menos para ficar com sua família. A multidão invade a casa e perturba seriamente o convívio familiar.

A ação de Jesus desconcerta e provoca tanta surpresa que a rejeição vai crescendo e até seus familiares ficam contrariados, pensam que ele esteja fora de si, e temem pela sua própria segurança. A mãe e os irmãos de Jesus vão até ele e ficam impressionados com a sua rigidez mental (ou obsessão) em relação à missão. Eles têm a impressão de que Jesus está preparando a própria ruína, e sentem necessidade de defender a reputação da família.

A família era um dos eixos centrais da sociedade judaica. Mas era também a coluna dorsal da própria ordem social que Jesus quer mudar. Os familiares de Jesus ficam do lado de fora e mandam chamá­-lo, enquanto havia um outro grupo de pessoas que estão sentadas ao seu redor. É uma alusão ao grupo dos que não aceitam sua mensagem e sua ação e ao grupo dos que aderem a ele e se fazem discípulos.

Os familiares não se aproximam de Jesus; mandam recado através de terceiros. E Jesus não os atende nem responde diretamente, revelando um tratamento rude e desconcertante. Na sua resposta, Jesus afirma um círculo familiar mais aberto e amplo. Olhando para as pessoas sentadas ao seu redor, declara que sua verdadeira família é formada por aqueles que realizam na própria vida a vontade de Deus.

A família deve ser um porto de onde os navios partem, e não uma doca onde lançamos raízes e nos amarramos. Jesus propõe um novo modelo familiar, baseado na obediência a Deus e não ao patriarca; repudia a velha instituição familiar patriarcal e abre caminho para uma nova família. A unidade fundamental do reino de Deus será a comunidade dos discípulos e discípulas. Os familiares de Jesus precisam aprender com ele que a vida familiar está em função do Reino de Deus, e não há nada mais urgente que sua vinda.

 

Meditação:

§ Contemple a cena: Jesus cercado de gente cansada e abatida, totalmente dedicado ao anúncio do Reino, sem tempo para comer

§ Note com atenção a preocupação inicialmente legítima dos familiares com a sua saúde, honra e segurança

§ Inclua-se pessoalmente no círculo que está sentado em torno de Jesus e escute suas palavras como dirigida a você

§ Quais são as pessoas que você “adotou” e fazem parte da sua família afetiva

domingo, 26 de janeiro de 2025

Pecado contra o Espírito

Quem resiste ao Evangelho se fecha ao Espírito Santo | 605 | 27.01.2025 | Marcos 3,22-30

No texto evangélico de hoje, Jesus continua sob “fogo cruzado”, ataques vindos de todos os lados. Os defensores e professores da Lei, com a cabeça formada pelo templo de Jerusalém, não conseguem entender a ação de Jesus, e fazem-lhe uma acusação muito grave: ele seria um colaborador de Satanás, e sua ação libertadora não viria de Deus, mas seria sustentada pelo Diabo.

Jesus entra na discussão para se defender, e procura mostrar a falácia da acusação que dirigem contra ele recorrendo a duas breves parábolas. Ele pergunta se um reino ou uma família dividida internamente tem força para se manter de pé; e se um ladrão pode entrar na casa de alguém para roubar seus bens sem antes sequestrar ou prender seu proprietário.

Jesus passa das parábolas à realidade concreta. Se ele está expulsando demônios em nome de Satanás, então o Diabo estaria dividido internamente, e o fracasso seria inevitável. Mas se ele está expulsando demônios por força e mandato de Deus, ele dominou e amarrou aquele que mantinha o domínio e o controle das pessoas doentes ou possuídas pelos espíritos maus.

E Jesus vai adiante, com uma afirmação forte e desconcertante: qualquer blasfêmia será perdoada, menos a blasfêmia contra o Espírito Santo. O que seria esta blasfêmia que fecha toda e qualquer possibilidade de perdão, colocando limites à misericórdia e à vontade reconciliadora de Deus?

