quarta-feira, 9 de junho de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | DÉCIMO-PRIMEIRO DOMINGO | 13.06.2021

Sejamos realistas! Busquemos a “impossível” Justiça do reino!

Na liturgia, o Tempo Comum não tem nada de comum, e isso não apenas por causa das festas juninas. Este é o tempo da encarnação do Evangelho no cotidiano da vida pessoal, eclesial e social; de acolher o mistério do Reino de Deus que vai lentamente adquirindo contornos e produzindo frutos; de cultivar pacientemente a esperança que, como o artista do circo, caminha sobre a corda bamba. Somos chamados/as a caminhar na esperança, e façamo-lo acolhendo e espalhando muitas sementes, por mais pequenas que sejam.

Essa esperança é essencial à vida pessoal e social, pois hoje o realismo cínico nos é apresentado como uma virtude, e se torna uma tentação, inclusive para as pessoas que dizem acreditar num crucificado que ressuscitou. Querem nos convencer que o mundo sempre foi assim, e que não seremos nós os protagonistas de uma hipotética mudança. Um outro mundo não seria possível, e ponto final! A saída então seria cada um/a cuidar da sua própria vida, não deixando escapar nenhuma oportunidade de derrotar os/as outros/as na competição pela sobrevivência, procurando sempre tirar o máximo de vantagem em menor tempo?

No entanto, como cristãos, fazemos parte de uma caravana que percorre os caminhos da história guiada por outras convicções: as sementes crescem por si mesmas, e as que parecem pequenas e insignificantes, como as de mostarda ou de eucalipto, se tornam árvores frondosas. Sem esquecer que é próprio da mostarda ser picante! Partindo da própria experiência e escrevendo sobre a esperança da ressurreição, São Paulo diz que vivemos como se estivéssemos fora de casa, como peregrinos/as que buscam outra morada, outra pátria, outro mundo. Mas insiste que, nesta permanente saída, estamos cheios de confiança.

A fé cristã toma distância tanto do delírio daqueles/as que ardem de paixão por um mundo fictício e ilusório depois da morte como do conformismo medroso daqueles/as que aparam as arestas do Evangelho e o acomodam a um mundo sem coração e sem justiça. Nossa confiança se inspira na sabedoria dos/as semeadores/as, que sabem que a semente não é a colheita, mas este saber não impede que as lancem generosamente à terra. Eles/as o fazem conscientes de que é falta de realismo contar apenas com as próprias forças, confiar apenas nas nossas estratégias, esquecer a gratuidade e fechar-se às surpresas.

Mas acontece é que o medo do futuro e o controle do presente costumam asfixiar e matar as sementes. “A terra produz o fruto por si mesma”, nos ensina Jesus, num dos contos populares que recolheu na zona rural da Palestina e que a Igreja nos sugere no evangelho de hoje. “A semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece”. É possível que um processo de mudança se mostre verdadeiramente profundo quando nos leva à consciência dos próprios condicionamentos e limites, abrindo-nos a contribuições outras, iluminando-nos e fecundando-nos pela experiência da gratuidade.

Precisamos ser libertados/as da ilusão da grandeza, e colocar no centro da nossa fé a memória da coragem dos escravos frente ao faraó, a memória da vida de Jesus de Nazaré, o mistério escondido na semente de mostarda. O Reino de Deus não brilhará apenas quando chegar o hipotético dia em que não haverá mais compradores de justiça, a liberdade não será uma ilusão, a verdade será a fonte das notícias e poderemos crer nas pessoas outra vez. O reino de Deus não é um particípio passado, mas um gerúndio e um futuro: ele “vai sendo” em milhares de ações de compaixão e de afirmação da dignidade dos/as outros/as.

Alcançamos a desejada e difícil maturidade quando conseguimos conjugar adequadamente paciência e urgência históricas. Os processos humanos e sociais têm e seu ritmo de maturação! Conhecê-los sem controlá-los, e remover as forças que podem representar obstáculos ao seu desenvolvimento, é a arte das artes.  Mas o risco que nos ronda hoje mais fortemente é deixar passar o tempo propício da maturação e da colheita, fechar os olhos e os ouvidos a Deus que pede que sejamos, urgentemente, pessoas mais solidárias, Igrejas mais comunitárias e sociedade mais igualitária.

Jesus de Nazaré, semeador da Palavra que liberta! Ajuda-nos a compreender que a fé nos abre à escuta de Deus, cria espaços de silêncio nos quais sua Palavra é acolhida e semeada. Frente às dores e esperanças que habitam o mundo, dá-nos o senso profundo da paciência e da urgência que exercitaste. Faz com que essa escuta fundamente a convivência igualitária, faça-nos sair das próprias certezas e nos comprometa numa dinâmica de comunhão e de solidariedade no interior da qual cresce e frutifica o sonho do bem-comum da humanidade. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Ezequiel 17,22-24 | Salmo 91 (92) | Segunda Carta de Paulo aos Coríntios 5,6-10 |  Evangelho  de São  Marcos 4,26-34

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