terça-feira, 24 de novembro de 2020

ANO B – TEMPO DE ADVENTO – PRIMEIRO DOMINGO – 29.11.2020

A segunda metade da noite já é o começo da aurora!

Estamos iniciando um novo período litúrgico e espiritual, tempo marcado pela expectativa e pela vigilância.  Para sublinhar essa atitude, Jesus nos apresenta uma parábola na qual, entre os diversos personagens, chama nossa atenção para a figura do porteiro. O porteiro atua no limite entre a área interior e exterior da casa; pertence ao pessoal da casa, mas precisa estar atento aos que estão para chegar; conhece os segredos da casa, mas deve saber reconhecer e acolher as visitas que estão sendo esperadas. O porteiro não é propriamente um vigia: mais que proteger o patrimônio, ele deve acolher as pessoas que chegam.

Jesus nos convida a viver vigilantes, pois algo novo está para chegar, uma grande mudança está acontecendo. Para falar disso, ele usa uma linguagem apocalíptica, dizendo que as estrelas caem, os poderes são abalados e as estruturas basilares da ordem social e política sofrem um eclipse. Como as folhas novas da figueira indicam a chegada próxima dos frutos, esses sinais cósmicos e históricos anunciam que uma nova ordem social, que uma nova humanidade está sendo gerada, um novo mundo está sendo feito. Tudo o que é histórico é transitório, só a Palavra viva de Deus permanece.

Como o porteiro, precisamos identificar e dar passagem a aos sinais dessa novidade que está batendo à nossa porta. A questão crucial continua sendo como chegará e se consolidará o novo ser humano e a sociedade esperada. Jesus ressalta que o Reino de Deus e o novo Homem vêm de baixo, lançam raízes na família humana, que experimenta a noite escura da fragilidade, da pandemia, da injustiça. Ou, dizendo de outro modo: a nova humanidade vem de cima, do alto da cruz, da doação generosa e solidária em favor da vida dos últimos. A Palavra que não passa é aquela que Jesus pronunciou silenciosamente no alto da cruz!

“O que eu digo a vocês, digo a todos: fiquem vigiando!” Nessas palavras, Jesus antecipa o que dirá pouco mais adiante, antes de ser preso: “Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc 14,34). Essa vigília deveria se estender pelos quatro momentos seguintes: a prisão, a negação, a espera e o amanhecer. Mas os discípulos daquele tempo não conseguiram vigiar nem uma hora, e dormiram. Eles não conseguiram assimilar a fragilidade e a vulnerabilidade de Deus, que se revela na cruz. A vigilância se fez difícil porque eles não sabiam o dia e o como se manifestaria o reino de Deus.

Hoje o problema se agrava porque hoje muitos cristãos não alimentam mais nenhuma espécie de esperança. Não esperam o advento de uma nova humanidade. Não creem na possibilidade de um mundo mais justo. Não querem ser perturbados no seu sono tranquilo e indiferente à sorte dos irmãos. E há cristãos que mantêm uma certa esperança, mas continuam confiando nos meios poderosos. Não conseguem conceber uma Igreja dos pobres e para os pobres. Preocupam-se mais com rubricas litúrgicas que com a justiça e a misericórdia. Preferem dormir sob a proteção dos impérios que transformá-los com a força da fé.

Por isso, precisamos permanecer vigilantes, e não só no tempo de Advento! A vigilância é hoje escassa e urgente. E deve ser permanente. Somos convocados a uma “insônia histórica”, a manter os olhos abertos e a inteligência lúcida para discernir os pequenos sinais de um grande e bom acontecimento. Precisamos cultivar a generosidade que gera o Homem Novo e a Nova Sociedade, permanecer dóceis a Deus e confiantes, como o barro nas mãos do oleiro, permitindo que ele nos dê forma, a sua forma. E esperar que Deus se revele ao mundo e no mundo, que nasça uma Nova Ordem humana e social, onde sejamos “tutti fratelli”.

Paulo nos lembra que o próprio Deus é avalista desta esperança, que Aquele que nos chamou é fiel. Sua graça é experiência já no presente. Em Jesus fomos enriquecidos na Palavra e no conhecimento. Nele recebemos tudo, e nada de essencial nos falta. Nele já recebemos todas as riquezas que poderíamos desejar. Ele nos fortalecerá até o fim. É claro que é preciso acolher essa riqueza como herança, fazê-la frutificar. Mas temos motivos para confiar, sem nos inquietar, pois Deus “nos dará perseverança em nosso procedimento irrepreensível, até o dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo”. O poeta diz que a segunda parte da noite já é aurora.

Deus pai e mãe, origem e destino de todas as criaturas, sonho e promessa dos inconformados e inquietos! Tu sempre vens, e teu movimento é de descida e aproximação. Vens ao encontro de quem pratica a Justiça, e pouco te interessam ritos, cânticos e incensos. Em Jesus, vens a nós como pastor e cordeiro, salvador e irmão, paz e justiça. Caminha conosco e guia-nos nas estradas do serviço solidário! Desperta nossa fé anestesiada por práticas que pouco têm a ver contigo. E ajuda-nos na missão de porteiros vigilantes! Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Isaías 63,16-19.64,2-7 | Salmo 78 (80) | 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 1,3-9 | Evangelho de São Marcos 13,33-37

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