Trata-se da negação da realidade na sua mais profunda evidência, ou da afirmação que rotula a ação libertadora de Deus como maldade e as injustiças mais horrendas como beneficência. Nestes casos, a rigidez e o fechamento são tais que impedem a entrada de qualquer raio de luz, recusam toda e qualquer iniciativa de Deus, torcem tudo o que é reto e adoça tudo o que é podre.

É verdade que Jesus dirige estas palavras aos doutores da lei. Mas elas nos colocam no mínimo em atitude de alerta. Basta lembrar aqui aqueles que estão sempre prontos a acusar toda e qualquer postura humanitária e profética como comunista ou herética. E batizam com beneméritas projetos e práticas de dominação.

 

Meditação:

§   Contemple a cena: os doutores da lei acusando Jesus, e Jesus debatendo com eles e mostrando a falsidade da acusação

§   Você percebe que hoje há gente que entorta o que é reto e desacredita muitas iniciativas que libertam os pobres?

§   Quais seriam as razões para que pessoas católicas sejam tão resistentes à dimensão social do Evangelho de Jesus?


Domingo da Palavra

Deposito minha esperança em tua Palavra!

No próximo dia 26, as comunidades cristãs católicas celebram o Domingo da Palavra. Este evento anual foi definido em 2019, pelo Papa Francisco, e acontece no terceiro domingo do tempo comum.  Esta efeméride vem somar-se ao Mês da Bíblia, que, há 48 anos, tem lugar todos os anos, no mês de setembro. Os dois eventos resgatam a relevância da Palavra de Deus na vida cristã, bastante esquecida nos últimos quatro séculos.

Com este evento, a Igreja quer reforçar o convite tenaz de Jesus a ouvir, guardar e praticar a sua Palavra e, assim, oferecer ao mundo um testemunho de uma esperança que nos ajude a superar as dificuldades do presente. “Deposito minha esperança em tua Palavra”, é o grito de resistência e esperança que atravessa todo o Salmo 119, o mais longo da Bíblia, dedicado inteiramente à meditação da Palavra que sai da boca de Deus.

No conturbado e complexo lapso de tempo que vai do século XVI a meados do século XX, a relevância e a pertinência da Palavra de Deus manteve-se viva graças à fidelidade do movimento protestante. Neste período, as tradições católicas priorizaram outros aspectos das fontes da fé. Se não chegaram a impedir aos fiéis o acesso às Sagradas Escrituras, ao menos não recomendaram que fosse lida e levada em consideração.

É claro que, enquanto inspirada por Deus, a Bíblia contém a Palavra divina, mas que ninguém tente confinar a Palavra de Deus nos livros sagrados, nos textos escritos. A Palavra de Deus é viva e dinâmica. Jesus, a Palavra de Deus que se faz carne, precede (existiu antes) e excede (ressoa também nos acontecimentos) a Sagrada Escritura. Com a ajuda da tradição cristã viva, Jesus é a chave que nos abre seu sentido.

Bento XVI ensina que, em Jesus Cristo, “a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez-Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós. Desde então a Palavra já não é apenas audível; agora a Palavra tem um rosto”. No alto da cruz, “o Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque Se disse até calar, nada retendo do que nos devia comunicar” (Verbum Domini, 12).

Vale a pena recordar aqui um episódio que envolve o apóstolo Pedro. Ele conheceu Jesus depois de uma frustrada noite de pescaria. Jesus entra no seu barco repleto de cansaço e desolação e, desde este vazio, anuncia o Evangelho a um povo sedento de boas notícias. No fim, Jesus manda que Pedro avance para águas mais profundas e lance de novo as redes. Mesmo sabendo por experiência que a hora não era adequada, em atenção à Palavre dele, jogou a rede e foi surpreendido pelo resultado.

Que este Domingo da Palavra ressoe como apelo e seja vivido como uma oportunidade a familiarizar-se com a Palavra de Deus, permitindo que o Evangelho seja a luz a guiar nossos passos, projetos e decisões. Que ela nos ajude a continuar sendo peregrinos de esperança. E que, diante das Escrituras, numa atitude de escuta atenta e dócil acolhida, possamos tecer de novo os laços da unidade cristã. Católicos e evangélicos, temos todos a mesma Escritura, a Palavra que se fez carne e Boa Notícia de salvação em Jesus.

