Desarmar o coração e reconstruir a Paz
Todos sabemos, mas vale a pena
lembrar: não é o ano que precisa ser novo; somos nós que precisamos renovar
nossa escala de valores, atitudes, projetos, ações e relações; somos nós que
precisamos abandonar as velhas lições e as roupas novas da meritocracia e da
competição, que muito cedo se revelaram apertadas e inadequadas.
Nas lições sempre novas da
cartilha cristã não encontram guarida mandamentos do tipo “cada um para si e
Deus para todos”; “quem pode mais chora menos”; “o importante é levar vantagem
em tudo”; “vícios privados se convertem em virtudes públicas”; “saúde é o que
interessa, o resto não tem pressa”; “se queres a paz, prepara-te para a
guerra”...
Voltemos nossa atenção à guerra,
sereia que seduz navegadores em todos os mares e em todos os tempos. Ela é
gerada no ventre inóspito da ambição desmedida, do medo irracional, da
intolerância pandêmica, da livre concorrência revestida de belas roupas surrupiadas
da virtude. Ela nunca realiza o que promete, e, no fim, todos perdem.
Permitam-me levá-los novamente à
exortação com a qual o Papa Francisco se dirige aos homens e mulheres de boa
vontade na abertura deste novo ano civil: “Utilizemos pelo menos
uma percentagem fixa do dinheiro gasto em armamento para a criação de um fundo
mundial que elimine definitivamente a fome”. Ou a paz não merece esta chance?
Para que cheguemos, como comunidades e como humanidade, a essa meta
ousada e necessária, precisamos desenvolver uma ampla gama de atividades
educativas que nos ajudem a abrir os olhos às crises que nos rodeiam e eliminem
qualquer pretexto para competir e vencer o outro, vingar a ofensa recebida ou anular
quem pensa diferente.
É duro, mas precisamos compreender que a meritocracia, oferecida como
força propulsora do sucesso, pode ser uma arma perigosa a ser descartada
definitivamente. Ela forma consciências arrogantes, que nos levam a atribuir a
nós mesmos os créditos de tudo o que existe de bom e a deixar aos outros apenas
os débitos.
Por isso, quando nos despojamos da arma do crédito e devolvemos o
caminho da esperança a um irmão, contribuímos para a restauração da justiça de
Deus e caminhamos juntos para a meta da paz, diz o Papa. Para desarmar o mundo
e investir no combate à fome, precisamos “desarmar o coração” e superar a
ideologia da meritocracia.
“Procuremos a verdadeira paz, que é dada por Deus a um coração
desarmado: um coração que não se detém em calcular o que é meu e o que é teu;
um coração que dissolve o egoísmo para se dispor a ir ao encontro dos outros;
um coração que não hesita em reconhecer-se devedor e está pronto para perdoar
as dívidas que oprimem o próximo”.
E o Papa Francisco continua: “Desarmar o coração é um gesto que
compromete a todos, do primeiro ao último, do pequeno ao grande, do rico ao
pobre. Por vezes, é suficiente algo simples como um sorriso, um gesto de
amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito”, pois a paz não nasce dos acordos selados nos
escritórios.
Com estes gestos – pequenos, mas significativos – nos aproximamos da
meta da paz. Caminhando juntos, perceberemos que já mudamos o nosso ponto de
partida. “A paz não vem apenas com o fim da guerra, mas com o início de um
mundo novo, no qual nos descobrimos diferentes e mais unidos, mais irmãos do
que poderíamos imaginar”.
Dom Itacir
Brassiani msf
Bispo de Santa Cruz
do Sul
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