Pregado na cruz, Jesus
representa todas as vítimas!
Até as
pessoas mais indiferentes intuem que algo inexplicável acontece nesse dia. Uma
multidão se reúne nos templos: gente experimentada na dor, gente que percebe
que neste dia se revela o que há de mais profundo no ser humano e que há de
mais belo no coração de Deus. O mistério da iniquidade humana atinge sua força e
sua expressão mais terrível. A humanização de Deus atinge seu ponto mais
luminoso. A entrega do ser humano a Deus se expressa em seu grau máximo. A
fidelidade de Deus à sua aliança atesta que sua misericórdia passa de geração
em geração.
Jesus não tem
aparência nem beleza que possa atrair os olhares. Ele é como uma raiz em terra
seca, como uma pessoa frente à qual viramos o rosto. “Não parecia gente, tinha
perdido a aparência humana”. Mas muitos cremos que sua vida é semente, tem
futuro. O Servo fiel não perde sua vida, pois a dá livremente e, por isso,
recupera sua existência. Ele carrega nas costas a exclusão e o desprezo de
muitos, e, por isso, a luz brilha em seu rosto e em todo seu corpo de servo.
Ele confia seu destino nas mãos daquele que é tem segredo da vida, e assim vive
naqueles que lutam.
Conhecemos
bem as tramas e traições, as manhas e as manipulações que levaram à prisão e
condenação de Jesus. São decisões e atitudes que revelam o mistério da
iniquidade e sua força nas pessoas e nas estruturas sociais. É um mal muito nada
abstrato que se expressa nos costumes, nas leis, nos medos, em todas as formas
de ambição. Um mal que assume feições de cinismo, como quando as autoridades
religiosas, tendo decidido matar Jesus, não entram no palácio do governador
para não se tornarem impuras.
Jesus não
parece disposto a se defender. Ele tem consciência de que nasceu livre e veio
ao mundo para tornar palpável e digna de crédito a fiel compaixão de Deus pelas
pessoas negadas em sua dignidade. Pilatos manda torturá-lo e, depois, o
apresenta ao povo. Bem ou mal, Pilatos nos convida a fixar o olhar neste
personagem plenamente humano. Nele descobrimos que a pessoa humana atinge sua
plenitude quando não recua no propósito de dar a vida e de servir, quando não
abre mão da solidariedade com as pessoas desacreditadas e agredidas, custe o
que custar.
O ser humano
maduro e liberto não é o ‘amigo de César’, aquele que age sem autonomia, nem a
autoridade religiosa, que ordena por medo, mas Aquele que transcende os
interesses individuais e institucionais e se mantém a serviço de Deus e do seu
projeto. Por isso, do alto da cruz, Jesus diz que, no seu corpo feito dom, a
criação chega ao seu ápice: “Tudo está consumado.” Nele Deus chega ao máximo de
si mesmo e se supera no esvaziamento. Nele o ser humano vence todos os limites
e se faz dom e semente fecunda nas mãos de Deus.
Nesta
sexta-feira da paixão, o que esperamos e procuramos em um Deus crucificado?
Aqui só é licito buscar forças para caminhar na fé e perseverar no seguimento
de Jesus, o filho do Homem. Do alto da cruz ele se dirige a Maria e lhe confia
João: “Mulher, eis aí teu filho!” E, dirigindo-se ao discípulo, diz: “Eis aí
tua mãe!” Assim, aos pés da cruz, nasce uma nova família, não mais limitada
pelos laços de sangue ou por interesses rasteiros e limitados, mas cuidadora da
vida e compassiva com todos os humanos seres que querem viver e promover a
vida.
É por isso
que nesta santa sexta-feira nossa oração se abre em uma universalidade: rezamos
pela Igreja, pelo papa e todos os ministros, mas também pela união das
diferentes Igrejas cristãs, pelos judeus e pelos não-cristãos, pelos que não
acreditam em nada, pelas autoridades e pela humanidade sofredora. Diante do
crucificado, filho da humanidade e filho de Deus, aprendemos que os muros e
fronteiras religiosas, políticas, econômicas e culturais não fazem o menor
sentido
Diante de ti, Jesus de
Nazaré, prostramo-nos agradecidos e comprometidos. Nossas chagas doem na tua
carne e nossas culpas pesam sobre teus ombros, mas o dom do teu amor nos
regenera. Tua mãe e teu amigo nos acolhem numa comunidade-semente de um mundo
novo, e a água que brota do teu lado aberto lava-nos de todos os medos.
Beijamos tuas chagas, pedindo que teu Espírito não permita que este beijo seja
de traição. E assim seremos capazes de beijar, abraçar e acompanhar a imensa
caravana dos sofredores que só podem esperar em ti. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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