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo de Santa Cruz do Sul

sábado, 25 de janeiro de 2025

Busquemos na Palavra de Deus a luz para nossa missão

Busquemos na Palavra de Deus a luz para nossa missão | 604 | 26.01.2025 | Lucas 1,1-4; 4,14-21

Lucas diz que ir à Sinagoga era um costume de Jesus. Como qualquer pessoa que se põe nos caminhos de Deus, Jesus busca um horizonte e uma referência para sua vida e sua missão. Sedento de utopias humanas e faminto das promessas de Deus, ele busca orientação na sua Palavra. Num sábado, em meio ao povo reunido, Jesus lê uma passagem na qual o profeta Isaías tenta suscitar a esperança num povo radicalmente desesperançado.

Jesus entende a Palavra como dirigida a ele mesmo, como uma ajuda para entender sua missão. Ele se encontra nesta Palavra lida e assimilada. Ele descobre ser enviado “para anunciar a Boa Notícia aos pobres; para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor”. O Espírito envia seus ungidos a uma missão historicamente engajada e relevante, em favor dos

Jesus vai à Sinagoga para resgatar uma esperança enraizada na própria escritura e para questionar a pregação oficial. Ele entende que sua missão é anunciar que chegou o tempo do jubileu, do cancelamento das dívidas, da remissão de todos os pecados; um tempo de misericórdia, e não de sacrifícios. Para Jesus, Deus não é nem delegado de polícia, nem capitão do exército. Seu anúncio é um Evangelho, literalmente, uma boa notícia. Por isso, não pode ser reduzido a uma pesada e sofisticada doutrina moral, imposta a um povo já cansado e abatido.

A ‘homilia’ de Jesus sobre a profecia que leu é breve, concreta e incisiva: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir”. A comunidade de Nazaré, suspensa diante da proclamação da Palavra e com os olhos fixos em Jesus, foi por ele chamada ao presente concreto. Não há mais tempo a perder, nem razões para simplesmente esperar.

Como leitor e ouvinte habitual da Palavra de Deus, Jesus percebe que o tempo está maduro, e que Deus se dirige a ele. O filho amado é também o profeta e reformador esperado. Quando a profecia não desemboca no engajamento nas boas lutas e movimentos de libertação, é apenas meia-palavra, não é uma notícia boa de ponta a ponta.

 

Meditação:

§  Contemple Jesus voltando à sua terra, entrando na sinagoga, lendo e comentando o profeta Isaías diante do olhar atendo dos seus

§  Compare o anúncio de Jesus com aquilo que ensinamos e ouvimos em nossas igrejas, em nossos cursos, em nossa catequese

§  Qual é a boa notícia que ressoa hoje nas pregações do nosso papa, dos nossos bispos, padres e catequistas?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

De perseguidor dos cristãos a evangelizador sem fronteiras

São Paulo: de perseguidor a evangelizador sem fronteiras | 603 | 25.01.2025 | Marcos 16,15-18

Ontem meditamos sobre a cena na qual Jesus se retira e, depois de um momento de recolhimento e oração, escolhe entre os muitos discípulos um grupo de 12.  Eles deveriam estar próximos de Jesus, assimilar seu estilo de vida e, mais tarde, sair em missão. O grupo dos Dose seria símbolo do novo povo de Israel. Hoje, celebrando a festa da conversão de São Paulo, acolhemos o envio pós-pascal dos discípulos.

Sabemos que, ao menos inicialmente, Paulo teve enormes dificuldades de acreditar na Boa Notícia vivida e anunciada por Jesus e pelos cristãos, e se opôs violentamente àqueles que a acolhiam e orientavam sua vida por ela. Para Paulo, um Evangelho da Graça e da Liberdade era algo absolutamente inverossímil. Para ele, o único caminho de encontro com Deus era o cumprimento da lei.

