A segunda metade da
noite já é o começo da aurora!
Estamos iniciando um
novo período litúrgico e espiritual, tempo marcado pela expectativa e pela
vigilância. Para sublinhar essa atitude,
Jesus nos apresenta uma parábola na qual, entre os diversos personagens, chama nossa
atenção para a figura do porteiro. O porteiro atua no limite entre a área
interior e exterior da casa; pertence ao pessoal da casa, mas precisa estar
atento aos que estão para chegar; conhece os segredos da casa, mas deve saber reconhecer
e acolher as visitas que estão sendo esperadas. O porteiro não é propriamente um
vigia: mais que proteger o patrimônio, ele deve acolher as pessoas que chegam.
Jesus nos convida a viver
vigilantes, pois algo novo está para chegar, uma grande mudança está acontecendo.
Para falar disso, ele usa uma linguagem apocalíptica, dizendo que as estrelas
caem, os poderes são abalados e as estruturas basilares da ordem social e
política sofrem um eclipse. Como as folhas novas da figueira indicam a chegada próxima
dos frutos, esses sinais cósmicos e históricos anunciam que uma nova ordem
social, que uma nova humanidade está sendo gerada, um novo mundo está sendo
feito. Tudo o que é histórico é transitório, só a Palavra viva de Deus
permanece.
Como o porteiro,
precisamos identificar e dar passagem a aos sinais dessa novidade que está
batendo à nossa porta. A questão crucial continua sendo como chegará e se consolidará o novo ser humano e a sociedade esperada.
Jesus ressalta que o Reino de Deus e o novo Homem vêm de baixo, lançam raízes
na família humana, que experimenta a noite escura da fragilidade, da pandemia, da
injustiça. Ou, dizendo de outro modo: a nova humanidade vem de cima, do alto da
cruz, da doação generosa e solidária em favor da vida dos últimos. A Palavra
que não passa é aquela que Jesus pronunciou silenciosamente no alto da cruz!
“O que eu digo a
vocês, digo a todos: fiquem vigiando!” Nessas palavras, Jesus antecipa o que
dirá pouco mais adiante, antes de ser preso: “Minha alma está numa tristeza de
morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc
14,34). Essa vigília deveria se estender pelos quatro momentos seguintes: a
prisão, a negação, a espera e o amanhecer. Mas os discípulos daquele tempo não
conseguiram vigiar nem uma hora, e dormiram. Eles não conseguiram assimilar a
fragilidade e a vulnerabilidade de Deus, que se revela na cruz. A vigilância se
fez difícil porque eles não sabiam o dia e o como se manifestaria o reino de Deus.
Hoje o problema se
agrava porque hoje muitos cristãos não alimentam mais nenhuma espécie de
esperança. Não esperam o advento de uma nova humanidade. Não creem na
possibilidade de um mundo mais justo. Não querem ser perturbados no seu sono
tranquilo e indiferente à sorte dos irmãos. E há cristãos que mantêm uma certa
esperança, mas continuam confiando nos meios poderosos. Não conseguem conceber
uma Igreja dos pobres e para os pobres. Preocupam-se mais com rubricas
litúrgicas que com a justiça e a misericórdia. Preferem dormir sob a proteção
dos impérios que transformá-los com a força da fé.
Por isso, precisamos
permanecer vigilantes, e não só no tempo de Advento! A vigilância é hoje
escassa e urgente. E deve ser permanente. Somos convocados a uma “insônia
histórica”, a manter os olhos abertos e a inteligência lúcida para discernir os
pequenos sinais de um grande e bom acontecimento. Precisamos cultivar a
generosidade que gera o Homem Novo e a Nova Sociedade, permanecer dóceis a Deus
e confiantes, como o barro nas mãos do oleiro, permitindo que ele nos dê forma,
a sua forma. E esperar que Deus se revele ao mundo e no mundo, que nasça uma
Nova Ordem humana e social, onde sejamos “tutti fratelli”.
Paulo nos lembra que o
próprio Deus é avalista desta esperança, que Aquele que nos chamou é fiel. Sua
graça é experiência já no presente. Em Jesus fomos enriquecidos na Palavra e no
conhecimento. Nele recebemos tudo, e nada de essencial nos falta. Nele já
recebemos todas as riquezas que poderíamos desejar. Ele nos fortalecerá até o
fim. É claro que é preciso acolher essa riqueza como herança, fazê-la
frutificar. Mas temos motivos para confiar, sem nos inquietar, pois Deus “nos
dará perseverança em nosso procedimento irrepreensível, até o dia de Nosso
Senhor, Jesus Cristo”. O poeta diz que a segunda parte da noite já é aurora.
Deus pai e mãe, origem e destino de todas as
criaturas, sonho e promessa dos inconformados e inquietos! Tu sempre vens, e
teu movimento é de descida e aproximação. Vens ao encontro de quem pratica a
Justiça, e pouco te interessam ritos, cânticos e incensos. Em Jesus, vens a nós
como pastor e cordeiro, salvador e irmão, paz e justiça. Caminha conosco e
guia-nos nas estradas do serviço solidário! Desperta nossa fé anestesiada por
práticas que pouco têm a ver contigo. E ajuda-nos na missão de porteiros
vigilantes! Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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