Paulo precisou de uma profunda mudança no modo de pensar e de agir para entender Jesus e seu Evangelho. Ele não estava entre os discípulos que Jesus enviara pelo mundo inteiro a anunciar a Boa Notícia de Deus para toda a humanidade. Ele precisou ser evangelizado, abrir a mente e os olhos, ser preparado adequadamente, e nisso ele foi ajudado pelo testemunho dos discípulos e pelo ministério de Ananias.

Não somos perseguidores de Jesus nem dos seus discípulos, e hoje são poucos os que o fazem. Também são raros os missionários que multiplicam sinais espetaculares. Mas, com certeza, nossa vida nos caminhos do Evangelho deve recomeçar cada dia com uma decisão de conversão de valores, de costumes, de relações, de práticas. Mas muitos cristãos ainda hoje querem conjugar a fé com a indiferença e a intolerância.

Nesta perspectiva, precisamos perguntar-nos a cada manhã, como Paulo: “O que devo fazer, Senhor?” E, talvez, ouvir a pergunta sussurrada de muitos modos à nossa consciência: “Por que me persegues? Por que não me acolhes? Por que não me toleras? Por que te mostras indiferente comigo e com meus sofrimentos?”

É daqui que partem os verdadeiros discípulos de Jesus e os autênticos missionários. Somente depois de assimilar o evangelho da dignidade e igualdade das pessoas é que podemos falar de Jesus e em nome dele. O Evangelho a ser anunciado a toda criatura é, antes de tudo, testemunho de amor e defesa da vida, de serviço e dedicação à promoção humana.

 

Meditação:

§ Releia o texto com a imaginação, fazendo-se presente nesse envio exortativo, e incluindo nele também Paulo

§ Leia o texto dos Atos dos Apóstolos (22,3-16), e saboreie a virada radical que Paulo experimentou no caminho de Damasco

§ Em que medida a escuta e a meditação do Evangelho de Jesus Cristo vem nos ajudando no caminho de uma conversão profunda?

§ Como podemos exercitar hoje a necessária conversão a Jesus e seu Evangelho, sem contar com acontecimentos espetaculares

§ Releia o texto com a imaginação, fazendo-se presente nesse envio exortativo, e incluindo nele também Paulo

§ Leia o texto dos Atos dos Apóstolos (22,3-16), e saboreie a virada radical que Paulo experimentou no caminho de Damasco

§ Em que medida a escuta e a meditação do Evangelho de Jesus Cristo vem nos ajudando no caminho de uma conversão profunda?

§ Como podemos exercitar hoje a necessária conversão a Jesus e seu Evangelho, sem contar com acontecimentos espetaculares

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Jesus nos reúne em torno dele, nos forma e nos envia

Jesus nos reúne em torno dele, nos forma e nos envia em missão | 602 | 24.01.2025 | Marcos 3,13-16

Ontem vimos que Jesus pede que estendamos a mão a ele para que sejamos curados, para que nossa mão se estenda para servir gratuitamente quem precisa, para lutar por causas justas e humanas. Mas ele espera também que tenhamos a corajosa liberdade de enfrentar e desmascarar os sistemas que oprimem os pobres, inclusive usando o nome de Deus, como se tornou frequente hoje.

Depois de atender as necessidades de muita gente, Jesus começa a se ocupar mais com a evangelização e ensino e a formação dos seus discípulos. Ao redor de Jesus, aparecem dois grupos: as multidões, que buscam ajuda; os discípulos, que o seguem como mestre. Jesus tem consciência de que a missão de anunciar e promover o Reino de Deus precisa de mais gente para se estender no tempo e no espaço.

Chamando um grupo de doze entre os muitos discípulos, Jesus constitui uma comunidade para encarnar e prosseguir sua missão, um núcleo visível do Reino de Deus, uma nova família convocada a viver de modo alternativo e contracorrente. A nova aliança da qual Jesus é protagonista gera um povo novo e pede uma nova liderança, diferente dos fariseus, sacerdotes e escribas. Com este chamamento e essa constituição, Jesus rejeita e descarta os velhos líderes.

Na verdade, o grupo dos doze é uma espécie de “comitê revolucionário de governo em situação de exílio”, semelhante a uma comunidade de resistência e alternativa na construção de um outro mundo. É uma espécie de confederação de tribos, baseada em laços de solidariedade e não de sangue, e que supera e substitui a antiga confederação das tribos de Israel, criada depois do êxodo.

O grupo dos doze apóstolos não está fechado, nem acima do círculo maior dos demais discípulos. Sua finalidade é estar próximo de Jesus para assimilar seu modo de ser e, quando isso estiver consolidado, ser enviado para pregar a novidade Reino de Deus, com a autoridade e a coerência de Jesus, inclusive a com a capacidade de expulsar demônios, que é a libertação da dominação interiorizada. A missão de evangelizar é um confronto com os poderes estabelecidos.

 

Meditação:

§ Contemple a cena: o nome dos discípulos chamados, os novos nomes que alguns recebem, a missão que lhes é confiada

§ Participe da cena, subindo à montanha com Jesus e seus discípulos, ouvindo seu nome entre os chamados e enviados

§ O que significa para você e sua família ser chamado por Jesus para “ficar com ele” e ser enviado em missão?

§ Quem é que, em determinadas situações, acaba sendo sucessor de Judas Iscariotes, aquele que traiu Jesus?

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

A missão não tem horário nem agenda

A missão de ser sinal do amor de Jesus não tem horário nem agenda | 601 | 23.01.2025 | Marcos 3,7-12

Ontem vimos Jesus pedindo que estendamos a mão para que sejamos curados, para que nossa mão se abra para servir gratuitamente a quem precisa, para lutar por causas justas e humanas. Mas ele espera também que tenhamos a corajosa liberdade de enfrentar e desmascarar os sistemas que oprimem os pobres, inclusive aqueles que dominam usando o nome de Deus. Infelizmente, estes últimos se multiplicam.

Percebendo que os fariseus se coligavam aos herodianos para articular sua morte, Jesus toma distância da cidade e se refugia com seus discípulos à beira do mar. Mas isso não significa que abandone ou diminua seu ministério profético e libertador. Uma multidão de gente estropiada e quebrada, vinda do Norte e do Sul, do Leste e do Oeste, busca Jesus porque ouviu falar da sua compaixão e vê nele a última esperança. E sua missão continua.

No episódio de hoje, porém, Jesus não realiza nenhum gesto específico de cura ou libertação. O evangelista nos oferece apenas uma síntese das suas múltiplas ações emancipadoras: Jesus curou muitas pessoas, e aquelas que sofriam de algum mal procuravam tocá-lo; as pessoas eram libertadas dos espíritos maus e readquiriam a liberdade, a autonomia e a autoconfiança; a atuação de Jesus é limitada e local, mas sua compaixão é universal.

Na verdade, depois de atender as necessidades urgentes de muita gente, Jesus começa a se ocupar mais com o ensino e a formação dos seus discípulos. Ao redor dele, aparecem claramente dois diferentes grupos: as multidões, que nele buscam ajuda e socorro; os discípulos, que o seguem como a um mestre. E Jesus pede uma barca para ele e seus discípulos, e, de dentro da barca, ensina o povo.

Marcos diz que, à simples vista de Jesus, os espíritos maus – atuantes nos escribas, que dominavam e despersonalizavam as pessoas pela ameaça e pelo medo – caem a seus pés gritando quem era Jesus. Mas Jesus não confia nas declarações vindas de quem está contra ele e luta para manter seu campo de influência. Os escribas, sabendo quem é Jesus, o têm como uma presença.

 

Meditação:

§  Contemple a cena e as palavras: os personagens; a retirada de Jesus e seus discípulos; a multidão necessitada que o procura

§  Procure perceber, à luz dos textos anteriores, qual poderia ter sido o ensino de Jesus às multidões, à beira do mar

§  O que você busca em Jesus hoje: uma cura ou um benefício, ou um caminho de conversão ao Reino de Deus?

§  De que modo nós e nossas comunidades eclesiais podem levar adiante a missão de libertar e formar discípulos/as?